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ConversasClaudia Feitosa-Santana: "Permitir o celular na escola atrapalha o aprendizado e a socialização"
Neurocientista fala do uso do celular nas escolas e reforça a importância do acesso controlado. “A escola é onde se aprende como socializar e fazer amizades.”
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Claudia Feitosa-Santana: “Permitir o celular na escola atrapalha o aprendizado e a socialização”
Neurocientista fala do uso do celular nas escolas e reforça a importância do acesso controlado. “A escola é onde se aprende como socializar e fazer amizades.”
Você, leitor, alcança uma concentração satisfatória no trabalho com o celular ligado ao seu lado? É provável que nem tanto. Imagine, agora, um adolescente em aula. “Vamos esperar que um jovem tenha esse autocontrole, essa maturidade? Não podemos jogar essa responsabilidade neles”, diz a neurocientista brasileira Claudia Feitosa-Santana, em entrevista a Gama.
A fala tem relação com o crescente número de escolas particulares e públicas que proíbem o uso do celular em sala de aula — algumas confiscam o aparelho, liberando ou não durante o recreio. O motivo é que essa presença atrapalha a concentração e a aprendizagem dos estudantes, como afirmou um relatório da Unesco, a Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura, publicado em 2023. Estudos recentes apontam ainda que o uso excessivo por crianças e adolescentes pode afetar a saúde mental, atrapalhar a socialização e facilitar a exposição e o cyberbullying — caracterizado por intimidações e perseguições online.
Para a neurocientista, só o fato do celular estar por perto já representa um gasto de energia cerebral. “Não adianta nada o aparelho estar desligado dentro da mochila: a criança pensa no celular. É um dreno cerebral que rouba energia, rouba glicose, que é a fonte primordial de alimento cerebral”, diz a Gama.
Feitosa-Santana é mestre e doutora em Neurociência pela Universidade de São Paulo (USP). Possui pós-doutorado em Neurociências Integradas pela Universidade de Chicago. No momento, está fazendo pesquisa na Universidade de Chiba, no Japão, e é autora de “Eu Controlo Como me Sinto – Como a neurociência pode ajudar você a construir uma vida mais feliz” (Paidós, 2023).
A pesquisadora afirma que, apesar de muitas respostas relacionadas aos malefícios desse uso serem inconclusivas, é inegável que o celular é uma ferramenta de sociabilidade para os mais jovens. E que, quando o uso é assistido e controlado pelos cuidadores, os efeitos negativos tendem a ser suavizados. “É preciso aprender a dominar o celular. Não se deixar ser dominado por ele. Temos que ensinar as crianças que não basta ser digital, é preciso ser digital consciente”, diz na entrevista a seguir.
Divulgação
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G |Está em debate a restrição do uso de celular nas escolas, inclusive muitas particulares já o proibiram em sala de aula. Como neurocientista, como pensa que deve ser a presença do aparelho no ambiente escolar?
Claudia Feitosa-Santana: |Para tudo que não existe um consenso científico, se é benéfico ou se é maléfico, se há uma série de questões [não respondidas] ou quando não sabemos se algo, uma substância ou algum comportamento faz mal, a gente evita que crianças e jovens tenham contato para não prejudicar o desenvolvimento. Na ciência precisamos de tempo para chegar a alguma conclusão. O que percebemos, portanto, é que temos muito mais perguntas e dúvidas do que consensos científicos sobre o uso do celular para o desenvolvimento cerebral.
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G |Ainda que escolas proibam o uso do celular em sala de aula, muitas liberam no recreio. Isso faz sentido pensando no desenvolvimento total da criança?
CFS |Não podemos cavar argumentos científicos para justificar a proibição de celular no recreio, mas podemos simplesmente dizer que a escola é um momento para socializar presencialmente com os colegas e permitir o celular pode incentivar atividades solitárias. Eu, como neurocientista, prefiro uma escola onde o celular não entra. E, se precisa entrar, que fique na portaria. Quando não pode ficar no celular, sobra mais espaço para movimentar o corpo. Se o recreio é um momento para movimentação, se tem foco numa atividade de mobilidade, o celular não é bem-vindo. Mas, por exemplo, essa é também a hora em que as meninas e meninos se juntam num grupinho para mexer no celular, faz parte do momento de troca hoje em dia. A escola pode fazer uma divisão [o recreio do celular e o da mobilidade]. Mas a escola precisa agir, e isso dá trabalho.
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G |Embora não exista uma lei nacional proibindo o uso nas escolas, a rede pública de São Paulo afirma que o uso em sala de aula é permitido apenas com finalidade pedagógica. Um adolescente consegue se concentrar com um celular na mochila?
CFS |Não. Muitas escolas falam que não permitem durante a aula, mas não adianta nada o aparelho estar desligado dentro da mochila — a criança pensa no celular. É um dreno cerebral que rouba energia, rouba glicose, que é a fonte primordial de alimento cerebral. Agora, se está desligado em outro ambiente, no qual ela não tenha acesso, não há esse dreno cerebral. Se a criança, por exemplo, está querendo checar se a amiga mandou uma mensagem, ela pode até não estar com o celular nas mãos, mas está focada nisso. Você vai esperar que uma criança tenha esse autocontrole, essa maturidade? Não podemos jogar essa responsabilidade para as crianças, para os adolescentes, nem mesmo para aqueles que estão no início da universidade.
