Meditação para crianças — Gama Revista

Meditação desde criancinha

Foco, autoconhecimento e empatia são alguns dos efeitos que a meditação pode ter em crianças que aderem à prática. Mas não espere que eles surjam da noite para o dia, nem force a barra

Isabelle Moreira Lima 10 de Junho de 2020

Para os não iniciados, pode parecer meio maluca a ideia de meditação para crianças — como esperar, afinal, que um mini ser humano fique quieto por mais do que trinta segundos? Em um mundo acelerado e cheio de estímulos, o desafio parece ainda maior. E apesar de tudo — ou talvez justamente por isso — uma nova onda de meditação tem arrebatado não só adultos, mas também crianças e adolescentes, na tentativa de deixá-los mais equilibrados, tranquilos e focados.

A meditação feita com crianças é diferente da praticada por adultos. As sessões têm que ser claras e principalmente lúdicas, algo que é aparentemente simples, mas na prática nem tanto.

Em Porto Alegre, o projeto Sente, que leva mindfulness e educação socioemocional a um grupo de escolas públicas, trata a meditação como “exercícios de respiração”. “Para os bem pequenos, propomos atividades mais concretas, falamos em cheirar a flor e assoprar a vela para que eles entendam”, afirma a psicóloga Lisiane Rech. Para os maiores, o termo “mindfulness” também é deixado de lado para que o programa não pareça descolado da realidade. “São crianças e adolescentes cujas demandas vão além da atenção plena e que vivem em situação de vulnerabilidade socioeconômica. Falar em mindfulness pode parecer prepotente. Então tentamos traduzir e mostrar que uma outra realidade é possível”, afirma Gabriela Romeira, também psicóloga do projeto.

As sessões têm que ser claras e principalmente lúdicas, algo que é aparentemente simples, mas na prática nem tanto

Quando a prática é seguida com constância e por um período longo, por meses, segundo instrutores ouvidos pela Gama, a criança ganha consciência corporal e um melhor entendimento das próprias emoções, além da célebre atenção plena, um ativo fantástico para se ter à mão na vida escolar – especialmente nestes tempo, em que distúrbios de atenção são cada vez mais comuns

Essa é a chave para entender por que a meditação é cada vez mais comum em grades escolares no Brasil e no mundo. Na Inglaterra, há um ano virou disciplina em 370 escolas da rede pública, num estudo sobre como aumentar a saúde mental das crianças. Nas aulas, eles aprendem técnicas de relaxamento, de respiração e outros métodos para regular as emoções. “Como sociedade, nós estamos mais abertos a falar sobre saúde mental, mas o mundo moderno trouxe novas pressões para as crianças”, afirmou o então secretário de educação britânico Damian Hinds, no lançamento do programa. Quanto mais cedo aprende-se a prática, mais natural ela fica e, logo, mais difícil que seja abandonada. Há ainda poucas pesquisas sobre meditação com crianças, mas projetos como o da Universidade da Califórnia já mostram resultados no comportamento.

Meditação pré-Enem

No Brasil, não há um programa unificado governamental, mas iniciativas pontuais vêm pipocando em escolas públicas e privadas, das construtivistas às mais tradicionais. No final do ano passado, um aulão pré-Enem na Escola Estadual Milton da Silva Rodrigues, na zona norte de São Paulo, teve sessões de meditação “para aliviar o estresse e ativar a memória” — há estudos que comprovam ligação direta entre o exercício e o desempenho em matemática. Durante a quarentena, professoras da Escola Estadual Professor Sebastião de Oliveira Rocha de São Carlos (SP) enviaram pelo WhatsApp vídeos com instruções como as que já davam em sala de aula ao perceber tristeza e desânimo nos alunos. “É uma forma de fazer com que eles também prestem atenção em si mesmos”, afirma Isabel Cristina Santana Kakuda.

