À moda delas
Em diferentes etapas profissionais, essas cinco empresárias impulsionam a moda nacional por meio de inovação, modelos independentes de negócio e uma boa dose de ousadia
Gerir um negócio de moda no Brasil não é uma tarefa simples. São tantos desafios – desde a burocracia para abrir uma empresa até a dificuldade de negociar com fornecedores quando se trata de uma pequena marca – que muitos desistem antes mesmo de começar, como quase aconteceu com a estilista Teodora Oshima. “Sempre tive vontade de empreender, mas achava que era algo distante da minha realidade, principalmente quando entrei no mercado e vi que era necessário um capital pra fazer as coisas rolarem, entre outras questões que faziam esse desejo parecer longe”, explica ela. “Só percebi que era possível abrir o meu negócio quando trabalhei para o grupo Restoque e vi que eu acabava criando mais problemas do que realmente havia, aí fui tomando coragem até empreender de vez no começo de 2020”, completa.
Esse misto de coragem com uma vontade nata de empreender aliada a uma boa dose de ousadia é o que impulsiona diversas mulheres a fundarem negócios nessa indústria que representa 3,5% do Produto Interno Bruto (PIB) nacional, segundo dados da ABIT (Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção). Para se ter uma ideia, atualmente existem mais de oito milhões de pessoas trabalhando direta ou indiretamente com moda no país, sendo que 76,2% desse número são mulheres.
Hoje existem mais de oito milhões de pessoas trabalhando direta ou indiretamente com moda no país — 76,2% desse número são mulheres
Mais do que estilistas, elas gerenciam uma empresa e na maioria dos casos, se dividem em inúmeras tarefas dentro do business. “Pra quem trabalha por conta própria é muito difícil ter uma rotina, mas também é primordial manter a saúde mental em dia”, diz Milena Nascimento, fundadora da Mile Lab. “Na parte da manhã me dedico a cumprir tarefas simples como telefonemas, responder e-mails e atualizar redes sociais, até as 18h me disponibilizo a fazer o que é preciso dentro da marca (shootings, confecção, compras de materiais, etc), e depois descanso”, conta.
Não importa o tamanho da marca ou quantos anos possua, sempre haverá algo novo a aprender ou um obstáculo a ser driblado, mas junto disso também há muito sucesso, vitórias e superação. Descubra a seguir cinco histórias de empreendedorismo feminino na moda nacional:
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Acervo Pessoal Milena Nascimento, da Mile Lab
Construindo seus próprios espaços com criações inspiradas na periferia paulistana
Criada por avós costureiras no bairro do Grajaú, extremo sul de São Paulo, Milena percebeu aos 8 anos que queria ser estilista. “Sempre quis ter meu próprio negócio, porém foi aos 19, em 2017, que a necessidade bateu na porta e comecei a confeccionar minhas primeiras roupas”. Com seu primeiro salário como jovem aprendiz em uma empresa de T.I., ela comprou uma maquina de costura que a acompanha até hoje nas produções da Mile Lab, e foi atrás de oportunidades.
Em grifes como Osklen e Alexandre Herchcovitch teve as primeiras experiências nos bastidores da moda trabalhando como camareira. “Foi a oportunidade de entender o ritmo dos backstages e pensar que um dia poderia estar naquele lugar”, diz a Gama. Na sequência buscou vagas em outras marcas, mas encontrou muitas portas fechadas. “Foi justamente a falta de oportunidade no mercado e invisibilidade que me impulsionaram a construir meus próprios espaços.” Em formato independente, a Mile Lab tomou forma e começou a chamar atenção na moda com criações inspiradas no dia a dia da periferia de São Paulo, até ser selecionada para o projeto Sankofa do SPFW, que consiste numa incubação na semana de moda paulistana ao lado de outras jovens marcas de pessoas negras e indígenas por três temporadas.
Outra conquista recente foi o lançamento da coleção Baobá, que Milena considera a mais completa. “Foi a primeira vez que liderei um time de mais de 30 pessoas”, diz. “E ver que tudo fluiu de uma forma linda, leve e enriquecedora me mostrou que existe sim uma outra forma de fazer as coisas acontecerem, dando prioridade ao cuidado e respeito, dedicando um pouco da sua vida e da sua arte de forma colaborativa. Foi gigante!”
