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ReportagemO que vale mais: a medalha ou o like?
Entre o follow e o pódio, atletas encontram nas redes sociais uma nova forma de valorizar e monetizar seus passes
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O que vale mais: a medalha ou o like?
Entre o follow e o pódio, atletas encontram nas redes sociais uma nova forma de valorizar e monetizar seus passes
Depois de um controverso final de campeonato da Fórmula 1 em 2021, Lewis Hamilton se calou em todas as suas redes sociais. O heptacampeão mundial da principal categoria automobilística do mundo se sentiu lesado com as decisões tomadas pela direção de prova da última corrida do ano e adotou o silêncio como postura após a perda do título. Enquanto sua equipe, a Mercedes, contestava o resultado que sagrou o neozelandês Max Verstappen como campeão de 21, o piloto britânico parou de seguir todas as pessoas em seu Instagram e evitou fazer aparências públicas e conversar com a imprensa.
O sumiço de Hamilton durou setes semanas. Após rumores de que o campeão sequer voltaria para a categoria em 2022 tamanha a sua decepção, um simples post no Instagram pessoal do piloto comunicou seu retorno: “Eu fui embora. Agora estou de volta!“. O silêncio do campeão foi visto por alguns como um protesto direcionado a FIA, a Federação Internacional de Automobilismo. A entidade responsável pela Fórmula 1 já anunciou que está investigando possíveis erros e injustiças ocorridas na última prova do ano. A ausência do britânico no Instagram, que costuma ser bem ativo na plataforma, seria uma forma de pressionar o órgão responsável pela investigação. Em seu perfil, Hamilton conta com mais de 26 milhões de seguidores – uma enorme diferença dos 17 milhões de fãs que seguem o perfil oficial da F1.
Foi-se o tempo em que os atletas tinham de ser entrevistados por programas esportivos para dizerem o que sentem. No mundo das redes sociais, esportistas encontraram uma plataforma própria onde podem ser livres para dizerem o que pensam. Se alguns, como o próprio Hamilton, usam essa ferramenta como forma de protesto – seja dentro das pistas ou em assuntos mais sérios como injustiças raciais –, outros utilizam seus perfis como forma de angariar seguidores, construir uma marca própria e ter bom retorno financeiro.
O anúncio de Paulo André, semifinalista olímpico dos 100m rasos em Tóquio, como participante do BBB 22 pegou a comissão técnica do atletismo brasileiro desprevenida. A escolha, que fará com que o atleta perca dois campeonatos mundiais em sua modalidade, não é surpresa para quem o conhece. Desinibido, o corredor é figurinha carimbada nas redes sociais, chegou a participar da famosa “Farofa da Gkay” e atuava como influenciador digital em seu Instagram. Em um país em que o esporte olímpico não costuma ter grande retorno financeiro, a escolha pela fama e pelo dinheiro do maior programa da televisão brasileira não parece tão estranha.
Na Olimpíada de Tóquio, o COB pagou 250 mil reais para cada medalha de ouro conquistada em modalidades individuais. Em equipes com até seis integrantes, divide-se um prêmio de 500 mil reais e, em times maiores, a premiação a ser repartida é de 750 mil reais. Os valores são consideravelmente maiores do que os pagos nos Jogos do Rio, mas só são desfrutados pelos atletas que subiram ao pódio. Em 2021, o Brasil conquistou 21 medalhas e levou 302 atletas.
Outra fonte de renda bem conhecida é o “Bolsa Atleta”, programa que patrocina atletas e paratletas de alto rendimento. Ao todo, são seis categorias do benefício que pagam de 370 a 15 mil reais por mês. A divisão dos grupos é baseada no nível de desempenho que o atleta mostra. A maior bolsa é da chamada “Categoria Pódio”, em que o atleta precisa estar entre os 20 primeiros do ranking mundial em uma modalidade. Atualmente, são 349 esportistas que recebem o benefício que pode variar entre 5 mil e 15 mil reais.
As cifras milionárias vistas em contratos de futebol não costumam ser vistas no esporte olímpico. Ganhar o prêmio do BBB, hoje, rende mais dinheiro do que uma medalha de ouro nas olimpíadas. Para muitos atletas, a exposição nas internet pode garantir mais dinheiro do que o esporte que praticam.
