Economista Marcelo D'Agosto alerta sobre os gastos esporádicos — Gama Revista
Seu dinheiro não dá pra nada?
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Conversas

Marcelo D'Agosto: "A regra é listar tudo o que você gasta. É fácil perder o controle"

Colunista da CBN e do Valor Econômico, economista diz que gastos esporádicos são os que oferecem mais perigo de descontrole do orçamento e sugere medidas para desafogar e poupar

Isabelle Moreira Lima 23 de Junho de 2024

Marcelo D’Agosto: “A regra é listar tudo o que você gasta. É fácil perder o controle”

Isabelle Moreira Lima 23 de Junho de 2024
Isabela Durão

Colunista da CBN e do Valor Econômico, economista diz que gastos esporádicos são os que oferecem mais perigo de descontrole do orçamento e sugere medidas para desafogar e poupar

Sabe aquele jantar maravilhoso com os amigos no mês passado? Não sabe, né? Já esqueceu. Mas sua próxima fatura do cartão de crédito não se esquece de nada e vai te lembrar deste momento tão especial de um jeito mais doloroso. Se você sente que seu dinheiro não dá para nada é porque talvez não esteja listando esse tipo de “experiência”, as dos chamados gastos esporádicos. São os momentos de prazer, aquela blusinha que compramos para dar um up no visual, ou mesmo uma emergência como um dente quebrado. É aí que reside o perigo do afogamento financeiro sentido por tantos brasileiros.

Colunista do jornal Valor Econômico e da rádio CBN, o economista Marcelo D’Agosto diz que não tem saída, o jeito para ter uma boa relação com as suas finanças é saber direitinho para onde vai o seu dinheiro, do cafezinho à parcela do financiamento. Em um contexto de mudanças trabalhistas, onde a renda das pessoas varia de mês a mês e não há estabilidade, é fundamental saber o quanto sai até para estimar o que seria o orçamento ideal.

“Se você souber quanto gasta para viver, poderá almejar uma negociação que garanta o mínimo, terá uma referência. É preciso saber quanto seria o ideal básico e realista, excluindo desejos como viagens, comprar um carro”, ele afirma em entrevista a Gama.

Também sobre o contexto brasileiro, ele responde que o melhor é se preparar para a aposentadoria, investindo de diferentes maneiras, nunca numa só. Mas reconhece que há muita dúvida sobre o melhor produto, muita insegurança sobre fazer besteira e diz também que, no momento ideal de se fazer investimento, o brasileiro não está muito preocupado com isso e sim em acumular experiências e aproveitar a sobra do orçamento para se presentear.

Com mais de 20 anos de experiência na área de investimentos, D’Agosto defende que é preciso ter autonomia com o dinheiro. Ou seja, é melhor se dedicar um pouco a entender os caminhos financeiros, possibilidades de investimento e produtos, do que ficar nas mãos de gerentes ou assessores de corretoras. “É fundamental conquistar essa autonomia porque não é um bicho de sete cabeças. Não precisa ser especialista, não é tão complicado assim você cuidar do seu dinheiro”, diz na entrevista a seguir.

Os gastos esporádicos é que nos fazem perder o controle porque nem nos lembramos deles

  • G |Essa sensação de que o dinheiro não dá pra nada, de onde ela vem? Nós, brasileiros, não sabemos administrar as nossas finanças pessoais ou foge do nosso controle e a sensação está ligada a uma situação econômica maior?

    Marcelo d’Agosto |

    São duas coisas. Primeiro, temos uma herança inflacionária e, de fato, o dinheiro não dava para nada, você tinha que correr para gastar e não perder da inflação. Isso acabou com o Plano Real tem 30 anos, mas ainda está meio presente em uma sensação de que é preciso investir e ter uma rentabilidade muito alta. As pessoas mais velhas que viveram naquele período ou as mais novas, que foram criadas naquele ambiente de confusão, quando começaram a fazer a administração financeira tinham muito pouca informação herdada dos pais. Outro ponto é a própria situação financeira do país. Os salários são muito desiguais, pouca gente que ganha muito e uma boa parte da população que ganha até dois salários mínimos, o que não é razoável para se viver. O salário mínimo, de acordo com o Dieese, para uma família ter uma renda razoável deveria muito maior do que o oficial. E o mundo também está mais incerto do que 30 anos atrás, as questões trabalhistas, o mercado de trabalho, tudo está mais incerto, com muita gente trabalhando de forma autônoma, sem salário fixo.

