Como criar meninos para se tornarem homens conscientes?
Que tipo de homem é você?
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Isabela Durão

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Depoimento

Como criar meninos para se tornarem homens conscientes?

Perguntamos a pais e mães quais as principais preocupações e desafios na criação de filhos hoje

19 de Maio de 2024

Como criar meninos para se tornarem homens conscientes?

19 de Maio de 2024
Isabela Durão

Perguntamos a pais e mães quais as principais preocupações e desafios na criação de filhos hoje

  • “Um bom passo para criar meninos conscientes é jamais tentar impor uma visão única do que significa ser homem”

    Antônio Xerxenesky, 40, escritor e tradutor, pai do Samuel, 4 anos

    “O papel dos pais, a meu ver, é de instigar conversas difíceis sobre tópicos que eram tabus na minha geração — homossexualidade, como lidar com a diferença —, de ouvir e ser receptivo às questões que inevitavelmente vão surgir. E o mais importante, talvez, é o de não carregar consigo uma ideia fixa do que é masculinidade, o que é ‘ser homem’. Esse conceito, outrora estável, já foi desmontado. Acredito que um bom passo para criar meninos conscientes é jamais tentar impor uma visão única do que significa ser homem, pois tal definição está culturalmente carregada dos estereótipos mais prejudiciais possíveis.” (depoimento a Leonardo Neiva)

  • “É preciso ter atenção para que a gente não repita comportamentos que foram naturalizados ao longo dos séculos”

    Rita Batista, 44, jornalista e apresentadora dos programas “É de Casa” e “Saia Justa”, mãe do Martim, 6 anos

    “É preciso ter atenção para que a gente não repita comportamentos que foram naturalizados ao longo dos séculos. Mesmo nós mulheres sendo subjugadas nessa sociedade machista, sexista, misógina, heteronormativa, é preciso que nos apeguemos o tempo inteiro às nossas atitudes, ações, palavras, gestos para que a gente de fato não replique aquilo que infelizmente fomos ensinadas e de que, na nossa observação participante, como cidadãs dessa sociedade, em muitos momentos somos vítimas; em outros, sem perceber, somos agentes. Os exemplos são os mais variados: quando nós julgamos o que outras mulheres fazem das suas vidas, o comportamento sexual delas, como se vestem, como agem nessa sociedade. Como se tivéssemos uma tabelinha, uma cartilha que obviamente foi ditada pelo machismo. O machismo coloca nós mulheres em lados opostos. É impressionante como ficamos entrincheiradas, com armas em riste apontadas umas para as outras e não observamos que isso é um dos mais puros frutos perversos do machismo. Então, a partir disso, nós mães de meninos temos que o tempo inteiro educar reavaliando, observando, vendo o que as crianças trazem das suas vivências e experiências nos mais variados meios sociais e de que forma eles se comportam com essas informações todas que chegam a eles desde a primeira infância, quando designamos — eu não, mas socialmente falando — que meninos vestem azul e meninas vestem rosa. (depoimento a Leonardo Neiva)

  • “Essa construção passa, em primeiro lugar, pelo exemplo que ele tem. A maneira com o casal se trata, essa horizontalidade na relação”

    Rodrigo Oliveira, 43, chef e dono do Mocotó e pai do Pedro, 9 anos

    “Em casa, eu e a Dri [a historiadora Adriana Salay] acreditamos que essa construção passa, em primeiro lugar, pelo exemplo que ele tem: a maneira com que a gente se trata, eu e ela, essa horizontalidade na relação, o cuidado com as palavras, o respeito no cotidiano. O Pedro tem uma situação privilegiada porque ele convive com quatro irmãs. Tem duas coisas centrais que a gente insiste sempre, seja nos pequenos gestos ou nos grandes. A primeira é a gentileza, o cuidado no trato, a delicadeza. E segunda é a paridade: não tem nada que as meninas não possam ou não sejam capazes e que ele possa. Elas têm os mesmos direitos e capacidades, se quiserem jogar bola, videogame ou lutinha é válido. É mais ou menos por aí que a gente conduz uma educação antimachista — se é que dá para chamar assim.” (depoimento a Isabelle Moreira Lima)

  • “Dou ferramentas para que ele possa expressar o que está sentindo, independentemente do gênero”

