Rotina musical
A rotina e as músicas que estão embalando o isolamento de músicos como o funkeiro Kevin O Chris, a lenda punk Sandra Coutinho, as cantoras IZA e Céu e a icônica Dona Onete
Quando tudo parece fora do normal, ouvir suas músicas preferidas pode ser reconfortante. Além delas, explorar novas bandas e ouvir podcasts pode transformar atividades mecânicas em algo mais prazeroso e fazer nossos dias menos solitários. Gama ouviu 15 músicos brasileiros de diferentes estilos, regiões do país e gerações para saber qual é a rotina e a trilha sonora de suas quarentenas. No final, há uma playlist com as sugestões para você ouvir no período de isolamento social (e depois, é claro).
Benke Ferraz (Boogarins)
“Fora a rotina de shows do Boogarins, meu trabalho como produtor musical sempre foi muito em casa, então pouco mudou. Estou na reta final da mixagem de um EP do Giovani Cidreira com o Mahal Pita e ele me passou um som do The Weeknd como referência. Peguei o disco ‘Beauty Behind the Madness’ para escutar pela primeira vez e estou gostando bastante. Curto muito as parcerias dele com o Travis Scott, em ‘Wake up’ e ‘Wonderful’. Nunca tinha me atentado às canções dele, talvez por uma certa preguiça com o timbre de voz ‘perfeitinho’. Na pegada de listas de encerramento de década, fiz uma playlist com o que teve de mais relevante (para mim) na cena goiana dos últimos dez anos, a ‘Pop Underground Goiano Anos 10‘.“
Céu
“Me deu muita saudade de escutar um disco que amo de paixão e fazia tempo que eu não ouvia. O primeiro do Djavan, o ‘A Voz e o Violão’. Também tenho escutando uns raps. Assisti a série ‘Madam C. J. Walker‘ e fiquei muito interessada na trilha sonora, nas bases de rap e hip hop. Tenho feito as coisas que se faz em casa. Mas não só a faxina pesada, mas o que me dá prazer, como cozinhar e cuidar das plantas. Temos um quintal onde brincamos de bola, um quadrado onde deitamos e olhamos para o céu. Coisas simples, mas que desviam a nossa cabeça do horror que estamos vivendo. Temos escutado muito o piano da professora do meu filho. Ela traz cirandas e cantigas antigas para ele se lembrar da escola. Isso tem sido muito divertido, é o nosso momento lúdico.”
Clarice Falcão
“Tenho ouvido coisas para me inspirar e compor, como o disco ‘Pang’, da Caroline Polachek; ‘Athena’, do Sudan Archives, que é muito bom; o novo da Letrux, o ‘Letrux aos Prantos’, que está incrível. Criei uma playlist no Spotify chamada ‘Pra ter o que fazer‘, o mesmo nome do meu single. Justamente para ouvir quando você quer arranjar coisas para fazer. Isso foi antes da quarentena, são as coisas que escuto no meu tempo livre.
Tenho um projeto pessoal com meu namorado, mais para não enlouquecer, chamado ‘volta ao mundo em quarentena dias’. Todas as noites, a gente escolhe um lugar do mundo e pesquisa. Ele [Guilherme Guedes] é jornalista de música, então me conta sobre a música do local. Pesquisamos coisas sobre a história, projetamos o street view no telão e tentamos fazer comidas que remetem ao local. A gente escuta muitas músicas desses lugares – Alemanha, França, Índia, Japão e Itália. Acho que o próximo vai ser o México. Viajar para algum lugar para tentar controlar a maluquice.”
Dona Onete
“Sei que estou no grupo de risco, preciso me precaver. Já gostava de uma rede, agora então… comprei outra. Estou com 80 anos e aproveito para reforçar que quem tem mais de 60 tem que parar já de andar pela rua, se aquietar. Vamos jogar um baralho, um dominó. Estou fazendo música, faço algumas, escrevo e guardo. Também estou escutando nossos amigos aqui do Pará, tem muita música bonita aqui. As guitarradas, os carimbós, os boleros, os bregas… Precisamos de palavras de amor. Pinduca, Lucinha Bastos, Mahrco Monteiro, Marco André, Fruta Quente e mais aqueles que não estou lembrando.”
