O que aconteceu no primeiro dia da FLICA — Gama Revista

Flica, dia 1: Narrativas afroindígenas, calor e um robô dançarino

Festa literária de Cachoeira, no Recôncavo Baiano, começa nesta quinta-feira (26). Acompanhe aqui os principais destaques do primeiro dia

Daniel Vila Nova e Gabriela Bacelar 26 de Outubro de 2023

A Festa Literária Internacional de Cachoeira (Flica) começa nesta quinta-feira (26) com nomes de peso como Jean Wyllys, Marilene Felinto, Auritha Tabajara e Leda Maria Martins, entre outros, para discutir poéticas afroindígenas no bicentenário da Independência do Brasil na Bahia. A 11º edição do evento conta com cobertura local da Gama em Cachoeira, na Bahia. Abaixo, você acompanha os principais destaques do dia.

Curadores falam sobre as narrativas afroindígenas

Na Tenda Paraguaçu, o principal palco da Flica, os curadores da Festa Literária Internacional de Cachoeira deram início ao evento. As professoras Mirian Reis, Luciana Brito, Clara Amorim e o professor Jocivaldo Bispo subiram ao palco e discursaram sobre os temas centrais da feira. Em especial, destacaram o enfoque nas narrativas afroindígenas. “Curadores são tecelões que constroem harmonias”, afirmou Bispo. “Apontamos literaturas diversas que ajudam pessoas a se perceberem enquanto cidadãos.” A cerimônia de abertura também contou com Adélia Pinheiro, secretária da Educação do Estado da Bahia.

Em Cachoeira, muito calor

O evento mal começou, mas o calor já é o convidado mais comentado da Feira Literária. Na cidade baiana, a temperatura é de 33º e é comum ver os convidados, e algum dos palestrantes, abanando leques e papéis para se manterem refrescados. A organização da FLICA distribui leques com os dizeres “Viva a independência das mulheres baianas”, “Respeito é nosso direito” e “Racismo não é brincadeira, é crime”. Em Cachoeira, esse é o item mais disputado entre o público do evento.

Uma mesa sobre o futuro

Uma das mesas mais esperadas do evento, a conversa intitulada “Contos, histórias para escrever o futuro: quem constrói a nação?” deixou fortes impressões no público presente. O encontro teve Marilene Felinto, escritora, jornalista e colunista da Gama; Luciany Aparecida, doutora em Letras com pesquisas nas áreas de literatura e cultura; Auritha Tabajara, escritora, poeta e cordelista; Feibriss Cassilha, professora pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) e mediadora da conversa. Ela destacou a importância da composição da mesa: duas mulheres pretas, uma mulher indígena e uma mulher trans.

Ao debater sobre a construção da nação, Aparecida foi direta: é necessário questionar a palavra “futuro”. “Qual é o futuro que nos é disponibilizado? O mais importante para nós, que resistimos, é o presente. O agora e o aqui é onde estamos tentando sobreviver. Esse é o meu ponto de partida”, ela indaga.

Já Tabajara falou sobre a importância de respeitar as diversidades e comentou sobre o erro que é resumir os diversos povos indígenas a uma visão estereotipada: “No Brasil, a gente não se enxerga e não respeita as diversidades. É importante a gente entender de onde veio para entender para onde vai”.

Por fim, Felinto relacionou o seu processo de escrita e sua trajetória pessoal ao falar sobre a nação e o futuro. Ao pensar sobre sua escrita, afirmou que a diáspora nordestina é o cerne de sua literatura. “Precisei vencer a fome enquanto migrante para lidar, depois, com classificações como negra e mulher.” O diferente, segundo ela, é o que move sua ficção. “O disparador da minha literatura é o espanto causado pela diferença entre o branco e o preto, a mulher e o homem, o pobre e o rico, o humano e o não humano.

 Daniel Vila Nova/Gama Revista

Um robô dançarino para alegrar a criançada

O público infantil e juvenil da Flica é enorme. Ao andar pela feira, o que mais se vê são grupinhos de adolescentes com uniformes escolares rindo pelo evento. Foi pensando nisso que a Casa do Governador, uma das ativações da festa, recebeu o Robozão — um robô branco de dois metros de altura que dança com o gingado digno de Leo Santana. O Robozão foi criado e desenvolvido pelo desenhista industrial baiano Lei Almeida em 2009 e, desde então, é sucesso nas redes sociais e em festas ao redor de todo o país. Ao som de Michael Jackson, Luis Fonsi e Anitta, o robo conquistou até mesmo curadores, escritores e autoridades locais, que acompanharam o gigante de dois metro na dança.

 Comunicação Flica

Abdias do Nascimento e a liberdade de povos racializados

Ainda na Tenda Paraguaçu, uma das conversas entre convidados relacionou as ideias de independência e liberdade com as lutas das comunidades negras e indígenas, na mesa “Escritos de Liberdade: Independência por direito e pela vida”. A pesquisadora norte-americana Elisa Larkin e a professora de Literatura da UFBA Denise Carrascosa abriram os diálogos com a apresentação da obra “Submundo: Cadernos de um penitenciário” de Abdias do Nascimento,lançado neste ano pela editora Zahar.

A brancura, para Abdias, é o primeiro fator gerador do encarceramento. Para os participantes, o sistema de dominação racial está traduzido no projeto de genocídio e encarceramento das comunidades negras e indígenas do país. Carrascosa lembra que o Brasil possui a terceira maior população encarcerada, e também entre as mulheres está em terceiro lugar. Ela afirma que, nas últimas duas décadas, o país tem divulgado a noção de “mulheres negras perigosas”.

“Sobre o Dia da Independência, podemos pensar: o que mudou, essa data, para a história indígena?”, questiona o pesquisador Felipe Tuxá, professor do Departamento de Antropologia e Etnografia da UFBA. Para ele, a questão é considerar o acesso à cidadania, à liberdade e ao território para refletir sobre a importância dessas datas cívicas. Ele diz que, mesmo diante de avanços importantes como o aumento no número de estudantes indígenas nas universidades públicas brasileiras, a questão fundamental do direito à terra, seja no contexto da Independência do país ou nos dias de hoje, continua sendo central para entender todas as violações que essas comunidades têm sofrido. “Se para ser indígena você precisa estar no território, e esse território não esta demarcado, onde você existe?”

Os corpos negros, femininos negros e indígenas são aqueles que, nas palavras de Carrascosa, sofrem interdição pelo “amordaçamento do testemunho do olhar da experiência”. “Dentro do sistema prisional, essa mulher negra se constitui como o câncer a ser eliminado, a culpada pela colonização violenta no Brasil”, afirma Carrascosa.

Este conteúdo é parte da série “Gama na Flica 2023”, produzida com apoio do Governo do Estado da Bahia e das secretarias de Educação e Cultura, realizadores da Feira Literária Internacional de Cachoeira (BA)

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