O silêncio dos pássaros — Gama Revista
COLUNA

Luara Calvi Anic

O silêncio dos pássaros

Florestas sem som, crise climática e a capacidade de mudar o mundo por meio de uma escrita gentil e acessível

13 de Janeiro de 2023

Acaba com meu coração ler histórias de seres que são impedidos de fazer algo que lhes é essencial, definidor. Como uma especialista em pássaros que descobriu espécies que se esqueceram de cantar e outras que não têm com quem aprender”, segundo matéria do El País.

Esses passarinhos estão deixando de cantar porque, com a ameaça à diversidade, certas espécies estão tão reduzidas que acabou o bate-papo. A língua dos pássaros funciona assim: alguns sons, os mais curtos e diretos, são emitidos instintivamente pelos bichos. Outros, no geral os mais musicais, precisam ser aprendidos. E se não há com quem aprender, há o silêncio.

Recorri ao lançamento “A Inteligência das Aves” (Fósforo, 2022) para entender mais esse caminho. A autora, Jennifer Ackerman, explica que os passarinhos “passam pelo mesmo processo de aprendizagem vocal que as pessoas – ouvem modelos adultos, experimentam e praticam, aprimorando suas habilidades como crianças aprendendo um instrumento musical”. Soltam a voz por imitação.

Na entrevista ao El País, a pesquisadora Esther Sebastián conta a história do corvo-do-havaí. Ela se emocionou, como eu aqui, ao descobrir que esse pássaro extinto há décadas na natureza sobrevive em centros de reprodução porque, uma vez solto, a morte é certa. Como os dessa espécie esqueceram como se canta, não podem mais avisar que um predador está chegando. Todos que foram libertados até agora morreram.

Sebastian explica que esse silenciamento das florestas não tem a ver apenas com a perda de espécies de aves, mas de outros animais. Quanto mais barulhento é uma área da natureza, mais diversidade há naquele local. Daí a ligação entre silêncio e desmatamento.

Se não há com quem aprender, há o silêncio

Sobre esse tema ela menciona o livro de uma bióloga que previu esse silenciamento das florestas. Na primeira metade do século passado, a sensacional Rachel Carson (1907-1964), autora de “Primavera Silenciosa” (1962) alertou o mundo para o uso indiscriminado dos pesticidas e a ação sobre o meio ambiente. Incomodou a indústria e ficou para a história como aquela que inaugurou um tipo de preocupação ambiental por parte da sociedade que ressoa até os dias de hoje.

Para mim, como jornalista, o mais incrível da trajetória de Carson, além do fato dela ser uma cientista mulher em um ambiente majoritariamente masculino, é a capacidade de transformar o mundo por meio de sua escrita acessível. O seu obituário no New York Times, em 1964, dizia assim: “O poder de seu conhecimento e a beleza da sua escrita combinadas fizeram de Rachel Carson uma das mulheres mais influentes dos nossos tempos.”

Sua grande colaboração para a questão ambiental foi compartilhar conhecimento científico de maneira gentil e, assim, tornar-se best-seller nessa área. Inicialmente com um livro sobre a vida no fundo do mar – “The Sea Around Us”, de 1951 – que lhe rendeu o National Book Award e permitiu que ela pudesse passar os próximos treze anos de existência vivendo apenas de sua escrita. E depois com o derradeiro “Primavera Silenciosa”. Carson se tornou tão influente que, décadas depois de sua morte, em 1994, esse livro ganhou uma introdução assinada por Al Gore, ambientalista e então vice-presidente dos Estados Unidos.


Por aqui, a nomeação de Marina Silva para o Ministério do Meio Ambiente e a criação do Ministério dos Povos Indígenas trazem representação e destaque internacional para esses temas — e para a vida dos passarinhos. Nos fazem lembrar o óbvio, como disse a ministra Sonia Guajajara em sua posse: “As terras indígenas, os territórios habitados por demais povos e comunidades tradicionais, e as unidades de conservação são essenciais para conter o desmatamento no Brasil e para combater a emergência climática enfrentada por toda a humanidade.”
Que outros pássaros possam cantar ao ver as novas ministras em ação.

Produto

  • A Inteligência das Aves
  • Ackerman, Jennifer
  • Fósforo Editora

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Luara Calvi Anic é jornalista, editora-chefe da Gama revista, onde coapresenta o Podcast da Semana. Foi livreira, editora de cultura e comportamento da ELLE e de outros títulos da Editora Abril, repórter da Trip/Tpm e colaborou com Folha de S.Paulo e Marie Claire. Atualmente, cursa mestrado em ciências da comunicação pela ECA-USP

Os artigos publicados pelos colunistas são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam as ideias ou opiniões da Gama.

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