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Paulo Troya Helena Bordon
Da moda para o universo do skincare com a Hela Beauty
Influenciadora digital com mais de um milhão de seguidores no Instagram, Helena Bordon é uma veterana na moda. Filha da empresária Donata Meirelles, herdou da mãe o jeito empreendedor e começou a trabalhar cedo. Aos 26 anos ela já comandava dois negócios próprios: a marca 284, que abriu com os sócios Luciana, Marcella e Bernardino Tranchesi, e seu próprio site com dicas de moda, viagens e lifestyle. “Estava estudando administração em Londres quando minha mãe me ligou para contar sobre o projeto da 284 e foi o momento que realmente virou a chave, voltei para o Brasil e comecei a empreender, focando 100% no trabalho”, explica ela.
Mais tarde criou uma marca de roupas e acessórios inspiradas em seu estilo pessoal, a By Helena Bordon, outro sucesso para o currículo da jovem paulistana que não para de crescer e agora investe também no mercado de beleza com a novíssima Hela Beauty, marca de skincare lançada durante a pandemia em parceria com sua dermatologista de longa data, Dra. Alessandra Fraga. “Há anos eu vinha maturando essa ideia de ter uma linha de cosméticos, mas não sabia ainda se seria relacionado a maquiagem ou realmente dermocosmético, mas sempre quis empreender na beleza, até porque sou louca por esse universo”, explica ela.
Com a pandemia e a pausa obrigatória, o projeto finalmente saiu do papel e a marca chegou ao mercado em dezembro com seis produtos para pele que têm fórmulas “clean, com alta concentração de princípios ativos naturais e alta performance”, sendo que dois deles já estão esgotados na loja online. Mesmo assim os desafios não param. “É tudo muito caro, as embalagens por exemplo, para uma marca pequena que está começando não há como comprar em quantidade então acaba-se gastando muito, especialmente na pandemia que estamos com falta de insumos”, conta. “Cada mês é um novo desafio, um novo aprendizado, mas temos que lidar e contornar essas situações.”
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Cai Ramalho Teodora Oshima
Independência para criar uma moda autoral respeitando seu tempo
Após cinco anos trabalhando com a estilista Helô Rocha, em meados de 2019 Teodora Oshima sentiu que era o momento de alçar voo solo. “Comecei uma pesquisa para me aprofundar na minha ancestralidade enquanto travesti nipo-brasileira. Fiquei um tempo nesse processo para entender o que fazia sentido para mim dentro de referências da cultura japonesa, imagens, silhuetas, etc”, diz. Ao longo da carreira, trabalhou de perto com o feito à mão e desenvolveu um apreço por peças produzidas dessa forma, num timing bem específico.
Em 2020, sua marca homônima nasceu com uma coleção cápsula de looks clean balanceados por volumes e assimetrias pontuais, vendidos sob demanda. Com o próprio negócio surgiram novos desafios, como o de gerir uma grife artesanal em meio a uma crise sanitária, por exemplo. “Gosto de acompanhar tudo de perto, mas com o agravamento da pandemia precisei entrar no modo remoto até porque boa parte das pessoas que colaboram comigo pegaram covid, foi um desespero”, conta ela. “Mas como trabalho com mais de uma pessoa, tenho sempre a quem recorrer, então vou me organizando também de acordo com a disponibilidade delas, por isso que tenho um período de 20 dias de produção”, completa.
Mas ser autônoma também tem seu lado positivo, especialmente em termos de liberdade criativa. “A melhor parte de fazer as coisas sozinha é poder colocar todas as minhas vontades pra fora sem precisar da aprovação de outra pessoa”, diz. “Amei a minha trajetória junto com a Helô porque aprendi muito, especialmente para entender o processo manual, mas sem dúvida agora é um momento muito incrível em que posso mostrar as minhas criações e ter um reconhecimento por mim e pelo que acredito, sendo quem eu sou e produzindo no meu tempo.”
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Juliana Rocha Marcella Franklin, da Haight
Inovando na moda praia com matérias-primas improváveis e modelagens mais conceituais
Diferentemente de muitos designers de moda, a carioca Marcella Franklin não tinha pretensão de abrir o próprio negócio. Sua ideia era desenvolver coleções ou projetos experimentais autorais para marcas com as quais se identificasse. “Durante minha trajetória passei por grifes pequenas em crescimento e vi de perto os desafios de empreender no nosso mercado, principalmente quando não havia a parte financeira e de business organizada”, recorda.
