5 dicas para lidar melhor com a culpa parental — Gama Revista
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Ilustração de Isabela Durão

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5 dicas para lidar melhor com a culpa parental

Saiba como reduzir a autocobrança na criação de filhos e transformar os erros em aprendizado

Flávia Mantovani 20 de Outubro de 2024

5 dicas para lidar melhor com a culpa parental

Flávia Mantovani 20 de Outubro de 2024
Ilustração de Isabela Durão

Saiba como reduzir a autocobrança na criação de filhos e transformar os erros em aprendizado

“Nasce uma mãe, nasce uma culpa”. Clichês existem por uma razão — e, neste caso, a frase é uma síntese de como a autoexigência e as cobranças sociais incutem uma boa carga de culpa na experiência da maternidade. Gritar porque perdeu o controle, trabalhar demais, não controlar suficientemente o uso de telas, esquecer de comprar um material que o professor pediu, perder um evento escolar por causa de uma reunião inadiável… não faltam gatilhos para disparar a culpa no cotidiano de criar um filho.

“Você faz um rabo de cavalo na sua filha e chega aquela coleguinha com uma trança super elaborada. Eu teria que acordar às 3h da manhã para conseguir fazer a mesma coisa e mesmo assim não ia conseguir”, brinca o psicanalista Thiago Queiroz, criador do canal do YouTube “Paizinho, Vírgula!” e autor do recém-lançado “O poder do afeto: Uma jornada de 21 dias para uma relação mais equilibrada e prazerosa entre pais e filhos” (Fontanar, 2024).

Pai de quatro crianças, Queiroz diz que, à medida que os homens assumem mais as responsabilidades dos cuidados com os filhos, a culpa também chega para eles. Mas nada comparado àquela que é introjetada nas mulheres. “Existe uma diferença abismal entre a culpa paterna e a materna. Eu sinto muita culpa. Mas, mesmo assim, sei que a culpa que sinto não é nem 10% da culpa que minha parceira sente, porque ela vem de um lugar de como a sociedade se estrutura”, diz a Gama. “Se eu fizer uma coisa errada com meu filho, vou receber um tratamento muito diferente do que o que minha esposa receberia. As pessoas pensam: pelo menos ele está fazendo. São dois pesos e duas medidas.”

Mestre em psicologia positiva pela Universidade da Pensilvânia e especialista em terapia focada na compaixão, a psicóloga Adriana Drulla diz que é natural sentir culpa em relação a papeis de muita responsabilidade. Mas esse sentimento é turbinado por questões da contemporaneidade. “As famílias têm menos filhos, então depositam seus ideais em menos pessoas. Temos acesso a mais informações e sabemos que a parentalidade tem um papel na definição da personalidade do indivíduo, no desenvolvimento neuropsicológico e que as experiências da primeira infância são fundamentais. Isso tudo constroi uma pressão muito grande”, diz.

Para Drulla, a culpa é inevitável, mas não precisa se tornar intolerável. “A questão não é só sentir menos culpa, mas se martirizar menos quando se sente culpa, fazer algo construtivo com isso.” Gama reuniu cinco dicas para lidar de forma mais saudável com esse sentimento tão familiar para pais e mães.

  • 1

    Não se deixe paralisar pela culpa, busque a reparação – Para Thiago Queiroz, o primeiro exercício é tomar consciência desse sentimento e não se deixar ficar paralisado. “A gente perde oportunidades de reparação quando a gente se volta para dentro e entra naquele redemoinho de culpa, se sentindo humilhado, insuficiente. Às vezes, você não consegue nem olhar para a criança, de tanta vergonha”, diz. O problema disso, afirma ele, é que não se sai do lugar. “Não serve para nada, só para te fazer sentir mal. Temos que fazer um trabalho muito forte de não cair vítimas do derrotismo, porque isso só vai atrapalhar ainda mais a relação com o filho. Quando você começa a entender o que está sentindo, que é humano e vai errar sempre, não se sente consumido por essa culpa.” Na opinião da psicóloga britânica Ana Mathur, autora de livros sobre ansiedade na maternidade, a chave é não deixar que a culpa se transforme em vergonha. “A vergonha nos paralisa, enquanto a culpa nos incita a fazer algo”, afirmou, em um TED Talk sobre o tema. A diferença entre um sentimento e o outro, segundo ela, é que, no primeiro caso, o pensamento é “fiz algo errado” e no segundo, “sou uma pessoa ruim”. “A culpa existe para te avisar, não para te envergonhar.”