  • G |Como é possível, então, organizar um orçamento quando você não sabe exatamente o que vai entrar?

    MdA |

    É muito difícil, mas você tem que começar pelos gastos. Se você souber quanto gasta para viver, poderá almejar uma negociação que garanta o mínimo, terá uma referência. É preciso saber quanto seria o ideal básico e realista, excluindo desejos como viagens, comprar um carro. Se a pessoa é autônoma, essas coisas ficam mais complicadas. O que costuma acontecer é que quando entra dinheiro, as pessoas dão aquela respirada, pensam em sair, comprar algo. Uma pesquisa da Anbima que investigava o que é investimento para o brasileiro mostrou que , para a maior parte das pessoas, era comprar uma roupa, fazer um curso, viajar. Mas o recomendável é, quando você consegue uma renda substancialmente maior do que aquilo que gasta, você não aumente o seu padrão de vida. Tentar manter o padrão de vida e aí guardar um dinheiro para os tempos que não forem tão bons.

  • G |Mas, se não há essa melhora, como fazer um colchão de segurança para emergências?

    MdA |

    É fundamental trabalhar para ter uma sobra. E aí, pelo menos, temos a vantagem do juro alto no Brasil. Você colocar qualquer aplicação que renda perto do CDI, que você tenha liquidez diária, possa acessar a qualquer momento, você já consegue sair de um patamar alto. Você vai ganhar 10% ao ano. Não precisamos ficar muito aflitos para encontrar aquela aplicação que vai dar uma rentabilidade a longo prazo, que vai fazer toda a diferença, como os americanos na época do juro zero. Temos essa vantagem: o dinheiro, de curto prazo, já rende substancialmente acima da inflação e tem uma rentabilidade nominal alta. Hoje, temos produtos financeiros de fácil acesso que rendem bem.

As coisas começam a acontecer e, quanto mais cedo você se preparar, melhor. Agora, na prática, poucas pessoas têm essa consciência

  • G |No topo das dúvidas sobre dinheiro no Google está a organização das finanças pessoais. Existe uma regra que todos devam seguir para se organizar melhor ou cada caso é um caso?

    MdA |

    A regra é listar tudo o que você gasta. É fácil perder o controle. Você vai a um restaurante com os amigos, passa o cartão e esquece daquilo, só fica a memória boa do encontro. Mas depois essa conta chega e você se surpreende porque você está acostumado com o dia a dia, o mercado, o Uber, o ônibus, os gastos recorrentes. Mas os esporádicos é que nos fazem perder o controle porque nem nos lembramos deles. Então tem que anotar tudo o que você gasta, fazer um orçamento por dois, três, quatro meses, e aí colocar algumas metas. Também é uma boa concentrar os gastos em algum lugar ou em um meio de pagamento, no cartão ou no PIX. Tem um problema, que vem também da nossa cultura inflacionária, que é programar os pagamentos de acordo com a data de vencimento do cartão empurrando tudo para mais tarde. Melhor é ter alguns cartões e ir segmentando os gastos em diferentes meios de pagamento.

  • G |Mas não é meio perigoso ter vários cartões?

    MdA |

    Pode ser, mas te dá segurança também. Porque vai que acontece alguma coisa e você precisa do dinheiro? Você tem. O fato de você ter a possibilidade de ter o dinheiro, mesmo no limite do cartão de crédito, mesmo que você não use, é uma garantia. E é uma coisa também que os bancos exploram muito porque eles sempre aumentam o limite do cartão e do cheque especial. Depende muito de cada um, mas veja também a vantagem fundamental de separar as despesas por blocos: gastos com mercado, com locomoção, com roupa, com os filhos. E, se tiver filhos, tem que conversar com todo mundo e deixar a coisa clara, senão parece que você é o sovina da família.

  • G |E você acha que as pessoas fazem isso normalmente? Elas compartilham a situação real com a família?

    MdA |

    Pelas perguntas da CBN, os homens sempre perguntam sobre um produto financeiro específico. Já as perguntas das mulheres são mais conceituais e mais preocupadas com a família. É uma coisa mais feminina, de fato, olhar o todo. Mas é fundamental todo mundo estar junto.

  • G |Em que momento da vida, na sua avaliação, as pessoas se dão conta de que têm que poupar, ter certa previdência? É uma idade, é quando se tem filhos, quando perdem os pais? Costuma ser tarde demais?

