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CV: Arlane Gonçalves

Uma das Top Voices do LinkedIn, consultora de Diversidade, Equidade e Inclusão quer transformar o mercado de trabalho brasileiro

Daniel Vila Nova 13 de Janeiro de 2022

Arlane Gonçalves demorou para notar que era a única pessoa negra de boa parte dos ambientes que frequentava. Foi só em 2008, quando entrou no curso de Engenharia de Computação na Universidade Federal de Goiás por meio de cotas raciais, que passou a compreender o abismo que separava pessoas como ela de oportunidades. “Em uma turma de quarenta alunos, eu era uma das três mulheres e uma das quatro pessoas negras”, lembra. Dois anos depois, ela mudou de curso e foi fazer Administração, mas a situação não se alterou – na nova sala, era uma entre cinco pessoas negras.

Mas foram exatamente essas experiências que a motivaram a escolher o seu caminho profissional. Arlane se tornou uma das principais vozes brasileiras na gestão de recursos humanos. Com especialização em Gestão de Times Orientados à Cultura pela Universidade da Pensilvânia, nos EUA, atua hoje como consultora, mentora e palestrante de grandes empresas na área de diversidade, equidade e inclusão. “A ausência de pessoas negras, e também de outros grupos, começou a me incomodar muito. Quando descobri que podia mudar isso nas organizações, minha vida mudou.”

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Em 2017, trabalhava na área comercial de análise de dados da Suzano, empresa brasileira de papel e celulose, quando entrou em contato com a discussão sobre diversidade e inclusão no mercado de trabalho. Na Suzano, ela fundou a comissão de Diversidade & Inclusão e se tornou analista do setor até 2021, quando saiu da empresa para montar sua própria consultoria. “No Brasil, a área vem ganhando grande atenção nos últimos três anos, mas é importante ressaltar que figuras como a Cida Bento, por exemplo, trabalham com a pauta da equidade racial em organizações há mais de três décadas”, afirma.

Em paralelo ao trabalho e estudo sobre diversidade, ela escrevia suas reflexões sobre o tema no LinkedIn. “Estava conectada com todas as grandes lideranças, da minha e de outras empresas, por meio da plataforma. Ali, havia uma oportunidade de compartilhar esse conhecimento e fazer algumas provocações que eu jamais teria a oportunidade na vida real.” A estratégia deu certo. O conteúdo dela passou a gerar enorme engajamento e até mesmo as lideranças empresariais passaram a ouvir o que Gonçalves estava falando.

Muitas empresas acreditam que quando trabalham com diversidade estão fazendo um favor à sociedade e se desviando de sua função. Isso não é verdade

No final de 2020, uma grata surpresa – ela foi eleita uma das Top Voices da plataforma, programa criado pelo LinkedIn que dá maior visibilidade a usuários que fazem a diferença no site. “É uma visibilidade incrível em termos de oportunidades e credibilidade profissional”, conta Gonçalves, que diz ter ficado ainda mais feliz por o reconhecimento ter vindo pelos seus posicionamentos sobre diversidade. “A diversidade é transformadora. O meu trabalho é inovar e agir para promover essa transformação nas organizações e para além delas.”

A Gama, ela conta mais sobre sua trajetória profissional e sobre os desafios para promover mais equidade e Inclusão.

  • G |Quais são os principais desafios da sua área e como lidar com eles?

    Arlane Gonçalves |

    É necessário fazer com que as pessoas entendam que diversidade e inclusão não são uma causa. Muitas empresas e lideranças acreditam que quando estão trabalhando com diversidade, estão fazendo um favor à sociedade e se desviando de sua função. Isso não é verdade. A diversidade hoje é uma demanda do mercado para as empresas. A sociedade espera que as empresas se movimentem para combater as desigualdades. É preciso apresentar os dados que comprovam a expectativa dos consumidores e dos investidores e confrontar essa noção de “causa política”. Ao superar a ideia de que a diversidade é uma causa, é possível superar outros desafios. O investimento, o aprendizado e as mudanças que buscam a inclusão só são possíveis com uma mudança de mentalidade. A empresa que não acelerar esse processo vai ficar para trás.

  • G |Qual é a importância de uma boa formação acadêmica na sua área?

