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RepertórioDe cartas a hashtags: as mudanças dos fã-clubes
Antes analógicos e movidos a telefonemas e caravanas para programas de auditórios, os grupos de fãs se tornaram especialistas digitais, com poder para alavancar a carreira dos ídolos
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De cartas a hashtags: as mudanças dos fã-clubes
Antes analógicos e movidos a telefonemas e caravanas para programas de auditórios, os grupos de fãs se tornaram especialistas digitais, com poder para alavancar a carreira dos ídolos
“Lindo, tesão, bonito e gostosão” em coro. Caravanas organizadas para participar de programas de auditório para ver o ídolo de pertinho; cartas quilométricas escritas à mão com declarações de amor ao famoso; ligações e mais ligações para as rádios com o objetivo de fazer a música do artista favorito bombar nas paradas de sucesso. Era assim, há não tanto tempo, que hordas de fãs demonstravam a sua adoração por atores, atrizes, cantores, cantoras e grupos musicais.
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O tempo passou e uma nova forma de se organizar em torno da celebridade surgiu. Os fã-clubes de hoje, muito mais estruturados e profissionalizados, dominam estratégias que antes eram exclusivas de grandes marcas, gravadoras e assessorias artísticas.
Agora, além de camisetas e faixinhas personalizadas — sim, isso continua! —, eles produzem conteúdos para as redes sociais, criam hashtags virais e se conectam globalmente, ampliando o alcance das suas vozes e influenciando a carreira de quem quer que seja a figura adorada.
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A distância física também foi encurtada, e encontros que, no passado, dependiam da sorte ou de esforço, atualmente acontecem diariamente em lives, grupos fechados de WhatsApp e eventos virtuais. O fanatismo, portanto, não perdeu a intensidade; apenas encontrou novas maneiras de se manifestar.
Para entender como funciona essa engrenagem atual, Gama conversou com integrantes de fã-clubes e destacou pontos que caracterizam os fandoms de hoje.
Abraçam causas dos ídolos
Mais do que impulsionar as produções artísticas dos ídolos, hoje os fãs vão além: eles também abraçam as causas sociais dos artistas e influenciadores que veneram. “Usamos nosso amor imenso de fãs para transformar o mundo”, conta Ana Clara Neres, do Army Help the Planet, coletivo de ações filantrópicas formado por amantes do grupo sul-coreano BTS.
Criado há pouco mais de seis anos, o projeto arrecadou fundos para a compra de suprimentos durante a crise de oxigênio em Manaus, na pandemia de covid-19, para o combate aos incêndios na Amazônia e no Pantanal, além de encabeçar outras ações. O Army organiza ainda campanhas de conscientização sobre temas como a importância da democracia, tal como em 2022, ao incentivar fãs a tirarem o título de eleitor. Com tantas iniciativas notáveis, a comunidade foi convidada a discursar no Fórum Mundial da Paz, em Busan, na Coreia do Sul.
Usamos nosso amor imenso de fãs para transformar o mundo
Para as 25 fãs por trás do Army Help the Planet, a banda foi fundamental para incentivar o engajamento político. “Tanto pela música quanto pelas ações individuais [os integrantes do BTS], sempre foram politizados, abordaram críticas sociais, falaram sobre saúde mental e amor-próprio, incentivando a todos a usarem suas vozes”, comenta Neres.
Em junho de 2024, grupos de adoradores brasileiros de artistas como Beyoncé, Taylor Swift, Ariana Grande, Anitta e Billie Eilish se uniram contra o Projeto de Lei 1.904/24, que visa equiparar o aborto após a 22ª semana de gestação ao crime de homicídio. Juntos, os fã-clubes compartilharam no X um abaixo-assinado contrário ao PL. “As divas que eles admiram se manifestam publicamente a favor do aborto”, comentou à época a deputada federal Erika Hilton (PSOL-SP), que mobilizou a turma para a campanha.