As redes sociais já se tornaram parte fundamental do mundo esportivo. Seja na pressão exercida por fãs e críticos, no mercado de marketing que envolve as modalidades ou nos atletas que buscam se posicionar politicamente sobre os mais diversos assuntos, o like se tornou tão valioso quanto um título. Gama conversou com quem atua no meio para entender qual é o papel das redes sociais no mundo esportivo.
A #publi que Pelé não fez
A imagem do atleta como influenciador não é nova. Se no começo dos Jogos Olímpicos os esportistas eram retratados como figuras quase divinas e exemplos a serem seguidos, a modernização dos esportes transformou essa influência em algo rentável. Ao longo das décadas, nomes como Pelé e Michael Jordan mudaram o jogo e tornaram-se algo além de atletas – marcas.
Os patrocínios milionários e as capas de revista, no entanto, costumavam ser destinadas somente aos mais famosos esportistas do mundo. Hoje, com o advento das redes sociais, a realidade se transformou. “A abordagem e a forma de negociar mudou”, afirma Fernando Trein, coordenador do curso de marketing esportivo da ESPM e diretor da Victory Sport Marketing. “As redes sociais aproximaram a figura da celebridade ao cidadão comum. O mesmo ocorreu com a imagem do esportista.”
O especialista em marketing esportivo entende que o ambiente digital trouxe novas oportunidades de negócio aos atletas. Se a imagem de um esportista sempre foi negociada em contratos, uma nova dimensão foi adicionada com a chegada das redes sociais. “Um atleta com muitos títulos é interessante para uma marca, mas esse é um modelo de negócio antigo. Ele ainda vale, mas hoje há um universo de milhões de seguidores a serem explorados.”
Um atleta com muitos títulos é interessante para uma marca. E hoje há um universo de milhões de seguidores a serem explorados
Da mesma forma que os bastidores de um show ou de um filme são populares, fãs de esporte também se interessam pelo dia a dia dos atletas. “A rede social permite a autenticidade do esportista. Ela retira esse posto divino do atleta e mostra que ele é uma pessoa comum. A boa comunicação esportiva potencializa novos negócios”, diz Trein.
Para Felipe Sarno, CEO da agência de comunicação e marketing esportivo MVP Sports, toda marca procura três coisas em um atleta – identidade própria, profissionalismo e resultados. “As empresas buscam atletas autênticos e que tenham um perfil semelhante ao da marca.” A ideia, segundo o CEO, é inserir os produtos e serviços na rotina desses atletas, mostrando como isso agrega no dia a dia do esportista de forma sutil e natural. “Enquanto influenciadores digitais, as marcas esperam um empenho por parte dos atletas na produção de conteúdo e nos resultados entregados fora das quadras.”
A quantidade de atletas realizando ações publicitárias por meio de seus perfis nas redes sociais cresceu exponencialmente
A mudança no comportamento do mercado, de acordo com Sarno, já afetou até mesmo a organização de órgãos como o COB, o Comitê Olímpico Brasileiro. “A quantidade de atletas realizando ações publicitárias por meio de seus perfis nas redes sociais cresceu exponencialmente nos últimos anos.” O CEO indica que, nos últimos três ciclos olímpicos, o COB flexibilizou a famosa “Regra 40” – norma que impedia atletas de promoverem marcas não patrocinadoras das Olimpíadas 10 dias antes e 3 dias depois dos Jogos. Segundo o COB, a ideia da nova norma é evitar a interrupção de campanhas publicitárias e permitir maior exposição dos atletas durante a Olimpíada. Com a decisão, marcas que apoiavam atletas olímpicos até dois meses antes do início da competição podem continuar usando a imagem desses esportistas em propagandas, contanto que não haja referência direta aos Jogos Olímpicos.“
Infelizmente, para a maioria dos atletas, os esportes não pagam as contas de casa. A carreira paralela se torna necessária”, diz Sarno. O CEO vê com bons olhos a jornada de influenciador e ainda indica que ela pode ser um boa continuação de carreira após a aposentadoria de um atleta. “É uma maneira do atleta fazer receita e abrir portas para oportunidades comerciais que antes não eram possíveis.