  • 2

    Tenha autocompaixão e lembre dos seus acertos – Segundo Mathur, o antídoto para a vergonha é a autocompaixão. “Não significa dizer que não fez nada errado, mas reconhecer as falhas e tomar as providências necessárias para seguir em frente”, diz. “É falar com você mesmo como falaria com uma pessoa amiga que passasse pela mesma situação, estendendo a mão para se levantar e continuar”, compara Adriana Drulla. “Não é minimizar o que se fez. É ser, para você mesmo, um mentor sábio. Se apoiar em vez de se condenar. Aceitar a própria imperfeição ajuda a evitar que a culpa ganhe um tamanho maior do que deveria ter.” Para seu mestrado, em 2020, Drulla fez uma pesquisa que mostrou que mães que são mais autocompassivas tendem a ter filhos também mais autocompassivos. “Quando você se perdoa pelos seus erros, por consequência também é mais compassiva com os filhos. Essas crianças se tornam adolescentes mais seguros para dividir suas questões com as mães, não se sentem julgados e se sentem mais valorizados por quem eles são”, explica ela. O estudo acompanhou 246 duplas de mães e filhos adolescentes. “Quando aceitam seus próprios erros, essas mães conseguem assumir a parte delas, em vez de culpar a criança, tentam novas estratégias para lidar com a situação e se recuperam mais rapidamente”, afirma. Para se tratar melhor, vale também lembrar dos muitos acertos da nossa relação com os filhos. “Tendemos a inflacionar nossos erros ou dificuldades. A gente não acerta sempre, mas a gente acerta muito.”

  • 3

    Peça desculpas e seja o exemplo. A maneira como lida com seu erro pode ser educativa – Outra dica é ressignificar o erro, passando a vê-lo como um exemplo educativo para os filhos. Para isso, é preciso pedir desculpas. “Quando você é pai ou mãe e admite suas imperfeições, pede desculpas sem se martirizar, com uma postura madura, você ensina a criança a ter resiliência e a fazer o mesmo quando ela magoar alguém”, diz Drulla. “Deve ser um peso gigantesco, para um filho imperfeito, crescer em uma casa na qual os pais não erram.” Thiago Queiroz também considera essa dinâmica saudável para o desenvolvimento da criança. “Perceber que os pais não são esses totens perfeitos, que eles vão precisar quebrar lá na frente, é fundamental para a construção da subjetividade da criança. Alivia um pouco do peso da perfeição para os nossos filhos”, diz. “Momentos de reparação são poderosos para o vínculo entre cuidadores e filhos.”

  • 4

    Fuja da idealização. Redes sociais tendem a alimentar uma ideia de paternidade perfeita – Muitas vezes, a culpa não vem de alguma falha concreta que se cometeu, mas de uma fantasia de perfeição que coloca um peso desnecessário sobre a experiência de criar filhos. “É a idealização de que é possível, ou desejável, a criança crescer em um ambiente onde não exista nenhum tipo de sofrimento, que os pais farão um curso de parentalidade ou de comunicação não violenta e para todo o sempre não haverá erros. Isso é um tiro no pé”, diz Drulla. Essa fantasia muitas vezes é alimentada pelas redes sociais, que criam uma ilusão de perfeição em muitos âmbitos da vida, inclusive no da parentalidade. Um feed lotado de lancheiras saudáveis e coloridas, atividades manuais criativas e conselhos de especialistas de todos os campos sobre crescimento saudável pode ter uma função informativa, mas também dar a sensação de que deveríamos prover tudo isso ao mesmo tempo para os nossos filhos — e de que estamos sempre para trás. Mas as redes também trazem conselhos que podem ajudar a ver essa cobrança de outra maneira. A neuropedagoga e especialista em educação positiva Maya Eigenmann, por exemplo, costuma dizer, em seus posts, que a missão dos pais é a “redução de danos”. Isso inclui superar o tipo de educação que muitos adultos de hoje receberam quando crianças, na qual qualquer erro era punido. “Não é sobre perfeccionismo, não é sobre gabaritar, não é sobre a gente não errar nunca. É sobre redução de danos”, afirmou, em uma palestra. “Não corre atrás de conseguir fazer tudo. Não é sobre isso. Mas a cada interação amorosa, acolhedora, conectada, você está reduzindo os danos.”

  • 5

    Foque no que consegue mudar e mude – A culpa parental pode ter um lado positivo. Segundo um estudo americano, pais que se culpam por trabalhar demais tendem a buscar mais tempo de qualidade com seus filhos, como uma forma de “compensação”. Para Adriana Drulla, trata-se de focar no que é possível controlar. A culpa por trabalhar fora de casa é um exemplo: ela lembra que, para muitas mulheres, o desenvolvimento de carreira não é só uma necessidade financeira, mas também de saúde mental. “A gente pode até lamentar, mas não pode largar tudo, então, em vez de ficar criando uma culpa sobre algo que não está no nosso controle, podemos nos dedicar a ter um tempo de qualidade com os filhos quando estamos com eles. Se não consigo levar no futebol, posso conversar sobre o esporte à noite, ter uma conversa de reconexão para que ele sinta que fui um pouco parte do dia dele.” Para Thiago Queiroz, ser guiado por um ideal ajuda a converter a culpa em responsabilização e ação. “Qual é o ideal? Que os filhos nunca cheguem atrasados na escola? O que eu consigo fazer de real hoje?”, questiona. Ele cita o famoso conceito do psicanalista Donald Winnicott da “mãe suficientemente boa” e diz que pode ser estendido ao pai ou a outros cuidadores. “É a gente pensar: deixa eu ver o que tenho a oferecer que seja suficientemente bom para os meus filhos, sem abrir mão da minha saúde física e mental.”