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ConversasAndré Perfeito: “Ter um planejamento financeiro é tomar as rédeas da sua vida”
O economista e consultor defende que se planejar financeiramente tem a ver com autoconhecimento e com a nossa capacidade de encarar a vida adulta
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O economista e consultor defende que se planejar financeiramente tem a ver com autoconhecimento e com a nossa capacidade de encarar a vida adulta
Dizer que o brasileiro tem má educação financeira é, no mínimo, impreciso. De acordo com o economista André Perfeito, com um longo histórico de juros altos, o país sempre levou o investidor a fazer o mínimo possível, que seria o mais vantajoso sempre. O melhor a fazer, ele afirma, era não fazer nada, dando pouco espaço para que fossem explorados os diferentes produtos financeiros.
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Talvez justamente por isso não sejamos exímios investidores. Para muita gente, o papo de finanças é um tabu. Perfeito diz que investir é uma tarefa que exige certo autoconhecimento. “Essa ideia do planejamento tem a ver com se responsabilizar, ter uma postura adulta”, afirma. É preciso analisar o presente e fazer previsões nem sempre agradáveis para o futuro, como por exemplo quantos anos deve durar a aposentadoria. “As pessoas têm medo de cuidar do dinheiro porque acabam lidando com a própria mortalidade”, afirma o mestre em economia política.
Divulgação
Com um discurso claro e direto, o economista, que comanda a consultoria econômica que leva seu nome, tem também um programa de educação financeira para aqueles que querem investir e não sabem por onde começar, batizado com o trocadilho de O Plano Perfeito. Apesar de ter presença marcante no Instagram, onde comenta indicadores, gráficos de projeções e o noticiário, ele é crítico à figura do influenciador de finanças, a quem acusa de instaurar um clima de ansiedade e a sensação perene de perda. Defende que investimento é para todos e que é melhor começar devagar, de forma conservadora, até que se ganhe confiança. “Investir é um ato de pensar: só quando você consegue formar uma opinião é que você consegue fazer as coisas”, diz.
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Na entrevista que você lê a seguir, André Perfeito dá dicas de como começar a investir, fala sobre o planejamento para a aposentadoria, comenta o cenário macroeconômico, além de certa irritação do mercado financeiro. “Hoje qualquer um consegue ter tanta informação quanto alguém da Faria Lima. E isso está gerando uma crise dentro da própria indústria financeira, que está vendo suas margens caírem, o que levou a um mau humor gigantesco na Faria Lima.” Para lidar com tudo isso, ele deseja paciência e sabedoria ao novo presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo, de quem foi colega de faculdade na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. “Espero que o Galípolo tenha mais paciência e sabedoria do que eu, porque vai ser uma baita de uma briga”, afirma na entrevista que você lê abaixo.
A coisa mais ridícula do mercado financeiro é criar esse sentimento de que algo falta
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G |Qual é o primeiro passo que alguém que quer investir tem que dar? Você já falou que investir tem a ver com autoconhecimento. Você pode explicar essa ideia?
André Perfeito |Saber investir é uma dimensão absolutamente necessária da vida, tanto quanto saber lavar louça, cuidar da própria casa, da vida profissional. Tentam nos vender uma ideia de que o brasileiro não sabe investir. Não é bem assim. O Brasil sempre teve juros tão elevados que a única coisa racional a se fazer era não fazer nada. A geração dos nossos pais, na época da hiperinflação, fazia exatamente isso: ganhava o dinheiro do salário, corria para o supermercado para encher a despensa, e o resto empregava no overnight. Então, o ambiente brasileiro impõe que a única decisão lógica do investimento seja a coisa mais simples possível. E aí entra o autoconhecimento. Quando se fala de investimento, falamos de uma relação de longo prazo. Essa ideia do planejamento tem a ver com se responsabilizar, ter uma postura adulta. Tem que pensar assim: eu tenho 46 anos, legal. Tô casado? Como cada um de nós vai pensar a velhice? Vamos nos aposentar de que jeito? Tenho filho? Vou sustentar esse garoto até quando? Tenho irmãos? Meus pais estão vivos? É como se você colocasse a sua vida em um fluxo de caixa. Quando você faz isso, é libertador, você toma as rédeas da sua vida. As pessoas têm medo de cuidar do dinheiro porque acabam lidando com a própria mortalidade. É disso que as pessoas têm pavor.
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G |Muita gente se sente perdida em relação aos produtos financeiros. Como evitar a sensação de se sentir trouxa ao tomar uma decisão que envolve dinheiro?