Os fandoms também usam o ativismo para ajudar suas próprias comunidades. Em 2023, a página Update Swift Brasil, de fãs de Taylor Swift, fez uma parceria com uma empresa para viabilizar a doação de um caminhão carregado de garrafas de água para serem distribuídas para o público que aguardava nas filas dos shows da cantora no Rio de Janeiro. As altas temperaturas afetaram a experiência de muitos no Estádio Nilton Santos, o Engenhão, como a da estudante Ana Clara Benevides Machado, 23, que morreu de exaustão térmica causada pelo calor. O corpo da jovem foi transportado do Rio ao Mato Grosso do Sul após uma vaquinha organizada por fãs da artista norte-americana.
Encontrinhos online, grupos de WhatsApp e likes exclusivos
Muitas vezes, nos anos 1980 e 1990, a única oportunidade que alguns fanáticos por certas celebridades tinham de ver essa pessoa de perto era a ida a programas de auditório. Corta para 2025 e tem fã que até na casa do ídolo já foi. É o que aconteceu recentemente com um grupo de Cactos, como são carinhosamente chamados os seguidores mais fiéis e hiperengajados da cantora Juliette.
Após serem escolhidos em um sorteio feito pela equipe da artista, 20 admiradores passaram a tarde de um domingo, 12 de janeiro, na mansão da vencedora do BBB 21, no Rio de Janeiro, com direito a lanche, sessão de maquiagem feita pela própria e a escutar em primeira mão uma música nova. O evento, batizado de Cactos Day, foi pensado como forma de agradecimento a eles.
Frequentemente, Juliette também participa de encontrinhos virtuais com fãs, além de manter um grupo exclusivo de WhatsApp só com os mais ferrenhos no engajamento.
As redes sociais também ajudam a estreitar a relação entre fã e ídolo, sobretudo com os estrangeiros. Numa tarde de terça-feira, por exemplo, um apaixonado pela Shakira pode receber um despretensioso comentário da diva no Instagram.
Temos vários exemplos de fãs notados por ela [Lady Gaga], inclusive muitos brasileiros, e a reação é sempre emocionante
Gabriel Abreu, do RDT Lady Gaga, fala que se sente mais próximo da dona de hits como “Poker Face” pelas redes sociais. “Hoje em dia ela usa e interage mais com os Little Monsters [nome dado aos fãs da cantora] pelo TikTok, o que particularmente acho incrível, porque instiga os fãs a criarem cada vez mais conteúdos interessantes e criativos. Temos vários exemplos de fãs notados por ela, inclusive muitos brasileiros, e a reação é sempre emocionante”, diz.
Todos querem foto com o ídolo. Mas e o autógrafo?
No princípio era o autógrafo, até a mão do artista doer. Agora, o mais importante é a fotografia lado a lado com o ídolo — e se não postar, não vale — é o objeto de desejo dos tietes, que formam filas enormes e causam tumulto por onde as celebridades passam.
Criadora do fã-clube Anitta Meiga, Emily Dias de Moraes Melo foi uma das que conseguiu um clique com a sua cantora favorita. “Em 2019, logo após completar 18 anos, realizei um sonho: fui ao meu primeiro show dela! Em 2024, tive o privilégio de conhecê-la nos Ensaios da Anitta, em São Paulo, e foi ainda mais especial porque meu aniversário era dois dias depois”, relata.
Alguns famosos, no entanto, rejeitam ambas as interações — a foto e o autógrafo —, seja pela superficialidade ou pelo incômodo que causam.
Após sofrer assédio e perseguição por parte de alguns fãs, a vencedora do Grammy de artista revelação em 2025, Chappell Roan, revelou o desejo de separar a vida profissional da vida pessoal. Ela disse que quer fazer todas as coisas que cada pessoa merece fazer, como estar ao ar livre, rir com os amigos, ir ao cinema e se sentir segura.
Outros parecem não se importar em tirar fotos, mas todos têm dias em que não se sentem tão confortáveis, como já desabafou a cantora Liniker: “A gente precisa aprender que as pessoas têm limites”.
