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ConversasDébora Garofalo: "Precisamos ouvir mais os professores"
Primeira brasileira a figurar no top 10 do ‘Nobel da educação’, professora e gestora pública fala do risco de um apagão docente e de como a tecnologia pode ser uma aliada em sala de aula
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Débora Garofalo: “Precisamos ouvir mais os professores”
Primeira brasileira a figurar no top 10 do ‘Nobel da educação’, professora e gestora pública fala do risco de um apagão docente e de como a tecnologia pode ser uma aliada em sala de aula
Débora Garofalo, 45, está afastada das salas de aula há cinco anos, atuando com inovação em secretarias de educação de governos. Mas ela diz que ainda se sente professora. “Apesar de hoje estar na gestão pública, eu tive essa vivência por 20 anos. E não me esqueço disso nem por um dia”, afirma.
Formada em letras e pedagogia e mestre em linguística aplicada, Garofalo dava aulas em uma escola municipal de periferia quando ganhou uma série de prêmios por um projeto de robótica com sucata que desenvolveu com seus alunos — e que depois foi transformada em uma política pública no país. Em 2019, tornou-se a primeira mulher brasileira e a primeira sul-americana a chegar ao top 10 do Global Teacher Prize, uma espécie de Nobel da educação.
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Hoje, além de ser gestora de políticas públicas inovadoras da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo, ela é professora convidada da Universidade de São Paulo (USP), em um curso de especialização em computação aplicada à educação.
Essa tripla vivência — em sala de aula, na gestão pública e na formação docente— dá a Garofalo uma visão privilegiada dos desafios vividos pelos professores no país. Nesta entrevista a Gama, ela defende uma maior inclusão desses profissionais nas políticas públicas de educação, fala sobre as potencialidades e os desafios de incluir a tecnologia no currículo e lamenta o que chama de “apagão docente”. “Nossos jovens não querem seguir a carreira de professor. Há uma desvalorização e um desprestígio da carreira. É triste ver isso acontecendo.”
Proibir o celular na escola quando 73% dos estudantes da rede pública não têm conectividade em casa é aumentar as desigualdades sociais
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G |Você afirma que corremos o risco de viver um apagão docente no Brasil. Por quê?
Débora Garofalo |A gente já está vivendo um apagão docente, principalmente pela falta de incentivo que nós, professores, temos na carreira. É notório que os nossos jovens não querem seguir a carreira de professor e aqueles que ainda querem são desmotivados pelos próprios professores. Há uma desvalorização e um desprestígio da carreira, que inclui a questão salarial, mas não se restringe a ela. É triste ver isso acontecendo. Já há muitos estados, por exemplo, o RJ, em que faltam professores especialistas para algumas áreas. Se não revertermos isso, vamos ter um apagão docente futuro.
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G |Que outros fatores, além dos baixos salários, marcam essa desvalorização?
DG |Tem a falta de infraestrutura nas escolas, a questão do plano de carreira, que muda de estado para estado, a falta de tempo para planejar melhor as aulas, para compartilhar experiências com os colegas. Além disso, a formação docente inicial é muito precária e falta formação continuada. Quando o professor ingressa na sala de aula, ele se depara com um cenário para o qual não está preparado. Além disso, tem a falta de concursos para professores efetivos, a questão dos professores temporários. A desvalorização passa por tudo isso.
Claro que a questão salarial é importante, mas também é essencial você ter garantias de que vai poder desempenhar um bom papel. E tem também uma questão muito preocupante, que hoje é muito falada, mas ficou mascarada por muito tempo, que é a questão da saúde mental.
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G |Por que há tantos professores afastados da função por problemas de saúde mental?
DG |É um conjunto de tudo. Eu, por exemplo, sempre lidei em periferias. Já tive casos de estudantes violentadas sexualmente, que não tinham água para tomar banho. Quando eu desenvolvi o trabalho de robótica com sucata, foi muito chocante, para mim, passar pelas vielas da comunidade e ver a realidade deles, que eles conviviam com ratazanas, lixo, odor do córrego, enchente, dengue, leptospirose. Tudo isso mexeu comigo. O professor não é psicólogo, então a gente acaba absorvendo essa carga. Por isso eu digo que a educação precisa ter um outro viés que não só o pedagógico. O professor não cuida só do pedagógico: ele lida com o ser humano e vai sofrer o impacto do que acontece em seu entorno.
A gente tem muitas ações e políticas públicas voltadas para os estudantes, o que é muito importante. Mas sempre falo que, além de ter altas expectativas em relação ao estudante, é fundamental a gente ter essas mesmas altas expectativas em relação aos nossos professores. E para isso temos que envolver mais professores no debate de políticas públicas.
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G |É um processo que ainda acontece de cima para baixo?