AP |Existe um conflito de interesse entre a indústria financeira e os investidores: uma corretora, um banco vai oferecer o produto que não necessariamente é o melhor para você, mas o que dá mais lucro para ela. A sorte e o azar é que a gente vive no Brasil, onde há os títulos do Tesouro. E aí você tenta jogar simples, o mais simples possível. Sabe qual a vantagem desse título público? Bancos e corretoras não ganham nada com ele. Uma vez que você entende a mecânica, toda vez que você se planejar para continuar acumulando, você melhora um pouco a sua percepção. É uma boa porta de entrada, e depois você começa a sofisticar seus investimentos. Eu sou contra esse discurso dos influenciadores de finanças. Eles querem gerar uma ansiedade o tempo todo, que você está perdendo, que você não entende.
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G |Você ensina alguns conceitos no seu Instagram, discute gráficos e já deu até uma carteira de investimento ideal. No que o pequeno investidor, iniciante, está mais interessado?
AP |A carteira ideal é um objeto de ficção. Imagina que eu fale que a dieta ideal é comer quinoa, cenoura e fígado todo dia. De repente funciona, mas não para todo mundo. Esse vídeo era uma provocação para movimentar quem assistiu a ele. Eu falei: 50% em título público, 25% em ações que pagam dividendo, 12,5% em CDB de liquidez diária e 12,5% em criptomoeda. Quando a pessoa vê isso, ela começa a prestar atenção. É como aquele amigo ou amiga que vira para o que está deprimido em casa depois de um relacionamento e diz “se arruma e vamos para a balada”.
Do jeito que o mercado ou alguns influenciadores falam, parece que você tem que ser o Warren Buffett para investir. Mas, não, você não tem que andar a 140 km/h. Se andar a 80 km/h, você vai chegar ao seu destino muito bem. A coisa mais ridícula do mercado financeiro é criar esse sentimento de que algo falta. E aí entra essa relação que é tóxica, em que os influenciadores de finanças hiperliberais falam que a culpa de você não ganhar dinheiro não é sua, mas do Estado, que não deixa você ficar rico. Investir é um ato de pensar: só quando você consegue formar uma opinião é que consegue fazer as coisas. Quando alguém comprou uma ação da Petrobras, alguém vendeu, correto? Duas pessoas têm opiniões radicalmente diferentes sobre a mesma coisa no mesmo momento, o mercado é feito disso. Para ter negócio, as pessoas têm que pensar diferente. E se você não tem uma opinião sua, você vai ficar dependendo da opinião dos outros. É como na moda, você pode depender de influenciador e usar o que todos usam, ou pode desenvolver um estilo próprio que tem a ver com o seu corpo, a sua idade.
Vender criptomoeda como se fosse a solução da vida eu acho canalhice
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G |Ouvi um comentário seu sobre alunos que começam seu curso de investimento com a ideia de fazer um planejamento de aposentadoria, mas no meio do curso você descobre que os alunos estão ali porque querem ficar ricos. O que isso diz do brasileiro?
AP |As pessoas querem ficar ricas da mesma forma que alguém que compra um skate acha que vai ser o Tony Hawk em uma semana. Hoje em dia, com o trabalho fragilizado, as pessoas sentem que se não se protegerem rápido, vão se ferrar. O mundo da aposentadoria também mudou, a previdência já não é mais a mesma. Tudo isso gera uma pressão. Tem também a desigualdade brasileira, que gera um sentimento de imobilismo social. Os ricos são conservadores, os pobres nem têm esperança de subir, quando têm é com a ilusão das bets. Quem está ali na classe média fica com medo o tempo todo, esperando uma bala de prata.
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G |O fenômeno das bets tem mexido muito com a renda e as finanças do brasileiro e causado ainda maior endividamento. Como você vê isso?
AP |Essa ideia da bet, um pensamento mágico de que você vai conseguir furar a desigualdade social do Brasil num movimento fortuito, simplesmente não é verdade.
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G |Uma parte grande da população tem a renda muito comprometida, se sente muito pressionada pelo preço da comida, pelos boletos. Então, como falar em investir? Fazer investimento é para todo mundo ou tem uma parte da população que não pode?
AP |Fazer investimento, sem dúvida nenhuma, é para todo mundo. Se você tiver R$ 30 para investir, não vai resolver sua vida, mas não fazer também eu acho muito idiota. Alguém que tem 50 ou 60 anos talvez não consiga grandes coisas, mas um jovem de periferia que guarda R$ 30 todo santo mês, isso faz milagre. Vamos supor que uma pessoa tem 20 anos e vai se aposentar com 65, são 45 anos de contribuição. Se essa pessoa guardar 30 reais todo mês, com uma taxa de juros de 0,4% ao mês em termos reais e supondo que ganha um salário de R$ 2 mil, ele consegue juntar para viver três anos com essa renda. É uma ajuda para a aposentadoria do governo.