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G |Em que fase do desenvolvimento surge essa maturidade que permite dosar o uso?
CFS |Em alguns pode chegar aos 18, 20 anos, mas a verdade é que não sabemos ao certo quando acontece a maturidade. Outros podem chegar nela aos 25, 30 anos. Por isso é tão difícil bater o martelo e dizer “este jovem já é um adulto, já está estável”. Quando eu dou aula na universidade não permito que usem o celular… Não é porque nossa maioridade é aos 18 anos que esse jovem já é adulto, não é bem assim. O córtex pre-frontal, uma parte importante para a tomada de decisão, é das últimas partes a se desenvolver. E é preciso lembrar que as outras partes do cérebro continuam em desenvolvimento, se refinando.
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G |Quais os indícios de que um jovem é mais dependente de celular?
CFS |Quando deixa de fazer o que gosta presencialmente para ficar no celular. Não é não querer fazer algo chato em família, é deixar de jogar bola quando gosta de bola. É não conseguir estudar porque não consegue deixar o celular, o tempo passa e não estudou nada. Sentir ansiedade, tristeza ou ficar irritado se não pode checar o aparelho. Não conseguir comer ou ir ao banheiro sem celular. Utilizar em situações perigosas, tipo atravessar a rua etc. Não temos tempo de pesquisa para poder responder a essa pergunta com exatidão, mas podemos comparar com o uso problemático de TV, já que muito tempo de tela anda junto com pior desempenho. E não podemos comparar com abuso de álcool, maconha e cigarro porque são substâncias; e muito bem estudadas em relação a essa geração.
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G |Muitos pais ficam receosos de que tirar ou reduzir o acesso dos filhos à tecnologia poderia fazer com que eles fossem prejudicados futuramente. É possível que essa criança fique “atrasada” de alguma maneira?
CFS |É possível. Justamente porque nós não temos um consenso científico dos malefícios e dos benefícios, mas nós sabemos que as crianças que fazem atividade com telas acompanhadas dos pais vão melhor na escola. Ou seja, assistiu a um filme junto, fez alguma atividade em telas como um jogo em família; esses momentos estão relacionados ao melhor desempenho dessa criança na escola. Assim como adolescentes que jogam videogames relacionados à educação têm um melhor desempenho escolar. Agora, se joga um videogame que não tem nada de educacional e nada que esteja associado ao aprendizado, o desempenho piora. Quanto mais tempo, pior.
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G |Quais as consequências de um jovem conviver com a ideia de que a exposição, a difamação, o bullying podem acontecer a qualquer momento via celular? O cérebro dos jovens tem estrutura para lidar com essa apreensão constante relacionada ao celular?
CFS |Precisamos aprender a selecionar melhor o que escrevemos, postamos, falamos. Enfim, tudo que pode ser gravado. Precisa existir essa consciência. Aqui no Japão [onde ela está fazendo pesquisa], por exemplo, a garotada aprende sobre o que se pode ou não fazer nesse universo digital. Se para o cérebro de um adulto pode ser um trauma, com consequências seríssimas diante desses casos, imagina o que pode acontecer com um adolescente? Pode ser um trauma, como perder um parente de repente, algo que precise de tratamento com psicólogo, muitas vezes com psiquiatra também. Às vezes até mudar de escola. Como cada um lida de um jeito, é necessário respeitar a criança e saber conduzir essa crise.
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G |O uso do celular pelos jovens tem um fator de socialização. Como, portanto, ajudá-los a dosar o uso sem prejudicar as amizades que também se fortalecem nesse ambiente digital?
CFS |Para pessoas que são mais tímidas, começar os relacionamentos via internet ajuda, pois encaixa com o perfil delas. Se o jovem fica ansioso para ver o celular porque espera a mensagem do paquerinha, por exemplo, não é sintoma de uso problemático. Então a gente tem que tomar cuidado e relativizar porque, se parte da vida social está no celular, é também natural que eles se sintam assim. Agora, se ficam ansiosos porque acham que estão perdendo algo, o Fomo [sigla para Fear of Missing Out, ou o medo de perder algum evento, em tradução livre], isso sim é um sintoma negativo. O problema é como controlar isso. Por exemplo, se todos os coleguinhas ficam até duas horas da manhã no celular, como você faz para negociar o meio do caminho e não deixar o seu filho totalmente fora disso; mas também não liberar de madrugada porque vai fazer mal, porque vai dormir pouco, porque precisa estudar, e por aí vai. É complicadíssimo. No meu livro, explico que é preciso buscar o caminho do meio, a justa medida. Aprender a dominar o celular para não se deixar ser dominado por ele. Temos que ensinar as crianças que não basta ser digital, é preciso ser digital consciente.
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CAPA Seu filho passa a vida no celular?
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