DG |A gente já teve passos importantes em relação a isso. Mas muitas vezes a gente fica tentando encontrar saídas para a educação que muitos professores já fazem. Eles já sabem quais são os caminhos das pedras e isso, sim, deveria ser política pública. A gente precisa ouvir mais esses docentes. Tem grandes especialistas falando sobre o tema, mas poucos professores que vivenciaram isso na prática. A gente precisa dar voz a quem realmente faz a educação, que são os professores, para saber se aquilo que a gente está idealizando vai funcionar ou não. E quando você tem essa participação da rede, a chance dessa política pública dar certo é muito maior.
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G |O que podemos aprender com outros países sobre como tratar os professores?
DG |Temos que ter o cuidado de pensar que temos vários Brasis, com contextos que lá fora eles não têm. Mas o que vejo é que em outros países o respeito ao professor é muito forte. É uma outra imagem dessa carreira. O professor é muito respeitado, é muito ouvido, é trazido para os debates públicos. A gente não tem isso. Já ouvi: Ah, você é professora? Você é uma coitada. Isso me frustra muito.
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G |Quais são os desafios atuais para a inserção da tecnologia nas escolas?
DG |A gente ainda olha muito para a tecnologia como ferramenta de ensino, mas esquece que ela também deve ser objeto de conhecimento. Temos que ensinar o pensamento computacional, as habilidades necessárias para esses meninos estarem na cultura digital com ética, com segurança.
A tecnologia não é um fim em si mesmo. Falta formação para que o docente a utilize com intencionalidade, para que saiba como vai trazer a tecnologia para dentro do seu processo. Por exemplo: não é só usar a ferramenta podcast. É como eu vou trazer essa ferramenta para os meus alunos desenvolverem, o que eu quero atingir dentro da área de linguagem.
Sempre se cai muito naquele discurso: ah, a minha escola não está pronta, não tem toda a infraestrutura necessária. Aí eu trago um pouco do meu exemplo. Eu não tinha nem material didático, kits especializados, mas encontrei em um problema a solução para trabalhar, que é transformar o lixo em objeto de trabalho de robótica. O que falta é a gente fazer essa conexão, preparar melhor nossos professores. E, para isso, a academia precisa nos apoiar. A gente ainda vê, no Brasil, um grande distanciamento entre a universidade e a educação básica. Precisamos ter uma conexão maior.
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G |A inteligência artificial é uma aliada ou uma ameaça à profissão?
DG |A IA já faz parte da nossa vida. Os bancos, os aplicativos de mapas, tudo isso usa inteligência artificial. É preciso ter cuidado ao trazer essa ferramenta para dentro da educação, mas não podemos ignorá-la. Temos que tirar proveito disso em benefício da educação. Eu falo para o professor: permita-se conhecer essa ferramenta e pensar em como ela pode ser usada para automatizar uma parte do seu trabalho, para te ajudar no processo educacional, para personalizar a aula para estudantes que tenham alguma deficiência, por exemplo. Hoje a IA já atua, por exemplo, em grandes correções de redação. Isso te dá mais tempo para se dedicar ao seu estudante em sala de aula.
A inteligência artificial nunca vai substituir o professor. Porque a educação envolve integração, humanização, mediação de conhecimento. Acho que a pandemia deixou muito claro que uma formação remota não funciona. Estamos ainda tentando recompor a aprendizagem que faltou nesse período.
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G |A grande discussão atual é sobre proibir ou não os celulares nas escolas. Você é a favor da proibição?
DG |Como educadora, eu acho que tudo que é proibido não funciona. O celular já foi proibido, foi liberado e agora existe uma discussão para ser proibido novamente. Alguma coisa nesse processo a gente deve ter aprendido. Estamos falando da proibição de um bem que não é da escola, mas que vai ficar sob responsabilidade dela. Como eles vão armazenar esses aparelhos? E se algum aparelho sumir, de quem será a responsabilidade?
Eu atuei na educação do Rio, que foi uma das primeiras cidades a ter essa proibição. Só que não é uma proibição radical. Se o professor acreditar que precisa utilizar o celular, ele pode fazer isso. E foi um processo construído de forma saudável, a partir de audiências públicas com os familiares, com a sociedade até se chegar a um consenso. Proibir o celular na escola quando 73% dos estudantes da rede pública não têm conectividade em casa, segundo um estudo da PWC de 2022, é aumentar as desigualdades sociais.
Para mim, o celular foi uma arma poderosa para desenvolver o trabalho de robótica com sucata. Foi uma grande porta de entrada para democratizar o acesso. A gente não tinha uma conectividade boa para os meninos fazerem pesquisas, e era com o celular que a gente conseguia programar. Você precisa ter um equilíbrio para fazer eles compreenderem que esse recurso vai servir para um fim pedagógico.
É indiscutível que o uso do celular pode gerar danos, tem criança que troca o dia pela noite, mas a gente precisa ter equilíbrio. Mais do que proibir, é saber quais ações vão ser tomadas de fato para educar para o uso consciente, crítico, ético e seguro. Temos que educar essa nova geração com um currículo de educação midiática.
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