O pensamento mudou quando desenvolveu uma coleção cápsula de beachwear para o desfile de uma marca na qual trabalhava. “Foi uma oportunidade de experimentar desenhos e modelagens mais conceituais para o universo da praia, com propostas de matérias-primas improváveis em diferentes tipos de acabamento”, diz. “Foi aí que entendi qual era o tipo de produto que eu mais gostava de desenvolver”. Dessa experiência nasceu a Haight, fundada por Franklin em 2014 e um verdadeiro case de sucesso justamente pelas peças que são o oposto do estereótipo de beachwear.
Hoje a marca vai além dos biquínis e maiôs oferecendo também outras peças de roupa. Marcella participa de todas as áreas do negócio. “Tem dias que acordo com um mood de estratégia, tendo insights de uma visão macro e pensando em soluções, outros mais criativos, com ideias de produtos, imagem, comunicação.” Na prática, há desde reuniões estratégicas semanais com o sócio, Philippe Perdigão e as diretoras, até encontros fixos para discutir projetos importantes do ano. “Além delas, acontece semanalmente uma reunião com o Comitê de conteúdo que montei para debatermos nossa comunicação, desde a programação de divulgação até conceitos de campanhas e novos projetos ligados à nossa rede de mulheres criativas.”
A potencialização feminina acontece por meio das redes sociais da Haight, onde são apresentados trabalhos de mulheres selecionados pelo time da marca para que um número maior de pessoas possa conhecê-los. Há ainda o projeto Rede de Apoio, criado para incentivar produtores locais neste momento de crise. “A cada semana apresentamos [por meio de posts no Instagram da marca] e divulgamos o trabalho de dois produtores, artistas ou marcas locais que admiramos e contamos um pouco sobre as ações e projetos que têm feito durante a pandemia.”
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Vitoria Dias Ana Isabel de Carvalho Pinto, do grupo Icomm
Utilizando a tecnologia para impulsionar a moda nacional
“Enquanto os jovens da minha idade pensavam no seu plano de carreira em multinacionais, eu pensava no que poderia criar de novidade e como ter sucesso naquilo”, diz Ana Isabel de Carvalho Pinto, co-fundadora do grupo Icomm, detentor dos e-commerces Shop2gether, Oqvestir e 2collab, que funcionam também como plataformas de lifestyle e de apoio a moda nacional. “Desde os 17 anos trabalho com moda, seja como fabricante, varejista ou prestadora de serviço, mas foi no boom do e-comerce no Brasil, nos anos 2000, que consegui encontrar espaço para colocar em prática todas as minhas convicções adquiridas com a vivência das diversas etapas da cadeia aliadas a um MBA de Marketing com foco no digital — uma inovação 20 anos atrás.”
Os melhores momentos de sua trajetória estão sempre associados ao uso da tecnologia em prol do apoio a moda brasileira. “Quando comecei no digital, grande parte das marcas não tinham presença online e oferecíamos a possibilidade de desenvolvimento com a integração no shopping Shop2gether”, conta. “Na sequência eternizamos a história da Costanza Pascolato digitalizando seu conteúdo e também criamos o primeiro programa de apoio a moda com integração do designer com o distribuidor e os canais de divulgação usando a capilaridade do digital.”
Responsável pelo planejamento e orientação estratégica de todas as marcas do grupo Icomm, Ana Isabel também mentora os Heads de marketing, comercial e estilo do negócio. “Minha rotina contempla o desenvolvimento, acompanhamento do planejamento e orientação no dia a dia. Tenho agendas fixas com os principais gerentes e diretores executivos três vezes por semana, e trabalho no planejamento pelo menos outras duas vezes”. Ela ainda desenvolve outras tarefas, como o direcionamento da área de estilo, curadoria de marcas e aprovação de todas as novidades dos sites. “Para organizar esse dia a dia tão diverso, tenho horários fixos semanais e horários livres disponibilizados para o time e demandas do dia a dia”.
Durante a pandemia veio a necessidade de digitalização das marcas e o projeto de Novos Designers ganhou mais visibilidade por ser um espaço de incentivo e digitalização da moda nacional. “Atualmente, escolhemos os nomes de acordo com as principais tendências de comportamento mapeadas pelo time de moda, estilo e conteúdo Icomm, a cada 6 meses. Mais do que marcas promissoras, eles representam o futuro do consumo de moda brasileiro”, diz Ana Isabel, que espera que suas marcas possam contribuir para a digitalização do setor de forma consistente, “não apenas por meio do apoio a pequenos designers, como também do incentivo a comercialização digital da moda brasileira via o marketplace do 2collab”.