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G |Você costuma dizer que, com uma taxa de juros alta como a nossa, é melhor não inventar moda. Mas aí, por outro lado, quando você faz aquela sua carteira perfeita, tem a criptomoeda. Que é um investimento, vamos dizer, polêmico…
AP |Criptomoeda não é moeda, a gente não sabe o que vai virar. Mas pode ser que vire alguma coisa. O mundo está ficando cada vez mais digitalizado e a gente inventou um negócio que é incorruptível. Eu só não acho que ela é essa solução que os anarcocapitalistas acham que é. A ideia que eu coloquei naquele vídeo é a seguinte: você não precisa botar em risco todo o seu patrimônio. Mas botar uma parte não tem problema. A pessoa tem que se dar o direito de poder especular. Agora, vender isso como se fosse a solução da vida eu acho canalhice. Quem faz isso não tem como garantir que esse negócio vai continuar subindo.
Hoje, qualquer um consegue ter tanta informação quanto alguém da Faria Lima
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G |Você é contemporâneo do Gabriel Galípolo, que assumiu agora o Banco Central. Que tipo de desafios ele tem pela frente?
AP |A gente está enfrentando agora uma crise que se autoimpôs. Isso tem a ver com uma descoordenação entre o que o governo sinalizou e como o mercado entendeu, graças a preconceitos do próprio mercado. O governo Lula sinalizou que ia fazer mais gastos, dentro de uma regra que ele criou, do arcabouço fiscal. O mercado achou que se o governo gastar mais, quer dizer que o juro vai subir e o Brasil não vai crescer. E ignorou que se o governo gastasse mais, numa situação que nem foi de pós-pandemia, o consumo ia crescer, o PIB ia crescer. E o que aconteceu? O PIB cresceu, o mercado fez apostas erradas e perdeu dinheiro. E aí os gestores vão fazer o que todo mundo faz: já que a culpa é minha, eu boto em quem eu quiser. E botam a culpa no governo.
Aí volta a importância da pessoa ter a sua cabeça, sua opinião e seu planejamento. O mercado financeiro vive de diminuir a assimetria de informação entre tomador de dinheiro e doador. Só que hoje qualquer um consegue ter tanta informação quanto alguém da Faria Lima. E isso está gerando uma crise dentro da própria indústria financeira, que está vendo suas margens caírem, o que levou a um mau humor gigantesco na Faria Lima. Esse mau humor vai se retroalimentando, até cair nessa situação ridícula do dólar ter disparado, sendo que o Brasil tem reserva e saldo comercial positivo. Eu estou relativamente pessimista para 2025, porque a gente está com um nível de tensionamento elevadíssimo, o juro subiu muito. Tem problemas que me preocupam, por exemplo, a crise climática. Espero que o Galípolo tenha mais paciência e sabedoria do que eu, porque vai ser uma baita de uma briga.
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G |O Brasil está preparado para enfrentar as oscilações e as surpresas desse mundo contemporâneo, com as mudanças no mercado de trabalho e na previdência?
AP |A gente ouve os economistas falando que o problema da aposentadoria é que não vai ter dinheiro lá na frente. Mas o problema da aposentadoria, no Brasil e no resto do mundo, é o seguinte: hoje, exagerando o raciocínio, tem cinco pessoas trabalhando para uma pessoa aposentada. No futuro, digamos, vai ter uma pessoa trabalhando para cinco aposentados. Você percebe que essa pessoa vai ter que ter uma produtividade tão alta que gere excedente para essas cinco? Pode ter rios de dinheiro no futuro; se não tiver produto, vai fazer o que com o dinheiro? Aí a gente entra numa discussão de país. Como vamos construir um país que vai investir hoje para aumentar o nível de produção amanhã? Taxa de juros elevada ajuda a investir ou não? Não. Ficar fazendo corte de gastos em coisas que geram renda é bom ou ruim? Eu, particularmente, sou otimista com o Brasil. Primeiro porque a gente tem ainda algum bônus demográfico. Segundo porque frente a outros países do mundo a gente vai ganhar meio que por W.O. A Europa tem problemas seríssimos para continuar crescendo. O mundo asiático também tem problemas sérios com a natalidade. O Brasil é um país que é ocidental e dos BRICS [grupo formado por Brasil, Rússia, Índia e China], que não tem contencioso militar com ninguém, que está cheio de recursos naturais. Então eu vejo que a gente tem a possibilidade de construir. Mas, de novo, tem que saber construir.
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CAPA Tá gastando muito dinheiro?
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