Por que nos preocupamos tanto e o que fazer para nos acalmar
Estudos mostram que algumas pessoas preferem choques elétricos a serem deixadas sozinhas com seus pensamentos. Soa familiar para você?
A chegada de um novo ano traz tanto esperança quanto ansiedade. Nós queremos que as coisas sejam melhores para nós e para quem amamos, mas nos preocupamos com a possibilidade de que não sejam, imaginando os obstáculos que podem surgir no caminho. De modo mais abrangente, nos preocupamos com quem vai vencer a eleição ou até mesmo se o nosso planeta sobreviverá.
Seres humanos se preocupam. Nossos cérebros estão o tempo todo imaginando futuros que possam atender às nossas necessidades e coisas que podem nos atrapalhar. Às vezes, essas necessidades podem estar em conflito umas com as outras.
A preocupação faz com que esse planejamento nos prive do melhor de nós e ocupa a atenção sem gerar nenhum efeito positivo. Já os negativos são infinitos: tensão, noites mal dormidas, apreensão e distração com as pessoas com quem mais nos importamos. Mas há jeitos de domá-la.
Como professor de medicina e população e ciências quantitativas da saúde, tenho pesquisado e ensinado sobre a conexão mente-corpo tanto para médicos como para pacientes. Descobri que existem diversos métodos de acalmar a mente, e que a maioria deles é formada por apenas alguns princípios diretos. Entendê-los pode ajudar na vida cotidiana.
Nosso cérebro sabota o momento presente mais feliz
Todos nós já experimentados momentos de total fluidez quando, sem esforço, nossa atenção é absorvida pelo que estamos fazendo. E estudos feitos em tempo real confirmam que há um aumento da felicidade quando uma pessoa consegue focar sua atenção no que está fazendo — em vez de ter sua mente vagando por aí. Pode parecer estranho, então, que deixemos nossas mentes passeando durante mais ou menos metade do dia, apesar do custo de felicidade que isso envolve.
Há um aumento da felicidade quando uma pessoa consegue focar sua atenção no que está fazendo
O motivo pode ser encontrado na atividade de regiões cerebrais conectadas, que se ativam quando nossa atenção não está ocupada com uma tarefa. Esses sistemas funcionam por trás da consciência, vislumbrando futuros compatíveis com nossas necessidades e desejos, e planejando como construí-los.
Cérebros humanos evoluíram automaticamente para fazer planos contra a escassez e outras ameaças. Mas existe uma desvantagem: a ansiedade. Estudos mostram que algumas pessoas preferem choques elétricos a serem deixadas sozinhas com seus pensamentos. Soa familiar para você?
Nosso histórico é essencial para operar no mundo. Algumas vezes, é a origem de nossas imagens mais criativas. Mas sofremos desconforto quando, sem avisar, ele se apropria de nossa reserva mental.
Mindfulness, a prática de observar a atividade da nossa mente, oferece uma visão em tempo real do recurso padrão do sistema operacional do cérebro e a capacidade de autorregulá-lo.
Estudos mostram que algumas pessoas preferem choques elétricos a serem deixadas sozinhas com seus pensamentos. Soa familiar para você?
Isso é confirmado por estudos que mostram o aumento da regulação da atenção, da memória de trabalho e a consciência da vagueação da mente que se desenvolvem depois de apenas duas semanas de treinamento da técnica mindfulness. Estudos de imagem também mostram que esse tipo de treino reduz a atividade no modo padrão e enriquece as conexões neurais que facilitam a autorregulação das emoções e da atenção.
A evolução prioriza a sobrevivência sobre a felicidade
O planejamento é parte de nossa história evolutiva. Seu valor é evidente na universalidade e na frequência com que ocorre. Programas que trabalham a relação mente-corpo, como yoga e mindfulness, são indicativos do anseio que muitas pessoas têm de estar o mais feliz e presente possível em cada momento.
O modo como usamos nossa atenção é central para o nosso bem-estar emocional, e muitos desses programas de mente e corpo têm como objetivo treinar nossas mentes para ter mais habilidades nesse sentido.
O treino de mindfulness, por exemplo, pede que praticantes dirijam sua atenção para as sensações de respirar. E, embora isso possa parecer fácil, a mente resiste firmemente. Então, apesar da determinação repetida, a pessoa descobre que, em questão de segundos, a atenção se dirigiu sem esforços para o plano dos devaneios. Só o reconhecimento dessa característica já é um progresso.
Nos momentos em que se consegue identificar esses pensamentos com algum desapego, a preocupação persistente com o passado e o futuro se torna clara. E a presença semivigilante do planejamento (o que poderia dar errado aqui?) também.
Começamos a notar que esperança, comparação e arrependimento geralmente são preocupações relacionadas à família, amigos, trabalho e dinheiro — temas de relacionamento, status e poder, que são centrais para a sobrevivência de primatas tribais, todos contrários ao conhecimento prévio da nossa finitude.
Nossos corpos percebem
Os ensinamentos tradicionais da meditação atribuem nosso desconforto cotidiano à retração corporal, o que naturalmente acompanha a possibilidade da perda, do fracasso e de sonhos não realizados incorporados a essa narrativa. É uma tensão que muitas vezes não é notada no gerenciamento de nossas demandas cotidianas. Mas o desconforto nos faz procurar por alívio em algo mais prazeroso, como um lanche, uma tela, uma bebida ou uma droga.
Mindfulness nos dá mais consciência dessas preocupações e reorienta a atenção aos sentidos. Esses, por natureza, se voltam para o agora — daí a expressão já quase clichê de “viva o presente”.
Quando você estiver tenso e preocupado, tente focar a atenção nas sensações de sua respiração
Portanto, quando estiver tenso e preocupado, com pensamentos que causam ansiedade, tente focar sua atenção nas sensações de sua respiração, onde quer que você a perceba no seu corpo. A tensão corporal naturalmente se dissipa com a mudança de foco, e uma sensação de calmaria seguirá. Não espere que sua atenção fique lá; ela não ficará. Apenas note que a atenção volta para as preocupações, e suavemente retorne à respiração.
Tente fazer isso apenas por dois minutos.
Outros programas de mente-corpo usam princípios similares
Seria quase impossível projetar estudos comparando todas as técnicas que cultivam o mindfulness. Mas minhas mais de quatro décadas de experiência como um praticante, clínico e pesquisador de muitos programas de mente-corpo populares sugerem que a maioria delas usa princípios parecidos para resgatar o momento presente.
Yoga e tai chi, por exemplo, direcionam a atenção para o fluxo de sensações que acompanham a sequência de movimentos. Por outro lado, técnicas como a terapia cognitiva, a autocompaixão e a oração confrontam as inquietações da narrativa do ambiente com imagens e pensamentos mais tranquilizadores.
Só um pouco de prática torna essa tendência mental universal e sua capacidade de alterá-la mais evidentes em meio às atividades. A redução da excitação como resultado significa que os hormônios relacionados ao estresse se dissipam, permitindo que os que geram bem-estar, como a serotonina e a dopamina, sejam restaurados no cérebro, na medida em que os mais felizes no aqui e agora se entrelaçam na trama da vida cotidiana.
*Publicado originalmente em The Conversation, em inglês. Tradução: Laura Capelhuchnik