Edgard Scandurra
“Acompanho as notícias pelos canais que confio. Ativei meu DVD, tenho uma boa coleção de filmes do Dario Argento, diretor que adoro. Lavando louça, varrendo a casa para não juntar poeira… Estou sozinho, meus filhos moram com as mães, então estou curtindo uma solidão. Tenho tocado bastante, faço lives no Instagram, de vez em quando. Às vezes só para bater papo, outras para tocar alguma coisa, mostrar músicas.
Tenho uns 200 discos que estou ouvindo aleatoriamente. Gosto de deixar em ordem alfabética, mas agora pego um e coloco para tocar. Já ouvi discos da minha banda, o Ira!, do Víctor Jara, um compositor chileno, do Trio, a banda dos anos 80. Milton Nascimento, Clube da Esquina, Bee Gees, que adoro… E Jimi Hendrix! Vou pegando e sorteando. Tenho muitos discos de música francesa, como do Serge Gainsbourg.”
IZA
“Voltei a desenhar, algo que eu fiz muito quando era mais nova. E, aproveitando que meu marido é meu produtor – e está em casa comigo – estamos compondo e gravando algumas músicas novas para o próximo álbum. Sempre escuto um pouco de tudo, artistas que admiro como Stevie Wonder, Beyoncé, Rihanna, Kehlani.”
Josyara
“Quem é músico, certamente, terá o ócio criativo a seu favor. Vejo nas redes, todo mundo está tocando algo inédito ou soltando aquela que estava engavetada. Tempo de florir ideias. Tenho escutado muito o álbum ‘Manga’ de Mayra Andrade. Às vezes, também coloco o aleatório do Spotify para descobrir coisas novas. Ontem tive a sorte do algoritmo indicar a música ‘Kele’ de Fatoumata Diawara – estou curtindo!”
Kevin O Chris
“A situação está braba, mas estou aproveitando para fazer mais músicas e também ficar com a minha família. O Filipe Ret é um cara que gosto de colocar no fone, gosto do rap com funk que ele faz. Fiquei felizão por ter gravado recentemente uma música com ele, a ‘Dentro de Você’. E outro cara que também tenho escutado direto é o Orochi. Ele soltou a música ‘Nova Colônia’, metendo bronca no governo e na violência que rola na favela. Ficou brabo!”
Kiko Dinucci (Metá Metá, Passo Torto)
“A ocupação na quarentena, basicamente, é fazer os trabalhos domésticos – comida, faxina e lavar roupa. Somos três aqui, com alta demanda. Estamos arrumando jeitos de não sair de casa de maneira alguma. Estou lendo de novo o livro ‘Angústia’, do Graciliano Ramos, um dos meus prediletos. Também estou lendo ‘Brasil: uma Biografia’, da Lilia M. Schwartz e da Heloisa M. Starling. Assisti ao filme ‘O Rei da Comédia’, do Martin Scorsese, ‘M.A.S.H.’, do Robert Altman e ‘Mar de Rosas’, da Ana Carolina. Ouvi os discos ‘Veteran’, do rapper JPEGMAFIA, o primeiro disco da brasileira Diana e o ‘I Speak Fula’ do Bassekou Kouyaté & Ngoni Ba.”
Larissa Conforto
“Estou em uma casa que não é minha, é de amigos. Somos em cinco pessoas, todos das artes. Já fizemos maratona de filmes coreanos, estamos nos planejando para produzir músicas… Fiz uma nova na guitarra ontem. Fizemos muita faxina, estamos descobrindo receitas e temperos novos. Me conectei com uma agenda chamada Mandala Lunar, que junta o calendário gregoriano com os ciclos da lua. Estou colorindo, tentando me ritualizar para o próximo ciclo. Tenho uma playlist chamada ‘Vibey‘, com músicas que me acalmam. Escutei o disco novo do Cícero, o ‘Cosmos’. Como lancei meu trabalho recentemente, o EP ‘Gratitrevas’, estou escutando álbuns de outros artistas que acabaram de sair, como o da Letrux. O ‘Travesseiro Feliz’, do Ricardo Richaid, e o ‘Elasticidade do Tempo’, do Rod Krieger. Os dois tem algo de tristeza feliz e muitas reflexões existenciais. O segundo disco da Kate Tempest, ‘Let Them Meet Chaos’, também sempre me acompanha, me dá forças.”