    AG |

    O mercado de diversidade, assim como vários outros, está aberto para diversos tipos de formação. Dentro dessa área, é possível encontrar profissionais que vão da formação acadêmica à experiência corporativa. Não há no Brasil uma formação curricular formal de diversidade, mas especializações no tema estão surgindo. É um campo muito aberto e não acredito que ele vá se fechar. Se você estuda inovação, você tem total capacidade de trabalhar com diversidade. Se você estuda antropologia, sociologia, filosofia, gestão de negócios etc., você também tem total capacidade de trabalhar com diversidade. Quanto mais você conseguir englobar conhecimento de negócios, acadêmico e teórico, melhor. O ideal é sempre procurar fazer essa mistura de conhecimentos.

Não adianta você falar sobre racismo estrutural e pacto narcísico da branquitude para líderes homens, brancos, de classe média alta. É importante falar na linguagem deles

  • G |Qual é a maior dificuldade na hora de falar sobre diversidade?

    AG |

    Acredito que seja essencial aprender a conversar com as pessoas em uma linguagem que elas entendem. A discussão sobre diversidade, equidade e inclusão costuma partir dos livros, de um contexto acadêmico. No mundo dos negócios, não adianta você falar sobre racismo estrutural e pacto narcísico da branquitude para os líderes homens, brancos, de classe média alta. Abordar esses conceitos é essencial, mas é importante falar na linguagem deles. Se eles não entenderem, eles não vão cooperar e, no final das contas, são eles que estão nas posições de tomada de decisão.

  • G |Quais foram seus maiores aprendizados nesses anos?

    AG |

    O primeiro grande aprendizado que tive foi a calma. Quando começamos a discutir sobre diversidade, é comum ficar entusiasmado. É uma característica que faz parte da discussão, as pessoas querem fazer por onde e mudar o mundo. Só que, muitas vezes, elas sequer sabem o que querem fazer ou qual resultado almejam. A calma e a paciência são necessárias para entender que, embora essa seja uma mudança estrutural urgente, há uma progressão. Quando falamos de uma empresa, estamos falando de uma organização com stakeholders, hierarquias e processos. Sem conciliação, não haverá mudanças. O pragmatismo é tão necessário quanto a ousadia, o desafio é equilibrar esses dois fatores.

Quando fui trabalhar na Faria Lima, fiquei assustada. Nunca havia visto tanta gente branca em um só lugar. Descobri que podia discutir essa sensação nas organizações

  • G |Que conselho você daria para os profissionais que estão começando agora e que pretendem seguir carreira na sua área?

    AG |

    Estudem todos os conhecimentos que possam agregar à área de diversidade: antropologia, história, filosofia, sociologia etc. Mas também é importante estudar o mundo dos negócios, seus modelos, suas estratégias. Se nós queremos mudar as organizações, precisamos entender como elas funcionam, quais são suas estruturas e como podemos transitar dentro delas. Sem isso, não iremos avançar. É importante saber escolher suas batalhas. Nós queremos mudar o mundo, mas não damos conta de mudar tudo de uma vez. Temos um número limitado de horas por dia, por isso, é importante focar e direcionar nossa energia ao que acreditamos ser fundamental. Se não sabemos como endereçar certa problemática, nada vai para frente. É importante entender o desafio e saber como dar conta dele.

  • G |O que te moveu a trilhar esse caminho?

    AG |

    Quando vim trabalhar em São Paulo, em 2017, não conhecia a Faria Lima. Meu primeiro dia de trabalho foi em um prédio na avenida. Quando cheguei ao andar da empresa, fiquei assustada. Nunca havia visto tanta gente branca em um só lugar. Foi uma sensação muito estranha, já estava acostumada a ser a única negra nos lugares em que frequentei, mas nunca naquele nível. Me senti um ponto preto em uma folha A4 branca. Quando olhei para as laterais do andar, vi pessoas negras, zeladores e zeladoras. Aquilo me marcou muito. Quando descobri que podia discutir essa sensação dentro das organizações, agarrei com as duas mãos. Ao contrário do que eu imaginava, havia lideranças ali dentro que também tinham esse senso de urgência e de mudança, que queriam mais diversidades em suas empresas. Quando entendi que isso era possível, unir o útil — minha vontade — ao agradável — os aliados na liderança. Com isso, consegui acreditar que é possível gerar um impacto positivo no mundo corporativo.

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