Forçar a meditar, se não for o momento, pode ser traumático. É importante que fique claro que aquele é um lugar de ajuda

Além do foco e do equilíbrio emocional, a empatia e a compaixão são outros princípios abordados na prática que a instrutora Daniela Degani, da Mind Kids, que ensina mindfulness a alunos, professores, pais e funcionários de escolas paulistas como Porto Seguro e Oswald de Andrade, há quase cinco anos, no caso da última. Sua metodologia envolve meditação guiada, jogos de atenção, conversa e momentos de introspecção. Nos dois últimos meses, têm sugerido práticas diárias para a quarentena em vídeos abertos no YouTube. Dos alunos mais velhos, têm o retorno de que se dão melhor quando meditam antes das provas e que dormem bem também quando a prática está em dia. Nos menores, passam a compreender a raiva. “Eles entendem que se param e respiram, há mais possibilidades do que quando simplesmente batem.”

Mas faz um alerta: a meditação não resolve os problemas de uma hora para outra, mas no longo prazo. “É com o tempo e com a prática, não é milagre. Adoraria dizer que vai resolver a sua vida em um sentada.”

E não adianta também tentar empurrar a meditação a quem não está interessado. Giulianna Correia, criadora do projeto Meditar na Escola dá aulas facultativas há cinco anos na Escola Estadual Princesa Isabel, sempre na hora do almoço. “Forçar uma criança a fazer Yoga, a meditar, se não for o momento dela, pode ser traumático. É importante que elas percebam que querem e que aquele é um lugar de ajuda”, afirma. Sua tática foi eficaz: hoje ela tem um clube de meditação na escola, ideia proposta pelos próprios alunos.

Mindful desde o maternal

A meditação foi crucial para a escolha da escola onde Tito, filho de cinco anos do fotógrafo Claus Lehmann, iria estudar. Praticante de meditação e simpático ao método Montessori — ou um “hippie dos anos 2020”, como se autodeclarou ‘’, Lehmann disse que a combinação de uma casinha simpática, pessoas amáveis e meditação desde o maternal foi imbatível na hora de escolher pela Escola Arte de Ser. Hoje, na rotina de Tito, assim como escova os dentes e lava as mãos, medita pela manhã. “Durante a quarentena, meditamos juntos ao acordar por um minuto. Escolhemos a quem queremos mandar o nosso ohm. Vejo como uma maneira de ter uma conexão espiritual sem ser religioso”, afirma Lehmann.

É difícil afirmar que efeitos práticos tem a meditação na vida de Tito, já que é parte de sua vida desde sempre. “Em casa, ele é cheio de energia. Mas é capaz de concentrar-se em um quebra-cabeças de cem peças indicado a crianças de sete anos, por exemplo. Acho que, principalmente, a meditação o ajuda a se ver, a se perceber no mundo, olhar para dentro”, afirma. “É algo que interfere nos conceitos de vida.”

COMO COMEÇAR

Veja aqui dicas de como iniciar seu filho no mundo da atenção plena:

  1. Faça você mesmo. É unânime entre os instrutores que alguém que não medita não consegue ensinar meditação. O primeiro passo a ser dado pelos pais interessados em introduzir o exercício na vida do filho é iniciar-se neste mundo.
  1. A prática deve entrar na rotina. A meditação deve entrar na lista de atividades da criança como estão outras práticas cotidianas, para que se crie o hábito e vire uma coisa natural.
  2. Comece pela postura. A criança deve sentar-se no chão, sobre uma almofada, ou numa cadeira que permita que toque o chão com os pés. Os braços ficam esticados ao longo do tronco, que deve estar ereto, e os ombros e o peito abertos para permitir a entrada do ar.
  3. Ouça os sons. Use um sino ou apps como Meditation Timer e explique a criança que vai tocar por alguns segundos e que ele vai parar. Peça que a criança observe o som e o momento em que ele cessa. É possível dizer qual foi a última badalada do som? Esse é um bom treino lúdico para concentração, sugere Daniela Degani.
  4. Respire fundo antes de dormir. Outra dica é da instrutora americana Jillian Pransky, que sugere três respirações profundas antes de dormir. Instrua a criança a inspirar e expirar dizendo “trêêêêês” longamente. Repita dizendo “doooois”. E, por fim, “ummmmmm”. Ela deve relaxar por algumas respirações, com atenção ao próprio corpo, e pode repetir o exercício se desejado.

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