O amor é uma bactéria — Gama Revista
COLUNA

Marcello Dantas

O amor é uma bactéria

Microrganismos são capazes de regular o nosso peso, nosso humor, nosso cheiro e, curiosamente, por quem vamos nos apaixonar

22 de Setembro de 2021

Existe um fungo chamado cordyceps que, ao infectar uma formiga, altera todo o seu comportamento. Ele passa a comandar todos os seus movimentos, fazendo com que a formiga zumbi suba em uma planta específica e lá, se suicide. O fungo tem a inteligência e a capacidade de guiar e fazer a formiga, seu hospedeiro, obedecer piamente.

Em inglês existe a expressão gut feeling, que em português é algo como “seguir o seu instinto”. Contudo, gut significa “intestino”, portanto gut feeling é sentir o intestino para tomar uma decisão. Muita gente se refere ao intestino como nosso segundo cérebro. Na realidade, esse órgão é o nosso primeiro e mais importante cérebro. Ele comanda nossas ações e nosso comportamento muito mais do que a nossa ingênua mente imagina.

As bactérias de cada ser humano estabelecem as condições essenciais na vida de cada um. Apenas 1% dos genes do nosso corpo é humano, 99% são bactérias, vírus, fungos, parasitas e protozoários. Estes microrganismos são capazes de regular o nosso peso, nosso humor, nosso cheiro e, curiosamente, por quem vamos nos apaixonar. Isso não é figura de linguagem, é ciência pura.

Assim como quando temos um desejo compulsivo por açúcar, mesmo cientes que nos faz mal, há uma ordem enviada por bactérias intestinais instruindo a comer o açúcar que alimentará aqueles tipos de bactérias. O mesmo acontece com o amor.

Quantas vezes o cheiro pode ter te atraído ou te afastado de uma pessoa? Isso é um sinal do encontro ou desencontro de bactérias

Experimentos recentes feitos com moscas e ratos provaram que aqueles que eram alimentados exclusivamente com certos tipos de bactérias iriam cruzar prioritariamente com os que possuíam bactérias complementares a essas. As bactérias induziram a produção de certos hormônios fazendo com que as moscas e ratos sempre procurem seus pares ideais mesmo quando colocadas em grupos com diversidade bacteriológica.

Quantas vezes o cheiro pode ter te atraído ou te afastado de uma pessoa? Isso é um sinal do encontro ou desencontro de bactérias. Um beijo na boca transmite 8 milhões de bactérias por segundo. O beijo é a conexão mais forte entre as microbiotas de duas pessoas.

E sim, o beijo define tudo na atração entre duas pessoas. A escolha de um par é afetada por um sistema chamado complexo de histocompatibilidade (MHC), que consiste numa mistura de proteínas e bactérias que dá a cada pessoa uma identidade olfativa única. A teoria diz que a gente seleciona nossos pares inconscientemente com base em perfis bacterianos que complementarão nossa base imunológica nos tornando menos frágeis.

A chave dessa história é entender que existe uma outra dimensão na sua biografia que, provavelmente, você não levava em conta, até então. É o que eu chamaria de “biolo-grafia”. Uma identidade acima do seu ego que comanda a sua personalidade, seu metabolismo, suas relações sexuais e sua afetividade. Em cada umbigo existe um acervo de identidades singulares. Isso nenhum psicanalista vai conseguir resolver porque, no fundo, você é um mero obediente.

Uma identidade acima do seu ego comanda a sua personalidade, seu metabolismo, suas relações sexuais e sua afetividade

O próprio Alexander Fleming, inventor da penicilina, costumava fazer pinturas com bactérias já nos anos 1920 para observar como suas transformações ocorriam. Hoje artistas em diferentes partes do mundo estão começando a entender o potencial poético de trabalhar em cooperação com a orquestra de bactérias que conduzem nossos destinos. Será que podemos simular os sinais que fazem nossas bactérias responderem de uma certa forma? Será que conseguimos decodificar nossos anseios bacterianos? Será possível mudar o curso de seus determinantes micróbios? É possível criar com bactérias? Qual desenho a cultura das bactérias do seu corpo formaria?

Essas e outras perguntas estão sendo elaboradas por artistas como Mehmet Berkmen, Sonja Bäumel, Maria Penil e Joanne Dungo, entre outros, que têm explorado o potencial imenso de se fazer uma arte que seja viva. Aceitar a transitoriedade das coisas é o primeiro passo para entender esta nova era que estamos vivendo, em que você é apenas o vetor encontrado para que as bactérias do seu parceiro se aproximem das suas.

Marcello Dantas trabalha na fronteira entre a arte e a tecnologia em exposições, museus e projetos que enfatizam a experiência. É curador interdisciplinar premiado, com atividade no Brasil e no exterior

Os artigos publicados pelos colunistas são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam as ideias ou opiniões da Gama.

Quer mais dicas como essas no seu email?

Inscreva-se nas nossas newsletters

  • Todas as newsletters
  • Semana
  • A mais lida
  • Nossas escolhas
  • Achamos que vale
  • Life hacks
  • Obrigada pelo interesse!

    Encaminhamos um e-mail de confirmação