Como escolher vinho no restaurante — Gama Revista
COLUNA

Isabelle Moreira Lima

Já sabe que vinho vai pedir?

Escolher um vinho num restaurante pode ser uma aventura, mas não precisa ser um martírio. Com um pouco de informação e essas dicas, você ouvirá um “muito obrigada” das suas papilas

02 de Fevereiro de 2024

Levanta a mão aí quem nunca se sentiu intimidado ao escolher o vinho em um restaurante. Seja porque as letras impressas na carta dizem pouco, ou porque os valores são altos demais, este pode ser um momento de tensão em uma saída que era para ser tudo menos tensa. Se seu problema é o bolso, deixo aqui o convite para reclamarmos juntos: taças por menos de R$ 35 e garrafas por menos de R$ 100 viraram unicórnios hoje nas grandes cidades do país. E esse fato faz com que a escolha errada seja ainda mais dolorosa, pois não só frustra o paladar, como também dói no bolso.

Quem se planeja come e bebe melhor e, quase sempre, consegue pagar menos. Se a ida ao restaurante é um plano feito com antecedência, vale dar uma checadinha na carta antes. Hoje é comum que restaurantes e bares publiquem suas listas de vinho ou foto do que servem nos perfis de Instagram e em seus sites. Além de ver os valores e pesquisar quanto sairiam em lojas (provavelmente a metade do preço ou até mais baratos), na importadora ou no supermercado (quando são vendidos lá) para avaliar se é uma boa pedida financeira, sugiro procurar a ficha técnica para saber o que essa bebida pode apresentar na taça.

Em um primeiro momento, uma ficha pode parecer difícil de entender, mas ela acaba sendo mais precisa do que avaliações feitas por outros consumidores em aplicativos como o Vivino, onde quase tudo é “muito bom, frutado”. Nela, é possível saber o lugar de origem, a uva (ou as uvas) usada para fazer o vinho, o nome do produtor, algumas características de degustação (notas, corpo, acidez) e as dicas de harmonização, já ajuda bastante.

Fazer a escolha errada num restaurante frustra o paladar e dói no bolso

O curioso é que muitas vezes o cardápio da bebida chega antes que o da comida. Mas conheço pouquíssimas pessoas que escolhem a comida para combinar com o vinho que foi pedido assim que se senta à mesa. Quer dizer, os nerds do vinho fazem isso, mas não o bebedor que só quer ser feliz com uma saída legal, e uma comida e uma bebida gostosas. Sendo assim, acho sempre uma boa ideia pedir uma água como abre alas e pedir primeiro o que vai comer, assim, ganha-se tempo para saber qual o vinho da noite. A não ser, claro, que você tenha se apaixonado por algum rótulo no Instagram e precise desesperadamente experimentá-lo (quem nunca?), ou que você vá pedir uma tacinha de entrada, um espumante para limpar a serpentina, um coquetel ou algo do gênero.

Harmonizar, ou seja, saber casar comida e bebida, mais que uma mágica, é algo que vai sendo aperfeiçoado com a prática. Há as regras clássicas, a que fala sobre procurar bebidas e comidas com características comuns, a que diz que é melhor ir pelo contraste e a que prega que é certo comer a receita de um lugar com um vinho feito lá mesmo. Mas como você faz isso se não sabe o que o vinho vai te oferecer? Caímos de novo na ficha técnica.

A grande mestra Jancis Robinson, crítica inglesa e autora de alguns dos melhores livros sobre vinhos do mundo, ensina que “mais importantes do que a cor do vinho são seu corpo na boca e o impacto que provoca no palato”. Nesta ideia, se você vai comer algo delicado escolha um vinho leve. Se for comer algo mais gordo, melhor escolher um vinho mais parrudo. Se vai de carne, é bom um vinho com taninos. Se vai comer comida condimentada com acento asiático (tailandesa, chinesa, etc.), os vinhos brancos e aromáticos brilham. Se for comer alcachofra, peça outra bebida. (E tudo isso ela ensina no “Expert em Vinhos em 24 Horas”, publicado pela editora Planeta.)

Se você sabe um pouco do que significa o vinho ser italiano, francês ou argentino, isso pode te ajudar também, mas ainda assim é preciso torcer para que eles sejam “típicos”.

