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ReportagemBrasileiros driblam falta de neve para brilhar em esportes de inverno
Apesar das dificuldades, atletas nacionais têm ganhado destaque no cenário mundial e prometem fazer bonito nos Jogos Olímpicos de Pequim
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Brasileiros driblam falta de neve para brilhar em esportes de inverno
Apesar das dificuldades, atletas nacionais têm ganhado destaque no cenário mundial e prometem fazer bonito nos Jogos Olímpicos de Pequim
Pouco mais de um ano após se tornar atleta profissional, em 2011, a competidora de mountain bike Bruna Moura, 27, recebeu uma notícia desoladora. A paulista, nascida na cidade litorânea de Caraguatatuba, descobriu que sofria de uma doença cardíaca grave, a comunicação interatrial, que a obrigou a se afastar do esporte. “Foi difícil, porque eu estava evoluindo e sabia que tinha chances de brigar por uma vaga nas qualificatórias para a Olimpíada de 2016, no Brasil.”
O que a ajudou a lidar com a depressão que enfrentou após saber da notícia foi um chamado inesperado. Ao participar de um evento de roller ski organizado por sua mentora no esporte, a multiatleta e recordista brasileira de participações em Olimpíadas Jaqueline Mourão, Bruna teve seu primeiro contato com a modalidade, considerada uma variação do esqui cross-country — só que, em vez de neve, se pratica no asfalto, com rodinhas.
Ali mesmo, ela recebeu da CBDN (Confederação Brasileira de Desportos na Neve) equipamentos para treinar o esporte em casa, acompanhados de um convite. ”Agradeci muito, mas disse que não podia me comprometer por não poder praticar nenhum esporte de alto rendimento”, relembra Bruna. “Ainda assim, me disseram para ir brincando com ele. Se futuramente pudesse voltar ao esporte e quisesse tentar o esqui, pelo menos já teria uma base da parte técnica.” E a atleta seguiu a recomendação, o que acabou ajudando-a a superar o longo período de inatividade.
Como existem poucos atletas brasileiros em esportes de neve, muitos enxergam como oportunidade de participar de uma Olimpíada
Finalmente, em 2013, com a ajuda de Jaqueline, ela conseguiu os recursos para fazer uma cirurgia e implantar uma prótese cardíaca. Após um período de recuperação, voltou à ativa no finalzinho do ano seguinte. Só que, sem conseguir recuperar os patrocínios que tinha no mountain bike e com saudade dos treinos de roller ski, agora não mais como ciclista, mas sim esquiadora. “E, assim como no mountain bike, meu objetivo era chegar na Olimpíada”, declara . Em 2018, até passou perto, mas, apesar de alcançar uma boa pontuação, não conseguiu a vaga. Já em 2022, entrou na lista ao lado da mentora e amiga Jaqueline. “Depois de tanto tempo, quase 12 anos no esporte profissional buscando uma vaga olímpica, de repente você escuta seu nome sendo anunciado pelo COB… não dá pra descrever.”
Sim, a vaga veio, mas Bruna não vai poder representar o Brasil nos Jogos Olímpicos devido a um imprevisto. Dias após a entrevista a Gama, a atleta sofreu um grave acidente de trânsito na Itália, onde aguardava a passagem de uma infecção por covid-19 para poder viajar. Foi numa van rumo ao aeroporto de Munique, de onde viajaria à Áustria, e de lá para Pequim. O motorista morreu, e Bruna sofreu fraturas no pé, no braço e na costela, o que acabou adiando o sonho olímpico. A boa notícia, como a esportista revelou em entrevista ao UOL, foi que não lesionou a coluna de forma perigosa. “Estava difícil de respirar, doía muito, mas eu estava contente, porque sabia que, se estava sentindo dor, eu não tinha perdido meus movimentos.” Agora, quem ocupa sua vaga nos Jogos é a jovem estreante Duda Ribera, de 17 anos.
Por que inverno, se verão?
A história de Bruna com o esporte de inverno encontra alguns reflexos na de vários outros atletas brasileiros que hoje representam o país em competições lá fora. A falta de neve em território nacional é suficiente para explicar por que ninguém espera que sejamos uma potência dos esportes na neve, mas o país vem ampliando sua participação em diferentes modalidades e alcançando resultados expressivos. Se galgar algum degrau num pódio das Olimpíadas ainda parece um sonho distante, em 2014 o país bateu recorde de participações na competição, com 13 representantes. Este ano, em Pequim, serão dez, divididos em cinco modalidades: esqui cross-country, esqui estilo livre, esqui alpino, bobsled e skeleton.
A mudança de esporte para poder competir em modalidades de inverno também não é incomum. Um dos casos mais conhecidos é o de Laís Souza, que trocou a ginástica artística, com a qual representou o país em duas Olimpíadas, pelo esqui aéreo. Em 2014, enquanto treinava para os Jogos Olímpicos de Inverno, ela sofreu um grave acidente que causou uma torção em sua coluna cervical, deixando-a tetraplégica.