Linn da Quebrada
“Tenho surtado algumas vezes durante o dia, e tentando não surtar em outras (risos). Tenho me afastado das redes sociais para preservar, o que me resta, de sanidade mental. Fazer exercícios, cozinhar, cuidar da minha casa e de mim. Venho pensando nos meus projetos e tenho protelado muito. E acho que tudo bem também. Quero indicar uma tal de Linn da Quebrada que está precisando de stream para se manter nesse momento de crise. Fiquei sabendo, cá entre nós, que logo menos tem alguns lançamentos dela vindo por aí. Tenho ouvido Clarice Falcão, Jup do Bairro, Letrux e o álbum novo da Bivolt (‘Bivolt’). O podcast ‘Fora da Curva’, ‘Café da Manhã’ e também o ‘Mote’ com a Paulete LindaCelva, no Cereal Melodia.”
Luiza Lian
“Não tem sido fácil estabelecer qualquer rotina em um momento histórico tão tenso como este. Estou tentando me manter calma, conversar com pessoas queridas e usar meu tempo para criar coisas novas. Nesta semana, fiquei escutando a trilha sonora do filme ‘Pina’, do Wim Wenders. Tenho escutado mais playlists, recebi uma incrível chamada ‘Cumbia Psicodélica‘, muito boa para dar uma extravasada.”
Marcelo D2
“Ia ficar de quarentena de qualquer jeito porque estou escrevendo e terminando o novo disco do Planet Hemp. A única coisa, é que eu teria que ir para o estúdio, mas estou em casa, como todo mundo. Tentando manter a sanidade. Um dia eu escrevo, no outro eu relaxo, também estou vendo muitos filmes. Minha mulher me mostrou ‘The Punk Singer’, sobre a história da Kathleen Hanna, vocalista do Bikini Kill, superinspirador! Um abraço e se cuidem, todos.”
Rita Oliva (PAPISA)
“Tive shows cancelados, mas resolvi adaptar a apresentação com banda para o formato solo e transmitir ao vivo da sala de casa, então isso continua tomando meu tempo. Faço exercício e meditação, e participo da comunidade online chamada O Lugar, com encontros coletivos e manhãs de silêncio feitos por videoconferência. Também estou mais ativa na minha conta pessoal do Instagram, voltada para meu trabalho paralelo de leitura de mapa astral e tarot. Tenho aberto o espaço para perguntas e respostas das cartas. Uma playlist que tem embalado alguns momentos de descontração e também me dado boas referências de produção é a ‘Elevando as frequências‘, do Gab Gobbi, produtor musical. Dois episódios de podcasts que gosto muito e indico para esse momento: ‘Coemergência’, com participação do Lama Padma Samten, e o ‘Bom dia, Obvious‘ com participação de Juliana Luna.”
Sandra Coutinho (As Mercenárias)
“Minha rotina não mudou muito, acredito que eu já seja uma “insider”. Todos os dias, pela manhã, faço práticas que variam entre Lian gong, Ba duan Jin, Xiang Gong (Treinamento Perfumado) e o boost no sistema imune Qigong. Também aproveitei para organizar minha pedaleira de efeitos e continuar na criação de temas no baixo. Com ou sem coronavírus, estou escutando a nona sinfonia de Beethoven, além dos concertos para piano número um, três e cinco. Passei também por Chopin, Mahler e Brahms. Ontem, em um momento de faxina, escutei Son Cubano Guajira y Caranga e Ibrahim Ferrer.”