Tipicidade é um conceito bastante presente no mundo do vinho e poderia ser traduzido quase como fidelidade: um vinho típico é um vinho fiel às suas origens, que carrega as características do lugar e da variedade de uva com que ele é feito. Em 2024, no entanto, a tipicidade não é exatamente uma certeza ou uma virtude, considerando que há cada vez mais produtores experimentais testando uvas que não são exatamente próprias do lugar onde estão crescendo e que nem sempre foram tratadas daquela maneira na vinificação. Tipicidade seria responder às expectativas de uma uva e um lugar, mas e onde fica a criação?

Claro que quando encontro um vinho italiano tinto da Toscana e encontro muita acidez fico feliz demais, do mesmo jeito que vibro quando sinto as notas de querosene em um Riesling, as de lichia em um Gewurztraminer, a acidez salgada de um Albariño. Mas também gosto de conhecer um Cabernet Sauvignon, que costuma ser encorpado e tânico, levinho tal qual um suquinho refrescante feito por uns malucos do Chile. Sim, geralmente são os malucos que querem subverter, uns hippies focados na terra, em baixa intervenção e em sustentabilidade.

Se há muita oferta em taça no menu, vá nessa. Você vai provar mais e aumentar seu conhecimento

É importante também saber que a carta de vinhos acompanha uma certa “linha editorial” do restaurante. Então se você gostou dessa ideia da bebida feita por uns malucos, não vai ser em um restaurante classicão que eles estarão, mas talvez naquele cuja cozinha segue uma lógica também de ingredientes de pequeno produtor (e com cozinheiros talvez também um pouco malucões).

Pedido feito, o vinho chega, tem todo aquele jogo de cena de servir só um pouco e uma pessoa da mesa apenas prova para aprovar ou reprovar. Parece sem sentido, mas vejo vantagens ali para quem presta atenção. Primeiro: se você tiver pedido uma taça e de-tes-tar, você pode ser sincero com o sommelier ou garçom e pedir uma alternativa. Se você amar demais, pode pedir logo uma garrafa inteira e desistir da taça. Segundo que você pode verificar a temperatura também. Se ela tiver alta demais, dá para pedir que sirva pouco e pedir um balde de gelo — a próxima taça já vira numa temperatura mais agradável. Se for o contrário, só pedir para deixar fora do balde.

Também neste momento, quem procurar problemas em rolha dificilmente vai encontrar, então cheirá-la pode ser uma chance de interpretar uma das caricaturas dos amantes de vinho (o que também pode ser divertido). Agora, se você sentir um cheirinho de mofo e ele for aumentando na sua taça, não tenha dúvidas, o vinho está ruim e aí é caso de avisar ao sommelier.

No mundo do vinho natural e mais experimental, alguns defeitos podem ser confundidos com características e vice-versa, é bom também ficar atento e esperto a isso. Se for um desses vinhos, talvez seja mais difícil devolver a bebida.

O jornalista norte-americano Jon Bonné, autor de “As Novas Regras do Vinho” (Companhia de Mesa 2022), outro excelente livrinho de bolso, tem ótimos conselhos que eu enumero aqui:

  1. “Se uma taça custa mais que um quarto da garrafa, não peça.”
  2. “Uma taça de vinho num restaurante deve ter cerca de 175 ml.”
  3. “Se o garçom está servindo vinho demais na taça, impeça.” Imagino que isso no caso de você ter pedido a garrafa.
  4. “Cartas de vinhos longas não são melhores que as reduzidas.” E aqui eu diria ainda que elas são editadas e adaptadas para o estilo do restaurante, então até melhores.
  5. “Pedir um vinho é uma conversa, não um teste.” E com isso, ele diz, dialogue com o sommelier.

E agora os melhores conselhos de Bonné:

  1. “Vinhos mais óbvios costumam ser os piores negócios.”
  2. “Quase toda carta tem vinhos menos conhecidos que são os queridinhos de alguém.”
  3. “Se você reconhece os Champanhes da lista, está pagando caro demais por eles.”

Ao fim desses muitos parágrafos estou convencida de que pedir vinho no restaurante é realmente uma aventura. Mas não das más. Especialmente quando descobrimos maravilhas e temos a oportunidade de testar novas combinações. Por isso mesmo, se há muita oferta em taça, sugiro que seja essa a sua opção, assim prova-se mais e é possível aumentar seu conhecimento e sua litragem.

Isabelle Moreira Lima é jornalista e editora executiva da Gama. Acompanha o mundo do vinho desde 2015, quando passou a treinar o olfato na tentativa de tornar-se um cão farejador

Os artigos publicados pelos colunistas são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam as ideias ou opiniões da Gama.

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