    Pablo Saborido, 44, fotógrafo, pai de Vicente, 5 anos

    “Meu filho é muito pequeno para falarmos de masculinidade, tento ter com ele uma vida mais sem gênero, sem identificar o que é de garota ou de garoto. Sempre se espera que tenhamos comportamentos e reações que são pré-determinadas pela sociedade. Hoje eu consigo fazer com que o Vicente fuja disso dando ferramentas para que ele possa expressar o que está sentindo, porque aí sim será uma pessoa consciente [dos seus sentimentos] independentemente do gênero. A sociedade nos generaliza e passamos por cima do que realmente estamos sentindo. Existe um manual e o jeito de driblar isso é tendo consciência do que a gente está sentindo; o que a gente sente independente do gênero. Dessa maneira, você vai tomar atitudes mais ligadas ao que você está sentindo como indivíduo, e não a um papel que tem que cumprir socialmente” (depoimento a Luara Calvi Anic)

  • “Queremos que nossos filhos se tornem pessoas que abracem e acolham, que respeitem os indivíduos e que saibam agir em momentos difíceis”

    Rafael César, 31, criador de conteúdo, pai do Kauan, 9 anos

    “Eu e o Luke [companheiro e pai do Kauan] sempre analisamos o Kauan: suas atitudes, comportamentos e modo de falar dos colegas de classe. Sempre que podemos, mostramos para ele o que, para nós, é o correto a se seguir.

    É muito complicado você dar o norte para o seu filho, tendo em vista que, da porta para fora, ele possui acesso a outros tipos de atitudes, comportamentos e parâmetros que os colegas dele trazem de suas casas. Sempre que ele chega da escola, indagamos sobre como foi o dia para entender se algo fora do normal aconteceu, para que possamos pontuar e corrigir a tempo.

    Um dia, ele falou que um amigo dele chorou, pois outros colegas riram do menino apenas por ter cabelo grande. Percebemos que o Kauan ficou triste com a situação e resolvemos expandir a conversa para vários tipos de situações para mostrar que é errado julgar ou falar de outra pessoa independentemente de qualquer coisa.

    É difícil e ao mesmo tempo não é. O que precisamos é sentir que estamos fazendo o melhor para que nossos filhos se tornem pessoas que abracem e acolham, que respeitem os indivíduos e que saibam agir em momentos difíceis.” (depoimento a Emilly Gondim)

  • “Meu filho está sendo criado em um ambiente em que ele percebe que não há privilégio de um gênero em detrimento do outro”

    Mônica Vieira, 48, professora, mãe do Vinícius, 12 anos

    “Eu acredito que não exista uma fórmula única, cada família pode encontrar um caminho diferente. No meu caso, em que eu sou casada com o pai do meu filho, entendemos que o caminho seria o caminho do exemplo.

    Então, meu marido precisou passar por um processo de desconstrução sobre comportamentos que ele reproduzia do próprio pai e que, para mim, eram difíceis e dolorosos, porque no final das contas a mulher acaba tendo uma sobrecarga mental e também física quando o homem não assume as suas responsabilidades. Na realidade a responsabilidade de uma casa e da criação de um filho são dos dois. A partir do momento que meu marido entendeu isso, ele passou a ter uma relação de divisão de tarefas.

    Meu filho está sendo criado nesse ambiente onde ele percebe que não há privilégio de um gênero em detrimento do outro e, com isso, ele também acaba tendo responsabilidades que envolvem o cuidado com a casa e com ele mesmo.

    Ele já tem 12 anos, está aprendendo que as responsabilidades domésticas não são exclusivas das mulheres, e sim de todos. Esperamos que ele tome mais consciência e no futuro crie relações melhores, e principalmente, que possa perceber atitudes que são inadequadas e não reproduzi-las.” (depoimento a Emilly Gondim)

  • “Quero que meu filho admire mulheres, as enalteça, permita que elas tenham suas liberdades plenas”

    Mari Sciotti, 38, chef do Quincho e mãe de Theo Sciotti, 17

    “Sempre desejei muito um filho menino. Hoje entendo que desejava a liberdade que é garantida aos homens numa sociedade que segue sendo patriarcal e machista. Ao criar um homem, acredito que ele deva sim sentir-se responsável por ser um pilar, seja em sua família, dentro de sua casa, no que diz respeito à funcionalidade enquanto adulto, quanto em uma sociedade.

    Busco criar meu filho para que ele se entenda como parte atuante e pró-ativa do meio onde vive, tenho pavor de homem passivo. Quero que meu filho seja forte mentalmente, fisicamente, espiritualmente, porque sendo assim ele estará muito mais apto a servir a quem precisar dele. Quero que meu filho admire mulheres, as enalteça, permita que elas tenham suas liberdades plenas, e que isso valha para todas as mulheres, não apenas as que compõem sua família e seu círculo social.

    Quero que entenda que a igualdade está no respeito, nas possibilidades, mas que existem responsabilidades e ações às quais ele deve abraçar, com honra e coragem. Que meu filho viva sua masculinidade sem se envergonhar dela, e que permita que em si coexista o feminino, e que acima de tudo, ele seja uma pessoa que baseie seus valores e essência no amor, no respeito, na ação e na cooperação.