Figuras públicas se preocupam não apenas com a privacidade, como aponta a atriz Emma Watson, que evita dar pistas sobre sua localização, mas também com os impactos desse contato. Billie Eilish, por exemplo, prefere um abraço e uma conversa a um autógrafo, que pode acabar sendo comercializado — no mundo tatuado de hoje, há ainda quem use a assinatura de quem ama para marcar a pele.
Trabalho voluntário nas redes: “Somos fãs pra isso”
Além de consumir conteúdo, comprar produtos lançados pelos artistas e ingressos para shows, peças e afins, uma parte dos fãs presta um serviço essencial para a carreira do ídolo: a divulgação. De forma voluntária, organizam perfis nas redes sociais e criam sites focados em distribuir informações sobre a celebridade e entreter o fandom.
É o caso do RDT Lady Gaga, comandado por Gabriel Abreu. “Hoje somos uma equipe de 30 pessoas, de todas as regiões do Brasil, que inclui redatores, tradutores, designers, videomakers, social medias e produtores. Todos nós somos formados ou trabalhamos profissionalmente nas áreas em que atuamos no RDT”, conta.
Ele explica que a página funciona como uma agência de marketing e jornalismo focada em Lady Gaga, afinal, todos têm cargos bem definidos, um calendário de publicações e direcionamentos para as criações. “Cada um tem sua função e colabora no seu tempo livre, fazemos tudo com muito amor e dedicação como uma forma de retorno a tudo o que a Gaga nos ajudou nesses anos todos, além de ser uma honra espalhar sua música, seu talento artístico e sua mensagem a todos que falam nossa língua.”
Já Emily Dias de Moraes Melo, do Anitta Meiga, realiza todo o trabalho na página, que tem 30 mil seguidores no Instagram, sozinha. É ela quem faz as publicações, verifica as informações e interage com os outros fanáticos pela cantora Anitta. “Eu me esforço para manter o fã-clube sempre atualizado, especialmente nos dias de show, postando tudo, desde o look até os bastidores e o final da apresentação. Não tenho ajuda formal, mas a interação com os fãs ajuda a manter a energia e as atualizações constantes”, lista.
Com 107 mil seguidores, o perfil Império Madonna, criado em 2012 por Pedro Compasso, tem três administradores, ele e outros dois fãs da rainha do pop, Matheus e Rita. Compasso diz que o trio tem total liberdade e acesso à conta e que, geralmente, o trabalho é feito em conjunto.
“Quando sai alguma notícia, a gente verifica a vericidade e atualiza o mais rápido possível. Um faz o texto, o outro faz o layout e o outro publica”, cita. O presidente do fã-clube salienta que o processo é coletivo. “É um trabalho em grupo, não dá para fazer sozinho.”
Isso porque, de acordo com Compasso, apesar do amor desmedido por Madonna, eles também têm outros interesses e, claro, boletos para pagar. “A gente tem que saber administrar as coisas da nossa vida pessoal, do nosso trabalho, da nossa rotina do dia a dia com o nosso fanatismo. É um mix de divisões de mundo”, afirma.
Tenho certeza que todo artista fica grato quando vê os fãs apoiando o trabalho. Somos fãs para isso
Outra função que exige organização e doação de tempo em prol do ídolo são os momentos de lançamentos de novas obras artísticas. Melo relata que, quando Anitta lança uma música, um álbum ou um filme, como o recente documentário “Larissa: O Outro Lado de Anitta”, o fã-clube se une para organizar mutirões nas redes sociais, ajudando a impulsionar o conteúdo da vez.
“As centrais de fãs sempre organizam campanhas de streaming, compartilhamento de posts, votação em rankings e engajamento online para garantir que a música tenha o máximo de visibilidade possível”, diz.
Sarah Albuquerque, do Update Swift Brasil, fala que com as novidades da cantora Taylor Swift também fazem um trabalho parecido de mutirões de votos e streams, por exemplo. “Não acho que seja ‘fundamental’ para um sucesso, mas com toda certeza é de extrema importância os fãs se empenharem para ajudar o artista a conquistar números consideráveis. Tenho certeza que todo artista fica grato quando vê os fãs apoiando o trabalho assim. Somos fãs para isso.”
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