Que melancolia, que nada. Vou mais é organizar protesto — Gama Revista
COLUNA

Maria Ribeiro

Que melancolia, que nada. Vou mais é organizar protesto

Ano passado gastamos nossas datas obrigatórias juntos e em velocidade de cruzeiro, este mês meus garotos decidiram viajar sem mim. Pela primeira vez

05 de Dezembro de 2023

Vai fazer um ano. Angustiada com Natal e Ano Novo – as maiúsculas, de cara, já entregam o peso das palavras – resolvi fingir que nada disso existia. Sabe aquele momento da infância? Quando você descobre que “bom velhinho” é, no máximo, o tio da barraca de praia? Por que não levar isso à sério? E ignorar dezembro de vez?

Eu havia decidido (e decidir é sempre a parte mais difícil). Passaria 24 e 31 no avião. Sem cep, e com as duas pessoas que eu mais amo no mundo: meus rebentos. “Vocês topam?”, perguntei – sabendo que pro caçula, adepto há treze anos do chip “família” em caixa alta, podia não ser fácil abrir mão do “amigo secreto” na casa da avó.

Eles toparam. Assim, passamos sete dias driblando o calendário de festas, morando em um mês perfeito e sem obrigações, com o único objetivo de ficarmos juntos. Havia a cidade, claro – e eu sou praticamente garota-propaganda de Nova Iorque – mas, sobretudo, havia a gente. Nunca vou esquecer dos instantes em que os via dormindo, ou procurando juntos algum restaurante ou estação de metro. Difícil imaginar vista melhor…

Eu sei, que, hoje em dia, tem cada vez menos gente comprando o pacote da maternidade. Eu mesma, eventualmente, invejo minhas amigas sem filho, que não terceirizam a paz de espírito nas madrugadas, que finda completamente com adolescentes festeiros.

Pra mim, no entanto, ser mãe sempre foi um plano muito doce. Algo que me traria sentido, horizonte e perspectiva. Que me permitiria a alteridade e, ao mesmo tempo, a fusão. Um lugar instável, mas também fixo. Uma casa pra sempre, independentemente da ocupação.

Ser mãe sempre foi um plano muito doce. Algo que me traria sentido, horizonte e perspectiva. Que me permitiria a alteridade e, ao mesmo tempo, a fusão. Um lugar instável, mas também fixo

Em agosto de 2002, quando ainda comemorava o título do Brasil na Copa do Mundo do Japão, fiz meu primeiro teste de farmácia. Dois tracinhos que agora leem Antonio Candido e ouvem The Cure, e que manjam de política americana e de microeconomia, de silêncio e de futebol, de chocolate e de caixas de som.

Fui mãe aos 27 e, depois, aos 34. Natais resolvidos por um tempo grande o suficiente pra que esquecesse completamente do tal “blues dezembrino”. De um mês que, a meu ver, pouco ou nada lembra o aniversário do Cristo. Um cara que, imagino eu, não seria exatamente frequentador de shoppings. Que estaria preocupado com o calor nos presídios e com o solo de Maceió. Mas que talvez comprasse ingresso pro show do Paul McCartney.

Lembro de tudo isso porque, ao contrário do ano passado, quando gastamos nossas datas formais em velocidade de cruzeiro, esse mês meus garotos vão, pela primeira vez, viajar sem mim. Eu, que já não sou boa nem de verão, nem de panetone. E que, mesmo assim, monto árvores e embrulho presentes. E se bobear, uso roupas óbvias e temáticas.

Eu, uma consumista de esquerda, uma ateia que reza, uma mãe moderninha e apegada – que se emociona até com o Roberto Carlos na Globo. E que prefere, exatamente por isso, ter raiva de datas que me dão vontade de chorar.

Mas quer saber? Sou contra ser do time “do contra”. Que melancolia, que nada. Vou mais é organizar protesto. Protesto harmonizado com looks. Dia 31, pode ser? No mar. De branco. Pulando onda.
E apaixonada.
Quem vem?

Maria Ribeiro é atriz, mas também escreve livros e dirige documentários, além de falar muito do Domingos Oliveira. Entre seus trabalhos, destacam-se os filmes "Como Nossos Pais" (2017) e "Tropa de Elite" (2007), a peça "Pós-F" (2020), e o programa "Saia Justa" (2013-2016)

Os artigos publicados pelos colunistas são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam as ideias ou opiniões da Gama.

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