Como existem poucos atletas brasileiros em esportes de neve, muitos enxergam como oportunidade de participar de uma Olimpíada. Levando em conta os principais atletas brasileiros da neve hoje, em geral há certos caminhos possíveis para se lançar no esporte de inverno. Esportistas nascidos no exterior, com pais brasileiros, ou que saíram daqui quando jovens podem optar por representar o país em competições oficiais — um caminho mais simples, já que temos grandes lacunas em boa parte das modalidades na comparação com nações mais tradicionais. Outros recebem convites ou optam por morar fora justamente com a intenção de treinar em um ambiente mais propício, ou seja, onde há neve. E algumas pessoas, ainda, seguem residindo por aqui, viajando apenas para realizar treinos in loco e competir lá fora.
Nascido em Rio Branco, capital do Acre, Manex Silva se mudou com os pais aos dois anos de idade para a Espanha. Ainda pequeno, foi morar numa região com montanhas e neve. Hoje, aos 19 anos, ele vai para sua primeira Olimpíada como esquiador e optou por representar o Brasil depois de participar de algumas competições regionais. “Quando estou competindo internacionalmente, muitos olham surpreendidos ou rindo, mas o meu objetivo é demonstrar que o time brasileiro pode ser muito forte mesmo sendo um país sem neve.”
A recordista de participações em Olimpíadas Jaqueline Mourão treina com roller skis, que permitem reproduzir no asfalto cerca de 85% da ténica do esqui cross-country Reprodução
Após praticar patinação sobre rodas por mais de uma década, a brasiliense Larissa Paes entrou em 2018 no programa de transição para o gelo em Salt Lake City, nos Estados Unidos. “A adaptação foi bem difícil, pois na realidade são esportes muito diferentes. A parte técnica foi o maior desafio inicialmente, e agora que já aprendi melhor a base posso focar no meu desenvolvimento físico”, conta a atleta, que em 2021 foi a primeira do país a se classificar à Copa do Mundo na modalidade. E, se antes ela ficava apenas seis meses por ano nos EUA para treinar, em 2020, com os treinos afetados pelas restrições da pandemia, decidiu que seria preciso se mudar de vez para lá. “Foi bem difícil voltar ao nível em que estava antes, mas com paciência e foco, aos poucos fui chegando de novo.”
Quando está em Caraguatatuba, Bruna ainda treina com os roller skis. “Claro que não é exatamente como na neve, mas conseguimos usar uns 85% da técnica.” A principal diferença, ela explica, está no atrito. Enquanto no asfalto existe uma fricção que ajuda o atleta a manter o equilíbrio, na neve ela diminui consideravelmente, o que torna necessária uma mudança no equilíbrio do corpo.
A atleta do bobsled Marina Tuono, 26, no entanto, lembra que a desvantagem nesse caso não é só nossa. Na época do calor, por exemplo, todas as pistas de bobsled fecham pela falta de gelo. Os atletas da modalidade então aproveitam o período para se preparar fisicamente, com muita academia, e trabalhar velocidade e explosão, necessárias para dar o impulso adequado no trenó. As pistas de push, específicas para treinar a largada, porém, podem funcionar com ou sem gelo. Embora o Brasil ainda não tenha a aparelhagem, o atleta Edson Bindilatti, um dos principais brasileiros da modalidade, vem desenvolvendo um projeto para construir a primeira pista do tipo no país, em São Caetano do Sul, interior de São Paulo.
Um trenó solitário
Após conseguir em 2021 uma surpreendente terceira colocação no ranking mundial na categoria monobob, Marina acabou ficando de fora das Olimpíadas. A esportista integra o grupo daqueles que deixaram o Brasil para treinar. Ex-praticante de ginástica e crossfit, recebeu em 2016 um convite para viajar ao Canadá e integrar uma das equipes brasileiras de bobsled, na posição de brakewoman – aquela responsável por empurrar e frear o trenó. “Na época, estava fazendo uma faculdade de Direito, mas não sabia se era exatamente o que eu queria. Achei que seria uma boa ir para o Canadá, conhecer uma nova cultura, um novo esporte e talvez ter a oportunidade de ir para a Olimpíada.”
Embora não tenha conseguido a classificação na ocasião, recebeu um convite direto da CBDN para fazer parte do time feminino principal da modalidade skeleton. Só que as coisas não ocorreram como planejado. Marina não se encaixou bem na equipe e acabou optando por investir numa modalidade que entrou na Olimpíada só agora em 2022: o monobob feminino. Para entender, basta dizer que se trata de uma versão solitária do bobsled, em que a mesma atleta é responsável por dar impulso, pilotar e frear o trenó — nas demais modalidades, as responsabilidades são divididas entre os membros da equipe.