Quem não se comunica se trumbica
O jogador de handebol brasileiro Diogo Hubner tem uma carreira notável em sua modalidade. O armador central do Esporte Clube Pinheiros, uma das mais tradicionais equipes do Brasil, foi medalhista de ouro nos Jogos Pan-Americanos de 2015 e teve importante participação na Olimpíada de 2016.
Apesar do sucesso dentro de quadra, o atleta entende que foi somente com as redes sociais que ele teve acesso a um público que, há dez anos, provavelmente não encontraria. “A minha modalidade, se comparada ao vôlei, ao basquete e ao futebol, tem pouca visibilidade. Por meio das redes sociais, nós conseguimos dar mais destaque ao handebol.”
O atleta por si só é um influenciador, as pessoas sempre se espelham nele
O jogador sempre esteve ligado no mundo das redes sociais e se preocupa em produzir um bom conteúdo para suas plataformas. “O atleta por si só é um influenciador, as pessoas sempre se espelham nele”, relata. Além do trabalho em quadra, Hubner entende que os esportistas conseguem mostrar os bastidores da vida no esporte por meio da rede social. “Inteligentes são aqueles que entendem isso e usam de forma comercial.” Para o jogador de handebol, atletas precisam entender que hoje todos eles são produtos. “Assim como você precisa cuidar do seu corpo, você precisa cuidar das suas redes sociais. Quem não é visto, não é lembrado.”
Hubner acredita que, nos dias de hoje, a marca é quem precisa do atleta. “Consegui fechar grandes patrocínios sem fazer parte de uma modalidade gigante. A internet deu esperança para atletas conseguirem trabalhar e serem reconhecidos de outras formas.” Se antes os atletas esperavam uma empresa vir lhes patrocinar após grandes feitos esportivos, hoje eles produzem conteúdo, estabelecem um público fiel e oferecem esse engajamento às empresas. “Existem alguns atletas que por vezes não têm resultados esportísticos tão expressivos, mas que se destacam na rede social e atraem muitos patrocinadores.”
Nós precisamos de dinheiro para sobreviver. Se a oportunidade está aí, quem não vai agarrá-la?
Após 15 anos de seleção brasileira, Hubner admite que não está mais no auge da sua carreira. Ainda assim, seu trabalho nas redes sociais lhe garante patrocínios e apoios de marcas. “Quem se dedicar e fazer algo bem feito, vai conseguir fazer parcerias. Por vezes, o benefício nem é diretamente monetário, mas uma parceria com uma marca esportiva pode te tirar o custo de um material esportivo ou da compra de suplementos.” Além da carreira de atleta e da presença constante nas redes sociais, ele também é um dos idealizadores do podcast “PodSport” e sócio da Look, agência de marketing esportivo.
Já Rayan Castro é um ginasta de trampolim brasileiro e medalhista de ouro nos Jogos Pan-americanos Junior de 2021. O jovem, que sonha com uma vaga olímpica em 2024, acredita que as plataformas digitais permitem que os atletas se expressem e se conectem de forma genuína com seu público. No TikTok, o ginasta conta com quase 700 mil seguidores e posta vídeos exibindo suas manobras no trampolim e explicando os pormenores de sua modalidade.
Longe de ser um sucesso de público como suas irmãs rítmica e artística, a ginástica de trampolim ainda é desconhecida no país. “Por meio das perguntas do meu público, eu consigo me expor e mostrar o meu esporte. A interação com eles é ótima.”
Para o atleta, ter uma outra oportunidade de renda além da esportiva é fantástico. O garoto filma os vídeos para seu TikTok uma vez por semana no ginásio em que treina e garante que, apesar de muito esforço, ele é o único que trabalha em suas redes sociais. “Sei da dificuldade que é ser atleta no Brasil, ainda mais em uma modalidade não tão conhecida. Nós precisamos de dinheiro para sobreviver. Se a oportunidade está aí, quem não vai agarrá-la?”
