Mapeando o ensino superior no Brasil — Gama Revista
COLUNA

Marcelo Knobel

Mapeando o ensino superior no Brasil

O Brasil desenvolveu ferramenta essencial para diagnosticar os dados e tendências do setor. Agora, é preciso transformar evidências em políticas públicas

08 de Novembro de 2023

Sempre que é necessário enfrentar algum problema é absolutamente fundamental, em primeiro lugar, entendê-lo. O problema educacional no país é complicado, e a educação superior é uma peça importante nesse quebra-cabeças. O Brasil desenvolveu, ao longo dos anos, uma ferramenta essencial para ajudar a diagnosticar os dados e tendências do setor, que é o Censo da Educação Superior, realizado anualmente pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), ligado ao Ministério da Educação (MEC).

Com dados de 2022, o Censo indica que há quase 9,5 milhões de estudantes matriculados no ensino superior, sendo que quase 7,4 milhões estão em instituições privadas (78%), que representam quase 88% das instituições do país. O Censo também deixa evidente a tendência de crescimento da educação à distância no Brasil. Em 2021 ingressaram quase 4,8 milhões de estudantes no ES, sendo 3,1 milhões em EAD (65%) e 1,7 milhões em cursos presenciais (35%). Em 2022, o número de alunos ingressantes na modalidade presencial voltou a subir levemente (da ordem de 10%).

No entanto, esse índice segue preocupando o setor, já que implica a queda do número de jovens entre 18 e 24 anos ingressando em faculdades, centros universitários e universidades. Esse impacto já é percebido na taxa de escolarização líquida de aproximadamente 20%, que segue bem aquém dos 33% estabelecidos na meta 12 para 2024 pelo Plano Nacional de Educação para jovens de 18 a 24 anos. Para completar esse dado preocupante, observa-se também uma tendência de queda na procura pela realização do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), que já chegou a ter mais de 6 milhões de participantes em 2016, e que em 2022 teve aproximadamente 2,4 milhões. Há muita especulação sobre os motivos dessa falta de interesse pelo ENEM pelos egressos do ensino médio, mas ainda não há estudos suficientes para entender esse resultado concreto.

De 2017 a 2021 o país formou mais de 600 mil advogados, quase 500 mil administradores de empresas e 670 mil professores. De fato, no período foram 240 mil formados em pedagogia na modalidade presencial e 430 mil na modalidade à distância. Com a recente abertura de diversos cursos de medicina haverá, num futuro próximo, um aumento significativo desses profissionais. Havia, em 2022, mais de 245 mil alunos matriculados em Medicina.

Entre 10 os cursos com maior número de matriculados na modalidade presencial, temos uma clara predominância de cursos na área de saúde: Direito, Psicologia, Enfermagem, Medicina, Administração, Pedagogia, Odontologia, Fisioterapia, Engenharia Civil, e Medicina Veterinária. Já na modalidade à distância, os 10 cursos com mais matriculados são: Pedagogia, Administração, Contabilidade, Sistemas de Informação, Gestão de Pessoas, Enfermagem, Educação Física, Logística, Serviço Social e Marketing. Um dado impressionante é que 81% das matrículas em licenciatura são na modalidade à distância.

O problema educacional no país é complicado, e a educação superior é uma peça importante nesse quebra-cabeças

A partir dos dados do Censo da Educação Superior do ano anterior e da análise de dados complementares, o Instituto Semesp publica o Mapa do Ensino Superior no Brasil. Na 13ª edição, lançada em 2023 (com dados do Censo 2022), novamente foram compilados dados de diversas fontes, fundamentais para entender o cenário da educação superior no Brasil. Em particular, nesta edição há dados detalhados, e preocupantes, sobre a área de tecnologia da informação, tão necessária em nosso país.

Os números mostram que, apesar da crescente demanda por profissionais dessa área, esses cursos ainda não despertam o interesse dos estudantes de ensino superior, somando apenas 5,2% do total das matrículas no país. Além disso, esses estudantes são essencialmente brancos e de sexo masculino, denotando uma clara necessidade de diversificação do perfil dos alunos nesse setor.

Outra questão relevante refere-se às taxas de evasão, que são muito difíceis de medir, pois muitos estudantes prolongam o tempo na ES por muitos anos. Pela primeira vez o relatório deste ano trás os dados dos ingressantes de 2017, seguidos até 2021, indicando taxas de evasão preocupantes. No setor privado, a taxa de desistência acumulada é de 56,5% (presencial) e de 63,3% (EAD). No setor público, a taxa de desistência acumulada é de 40,3% (praticamente toda presencial). Ou seja, a ineficiência do sistema é imensa, com assustadoras taxas de evasão que precisam ser mais bem acompanhadas e estudadas.

Esses são alguns aspectos que podem ser apreciados ao olhar rapidamente os dados do Censo de Educação Superior e do Mapa do Ensino Superior. Mas o INEP fornece também os microdados, que a partir de sua divulgação são analisados de diferentes formas por pesquisadores em todo o país. Estes dados compilados são absolutamente fundamentais para ter uma visão geral do sistema, e precisam subsequentemente ser analisados em detalhes, para buscar um entendimento melhor das causas e consequências que cada uma das tendências pode significar. Com isso, publicar hipóteses, ideias e sugestões, que com sorte, serão aprimoradas e verificadas, e que deveriam ser subsídios essenciais para a formulação de políticas públicas no setor. Esse seria o cenário ideal de construção de políticas públicas baseadas em evidências, que infelizmente ainda está longe de ocorrer no Brasil.

Marcelo Knobel Marcelo Knobel é físico e professor do Instituto de Física Gleb Wataghin, da Unicamp. Escreve sobre ciência, tecnologia, inovação e educação superior, e como impactam nosso cotidiano atual e o futuro

Os artigos publicados pelos colunistas são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam as ideias ou opiniões da Gama.

Quer mais dicas como essas no seu email?

Inscreva-se nas nossas newsletters

  • Todas as newsletters
  • Semana
  • A mais lida
  • Nossas escolhas
  • Achamos que vale
  • Life hacks
  • Obrigada pelo interesse!

    Encaminhamos um e-mail de confirmação