    Quero que ele seja um marido, pai, amigo e cidadão preocupado em fazer a diferença e que tenha o discernimento pra entender que autorresponsabilidade é o que torna o indivíduo parte ativa da sociedade.” (depoimento a Isabelle Moreira Lima)

  • “Não são só as famílias que educam os seus filhos. Discursos machistas estão diluídos em conteúdos culturais”

    Gina Vieira, 52, professora da educação básica, mãe de Luis Guilherme, de 13 anos

    “A primeira questão para a gente formar meninos e homens conscientes é nos
    livrar dos estereótipos de gênero. Não há nada que uma menina faça que um menino não possa fazer e a mesma coisa vale para o contrário. Então precisamos questionar as nossas práticas como mães, como educadoras, como família, onde é que a gente ainda endossa essa lógica de que os meninos são mais capazes, mais poderosos e que eles têm que ter todas as suas necessidades satisfeitas à custa de sacrificar o ambiente onde eles estão.

    Quando falamos de machismo, a gente está falando de exercício de poder, em que meninos são educados a partir da crença de que há uma superioridade dos homens em relação às mulheres, e por isso os homens merecem um tratamento diferenciado.

    As famílias também precisam lembrar que não são só elas que educam os seus filhos. A televisão, os filmes, os desenhos, os jogos de videogame, todos esses discursos machistas estão diluídos em todos esses conteúdos culturais. Então é necessário falar abertamente com os meninos e com as meninas sobre as questões de gênero. Por exemplo, como o machismo está presente nos jogos de videogame e traz a ideia de que as mulheres são objetos?

    Por isso, precisamos de mudanças estruturais em todos os contextos: na família, na escola, na sociedade. Precisamos pensar nas representações culturais e sociais, para mudar os discursos machistas contidos nesses lugares.

    Meu filho de 13 anos, por exemplo, executa a parte dele nas tarefas domésticas, cuida das próprias coisas. No meu discurso com ele, eu falo o tempo todo sobre a importância dele ser um adulto funcional.” (depoimento a Luara Calvi Anic)

  • “Quero que ele esteja empoderado o suficiente para falar que coisa de menino e coisa de menina é tudo que meninos, meninas e menines quiserem”

    Dani Arrais, jornalista, sócia da Contente, mãe do Martim, de 3 anos

    “A criação é da porta para dentro de casa, mas também é da porta para fora. E da porta para fora existem todas as outras realidades que não são iguais à nossa. O Martim é filho de duas mães, logo, ele vive nesse ambiente em que a conversa sobre cuidado, trabalho e presença é muito forte. São duas referências femininas cuidando desse menino. Lemos livros que falam que meninos e meninas podem brincar de qualquer coisa, lemos sobre diversidade. Vamos fazendo a nossa parte. Mas, para a nossa surpresa, um ano atrás ele chegou falando: ‘Isso é coisa de menina, não pode, é coisa de menina’. Outra vez ele chegou e falou: ‘Menino não chora’. E, assim, a gente chora, a gente acolhe o choro dele, a gente lê livros que falam sobre emoções. E a gente ouviu de um menino, na época com dois anos, que menino não chorava. Foi aquele choque de realidade. Não basta a gente estar fazendo uma educação de um tipo, se em outros lugares ele vai ouvir repetições que tentam encaixar gênero em caixinhas. Então, acho que o maior desafio é conseguir mesclar essa criação da porta para dentro com a da porta para fora. Por isso que o clichê de que ‘é preciso de uma aldeia para criar uma criança’ me leva ao pensamento de que é preciso uma aldeia para educar essa criança também. E aí a gente falou muito, muito, muito sobre choro, fizemos aqueles reforços. Para mim, esse talvez seja o maior desafio hoje: Como ajudá-lo a entender as emoções dele? Como é que a gente ajuda ele a conseguir verbalizar essas emoções? Não só o choro, não só a tristeza, mas também quando ele está com raiva. Espero que a gente consiga criar esse menino para que ele seja um garoto e um homem que olha para as emoções, sabe lidar com elas e sabe também buscar ajuda, acolhimento e tenha a própria rede de amigos para dar apoio e atravessar as questões. Fora umas coisas práticas. Ele vê, por exemplo, a gente fazendo as unhas e ele gosta de pintar a unha. Eu acho o máximo, ele vai de unha pintada para a escola e está tudo certo. Então, eu quero que ele entenda que a certa altura, se por acaso ele sofrer algum bullying, que ele esteja empoderado o suficiente para falar que coisa de menino e coisa de menina é tudo que meninos, meninas e menines quiserem.” (depoimento a Ana Elisa Faria)