A atleta do monobob Marina Tuono fica responsável por empurrar, pilotar e frear o trenó na modalidade que foi introduzida pela primeira vez nas Olimpíadas em 2022 Reprodução
Com a finalidade de treinar para todo o ciclo olímpico, ela conseguiu uma bolsa de estudos nos Estados Unidos, onde vive atualmente. Entre outros desafios, uma das principais barreiras que enfrentou foi o fato de ser um esporte caro e que demanda tempo. Na preparação para grandes competições, ela diz, o ideal seria chegar com um mês de antecedência no local para treinar na pista e se desenvolver como atleta. “Geralmente, fazemos só uma semana de treino, depois dois ou três treinos oficiais e já é a competição. Dá para fazer, funciona, mas não é o ideal”, aponta.
Hoje, após a notícia da não classificação, ela já pensa em se preparar para o próximo ciclo olímpico, onde pretende competir também na categoria 2-woman, para duas pessoas. “Vocês aí meninas, que são rápidas e querem embarcar nessa aventura do bobsled, estou procurando uma brakewoman”, brinca. Marina também diz ver no Brasil um interesse maior em esportes de inverno do que no passado e espera poder inspirar outras jovens a seguir um caminho parecido com o seu. “Para ter bons resultados, a gente precisa de oportunidades. Espero ser uma porta para que outras meninas possam entrar e ser até mil vezes melhores do que eu.”
Horizonte em expansão
Quem acompanhou a cerimônia de abertura das Olimpíadas de Inverno, na sexta-feira (4), certamente deu de cara com Jaqueline Mourão, 46. Escolhida para ser a nossa porta-bandeiras na cerimônia, ao lado de Edson Bindilatti, do bobsled, ela acaba de se tornar a brasileira com mais participações em Olimpíadas, deixando para trás nomes como o do velejador Robert Scheidt e da jogadora de futebol Formiga. No total, ela já representou o país em oito Olimpíadas, contando as edições de verão e inverno, no mountain bike e no esqui cross-country.
E olha que a pandemia, que adiou a Olimpíada de verão, atrapalhou bastante o planejamento da atleta com as duas modalidades, que já era um tanto apertado. “Tive que fazer a classificação para as Olimpíadas de Inverno em plena preparação final para as de verão”, conta.
Ela também afirma que o esqui cross-country foi “um acidente da natureza” em sua vida. Para entrar na modalidade, Jaqueline se baseou nos países nórdicos, onde o esporte é usado como preparação para as competições de mountain bike. No começo, uma das maiores dificuldades foi também uma das habilidades essenciais para quem quer esquiar: saber deslizar. “Eu nunca tinha visto neve antes, enquanto as crianças nos países nórdicos vivem deslizando”, conta a atleta, que também é praticante do biatlo, que combina esqui e tiro de fuzil. “Mas, para chegar num alto nível, precisei treinar uns bons dez anos. Só então senti que pertencia a essa modalidade, que não era só a brasileira exótica participando de uma Olimpíada de Inverno.”
Após alcançar o melhor tempo da sua carreira agora em janeiro, na Copa dos Balcãs, na Sérvia, de onde saiu com a medalha de prata, ela espera fazer uma prova redonda na Olimpíada. Caso Bruna Moura continuasse na competição, Jaqueline também competiria na prova de team sprint ao lado da pupila, que quando adolescente integrou seu projeto de ensino de mountain bike. “Chegamos a largar juntas no team sprint no mundial. Foi muito emocionante poder competir ao lado de uma das minhas teens, uma das atletas do meu projeto.”
Jaqueline confirma ainda que o esqui tem muito menos patrocínio e visibilidade do que esportes como o ciclismo, mas aposta que esse cenário deve mudar, ainda que lentamente. “As empresas estão descobrindo aos poucos, e os brasileiros estão cada vez mais interessados em viajar, sentir a neve deslizar e conhecer o esporte de inverno.”
Bruna considera uma prova dessa maior visibilidade o carinho que vinha recebendo dos brasileiros nas redes sociais antes da competição. “Tenho recebido mensagens muito legais. Gente me falando: vai, você vai conseguir, estamos na torcida. Estou me sentindo até culpada, porque recebi tanta mensagem e ainda não dei conta de responder tudo”, contou na ocasião da entrevista a Gama. No Instagram, ela também postou recentemente um vídeo de sua primeira caminhada, com muletas, após o acidente.
E usou a rede para falar sobre a perda da vaga: “O sonho olímpico ficou pra próxima. O balãozinho foi soprado pra outra montanha. Contudo, tenho lutado incansavelmente para pegá-lo e dessa vez foi perto, eu conquistei a vaga e se não fosse por esse acidente eu iria pra Pequim. Mas estou feliz por não ir mas estar viva. 2026 está logo ali.”
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