    MdA |

    Era melhor que fosse mais cedo. Existe um ciclo de vida e um de gastos. Quando você está sozinho ou mora com alguém e não tem filhos, tudo o que entra é receita. O gasto é a moradia e o resto é lazer, não é uma obrigação. Esse é o melhor momento para se guardar, mas é difícil que as pessoas o façam porque é comum que, nesta fase, se gaste com viagem, com restaurante, roupa, planos de atividades. Depois, começam as obrigações, você muda de trabalho e não dá certo, você tem filho e aumenta a despesa, seus pais ficam velhos e você tem que ajudar com cuidador, ou você quer comprar um imóvel e precisa entrar em um financiamento. As coisas começam a acontecer e, quanto mais cedo você se preparar, melhor. Agora, na prática, poucas pessoas têm essa consciência.

É fundamental conquistar essa autonomia com seu dinheiro porque não é um bicho de sete cabeças

  • G |A aposentadoria é algo muito incerto hoje, as regras da previdência estão mudando, muita gente não consegue se achar, mas tem gente que sonha em parar de trabalhar até mais cedo, dado o ritmo louco em que trabalhamos hoje. Como é possível planejar? Com que antecedência é preciso fazer isso?

    MdA |

    A aposentadoria é, de fato, um problema. É impossível, num país como o Brasil, não ter uma aposentadoria oficial para todo mundo. É uma cultura diferente da dos Estados Unidos, por exemplo, em que cada um que se resolve. Mas com o problema do déficit da Previdência, que assusta todo mundo, temos que nos “defender”, guardar um pouco para esse momento, esse é o contexto. É difícil ter um tipo de investimento que vai resolver o problema. Não é porque você fez um plano de Previdência que está resolvido. Qualquer valor por mês ajuda, mas não resolve. Aqui vale também a ideia de separar por objetivos: um tanto para a reserva de emergência, outro para viajar, outro para comprar uma casa ou carro, e outro para a aposentadoria. Faz todo sentido pensar assim. E faz sentido também buscar investimentos de longo prazo para esse dinheiro, tipo o Tesouro Renda Mais, que o Tesouro lançou. Ou mesmo o Tesouro IPCA, aplicações atreladas à inflação, uma parcela em ações, apostando no desenvolvimento da economia brasileira. Faz sentido deixar uma reserva o mais cedo possível. E também faz sentido o Plano de Previdência, especialmente se você trabalha numa empresa que contribui junto, é uma vantagem. É menos o produto e mais focar no objetivo. E o produto depende muito caso a caso, se a pessoa tem um emprego estável ou é autônomo, por exemplo.

  • G |Na sua experiência como colunista de rádio e TV, que assuntos preocupam mais as pessoas?

    MdA |

    Quando eu comecei, tinha muita pergunta sobre financiamento habitacional porque os juros estavam baixos. Depois, o juro começou a subir e as pessoas perguntavam se era melhor quitar o financiamento ou aplicar o dinheiro e ficar com o juro alto. Depois, apareceram perguntas sobre endividamento, como é que eu faço para organizar minhas dívidas. Então tem um pouco esse ciclo de perguntas que vem conforme a evolução dos assuntos e da situação econômica de uma forma geral. Hoje, pergunta-se muito sobre produtos financeiros, previdência e tesouro direto. Pouco se pergunta sobre fundos de investimento.

  • G |O que você indica ou aconselha para quem está preocupado com dinheiro, e nunca investiu?

    MdA |

    Pare de pensar e aja. Você nunca vai achar o produto ideal. E sempre vai ter alguém falando que você fez besteira. Você investiu na renda fixa, devia ter comprado ação. Comprou ação, mas devia ter investido em ação no exterior. Sempre vai ter alguma coisa melhor do que você fez. Claro que vai ter porque o mercado sempre oscila e, se você pegar um período contra outro, vai achar a coisa melhor daquele momento. Deveria ter comprado dólar há um mês, mas três meses atrás era ouro o melhor investimento. Se olhar para o passado, sempre vai achar uma coisa melhor. Mas se ficar pensando sobre o que deveria fazer, não faz nada. Sugiro também começar com fundo de investimento porque, a partir de um fundo conservador, como o Tesouro Selic, você começa a entender como aquilo funciona e pode diversificar com outras alternativas. O importante é ter autonomia. Se você pede pra alguém te ensinar, vai num banco ou corretora, o cara vai resolver para você, mas você vai perder autonomia. É fundamental conquistar essa autonomia porque não é um bicho de sete cabeças. Não precisa ser especialista, não é tão complicado assim você cuidar do seu dinheiro.