Puxa e empurra
Após fazer comentários homofóbicos em seu perfil do Instagram, o jogador de vôlei Maurício Souza foi demitido do Minas Tênis Clube, equipe pela qual atuava. A pressão do público e de patrocinadores foi um dos fatores principais para o desligamento do atleta. Se os esportistas nunca tiveram tanta liberdade para compartilhar o seu dia a dia nas redes sociais, eles também nunca foram tão patrulhados.
“As marcas esperam que seus patrocinados não façam postagens muito polêmicas ou que se exponham demais nas redes”, afirma Fernando Trein. Crises midiáticas causadas por atletas, da traição do golfista Tiger Woods ao doping do ciclista Lance Armstrong, não são novidades no mundo dos esportes. O que muda com as redes sociais é a velocidade com que essas crises se alastram. “A cobrança hoje é muito maior. O público tem um canal direto de comunicação com as marcas e pode cobrá-las a qualquer instante. A rede social potencializa essas crises”, diz Trein.
No esporte, estou sempre sendo julgado. Na internet, é a mesma coisa
Para Felipe Sarno, CEO da MVP Sports, é preciso ter muito cuidado com a forma que as plataformas digitais são utilizadas. “Uma frase errada pode pôr tudo a perder. Se você fizer uma rápida pesquisa no Google, vai encontrar casos de atletas que tiveram que lidar com a reação negativa do público. Nenhuma marca deseja isso.” O jogador de handebol Diogo Hubner afirma que evita entrar em temas polêmicos e busca sempre fazer postagens que tenham relação com sua modalidade. “Por mais que você apague, o print sempre fica. Prefiro evitar assuntos que possam me trazer problemas no futuro.”
Apesar das polêmicas, existem aqueles atletas que se posicionam politicamente e acabam angariando simpatia do público por defender causas sociais. Se Lewis Hamilton, LeBron James e as irmãs Williams repercutiram de maneira contundente as manifestações do #BlackLivesMatter nos EUA, jogadores de futebol brasileiros como Richarlison vem se posicionando politicamente sobre diversas injustiças sistêmicas.
Nas últimas Olimpíadas, o debate sobre saúde mental se tornou uma das principais pautas do evento após Simone Biles desistir de competir por complicações mentais. “Um atleta não é alguém que só treina e compete, mas uma pessoa que tem suas opiniões e crenças. Não somos só uma máquina de competir”, afirma o ginasta Rayan Castro. Segundo ele, foi o próprio esporte que lhe ensinou a lidar com o julgamento das pessoas nas redes sociais. “No esporte, estou sempre sendo julgado. Seja por juízes, pela torcida ou pela comissão técnica. Na internet, é a mesma coisa. Não posso dar atenção a isso, tenho que focar e dar o meu melhor.”
Por mais que você apague, o print sempre fica. Prefiro evitar assuntos que possam me trazer problemas
A exposição constante da vida de um atleta e influenciador pode se tornar um pesadelo. No mundo das redes sociais, toda performance esportista é minuciosamente criticada por fãs e especialistas. Se o esporte praticado tem alta visibilidade, o ódio online também fala alto. Bruno Rezende é um dos principais nomes do vôlei brasileiro na última década e foi o porta bandeira do Brasil na cerimônia de abertura das Olimpíadas de Tóquio. O levantador ganhou um ouro e duas pratas olímpicas com a seleção brasileira, mas mesmo o sucesso olímpico não impediu que o ódio online lhe afetasse. “Os comentários maldosos me frustravam e me deixavam para baixo. Cheguei até a responder alguns, mas isso nunca levou a nada.”
De acordo com o jogador, a calma necessária para lidar com as redes sociais veio ao longo dos anos. Atualmente, ele entende que o ódio das redes é muito mais pessoal do que sobre performance esportiva. “Uma coisa é uma crítica, isso faz parte da vida dos atletas. Mas as pessoas te atacam para destilar ódio.” A solução encontrada por ele foi simples — se afastar desse ambiente e limitar a exposição aos comentários tóxicos. “Só nós, atletas de alto rendimento, sabemos o quanto sacrificamos e nos esforçamos. Não são pessoas que sequer conhecem o que estamos fazendo que vão nos desestabilizar”, finaliza Rezende.
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