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SemanaSerá que ainda temos um futuro (financeiro)?
Confira dicas de como a geração com menos direitos trabalhistas pode preparar suas finanças para o amanhã
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Confira dicas de como a geração com menos direitos trabalhistas pode preparar suas finanças para o amanhã
Um conhecido ditado popular brasileiro — e que possui versões semelhantes em vários outros países e línguas — assevera que “quem guarda tem”. A sentença pode até chocar por sua obviedade e se aplica sem sombra de dúvidas a situações simples, como a daquela célebre fábula de Esopo em que as formiguinhas trabalham ao longo de todo o inverno para juntar provisões para o rigoroso inverno, enquanto a cigarra, em sua preguiça, tudo o que faz é cantar. A frase, no entanto, pode ser considerada simplória demais para tratar das complexidades de uma questão que hoje tira o sono de muita gente: como guardar dinheiro suficiente para ter uma velhice confortável?
Em um passado não tão distante, o problema parecia mais fácil de resolver, ao menos para parte dos brasileiros. Bastava trabalhar com carteira assinada, e a empresa trataria de pegar uma fatia do seu salário e entregá-la ao INSS, sem muita dor de cabeça para o funcionário. Como nesse tempo não era incomum ao trabalhador permanecer 30 anos ou mais numa mesma empresa, voilá, estava praticamente garantida a aposentadoria. E, se ainda assim o valor fosse considerado pequeno, havia a possibilidade de recorrer a um plano particular, muitas vezes patrocinado pela própria empresa, como forma de complementar essa renda no futuro.
Aquela antiga estrutura de proteção social que garantia a aposentadoria e outros direitos trabalhistas já não existe da mesma forma
No complicado panorama do mercado atual, com a flexibilização da legislação trabalhista, as relações de trabalho virando também mais dinâmicas e impessoais, e a consequente perda de direitos para grande parte da força de trabalho brasileira, essa realidade continua sendo possível, mas vem se tornando cada vez menos provável. Além disso, a Reforma da Previdência aprovada em 2019 aumentou o tempo de contribuição e a idade mínima para começar a receber, além de promover alterações no cálculo do benefício.
Algumas previsões são até bastante radicais. “Isso acabou”, sentencia o economista Marcelo D’Agosto, que mantém um blog sobre finanças no site Valor Investe. “Atualmente é difícil alguém ficar numa empresa por muito tempo como assalariado. A pessoa pode até começar como CLT, mas logo muda de empresa, decide empreender ou acha um trabalho de prestador de serviços mais interessante. Tem o lado ruim, que é uma certa precarização do trabalho, não ter mais todos aqueles direitos que tinham nossos pais e avós, mas, a longo prazo, também permite uma maior mobilidade.”
Um dos resultados dessa mudança é que aquela antiga estrutura de proteção social que garantia a aposentadoria e outros direitos trabalhistas já não existe da mesma forma para a maioria das pessoas. Aliada a isso, há a questão do aumento da longevidade da população nas últimas décadas. Para se ter uma ideia, desde 1940, a expectativa de vida do brasileiro saltou de 45 para 76 anos, segundo dados do IBGE. O problema é que nossos hábitos não acompanharam a velocidade desse crescimento.
“Até poucas décadas atrás, não fazia sentido economizar para a aposentadoria porque a pessoa simplesmente não viveria o suficiente para aproveitá-la. Então as gerações antigas não sabiam poupar, só que as condições para isso eram mais favoráveis. Hoje, estamos aprendendo vagarosamente, mas é uma adaptação que vai levar gerações”, afirma o consultor financeiro Eduardo Amuri.
Para entender como as gerações mais jovens podem começar a poupar, Gama falou com especialistas em consultoria e finanças pessoais, que deram sugestões para garantir um futuro mais seguro desde já.
Quem cedo madruga
Uma outra máxima que também encontra respaldo na realidade é a de que quanto mais cedo começar a poupar melhor. Uma conta feita pelo jornal The New York Times comparou dois perfis, um que começa a poupar aos 22 anos e outro aos 32. Ambos o fazem nas mesmas condições: guardam 5 mil dólares por ano, com um retorno sobre o investimento de 6% ao ano e aposentadoria aos 67. Ao final dessa jornada, aquele que começou a poupar mais cedo terá guardado 1,06 milhão de dólares, enquanto aquele que partiu dos 32 juntará um total de 557 mil dólares.
Mas começar cedo nem sempre é fácil, já que o salário de um iniciante costuma ser baixo e, em alguns casos, pode estar comprometido com contas e gastos fixos. “Às vezes desanima porque, se for fazer a conta, o que precisa para ter a aposentadoria é um valor grande em relação ao que ganha hoje. Pode parecer que você nunca vai chegar lá”, aponta D’Agosto. O importante, segundo ele, é não desanimar porque as coisas tendem a mudar com o passar do tempo. Para isso, porém, é preciso começar de algum lugar.
“As coisas vão acontecendo. A pessoa tem uma oportunidade, o salário melhora, ela vai tocando a vida. Para chegar nesse ponto, quanto mais cedo começar a poupar um percentual do salário, com disciplina, ou a investir em alguma aplicação, é melhor.”
Para começar, o básico
E o básico, segundo a consultora financeira Denise Damiani, é aprender a sempre gastar menos do que você ganha. “A matemática é simples, não precisa estudar em Harvard para entender. O importante é saber fazer isso e investir bem a diferença”, diz a especialista, coautora de “Ganhar, Gastar, Investir” (Sextante, 2016).
Só que falar acaba sendo bem mais fácil do que botar em prática. Primeiro porque muitas vezes as contas falam mais alto e, dependendo dos ganhos mensais, o que sobra ao final é pouco ou nada. Ainda assim, é necessário fazer um planejamento que condiga com a realidade de cada um. “As pessoas geralmente não sabem por onde começar. Não importa se está no início da carreira ou trabalhando já há algum tempo, todo mundo tem que se preocupar com isso. Mesmo que os ganhos sejam variáveis mês a mês, a fórmula não muda.”
Damiani aconselha os iniciantes a se preocuparem primeiramente em guardar o que puderem. “Pode ser até na famigerada poupança, que é uma porcaria, não rende nada. Mas, se não tiver outra coisa, guarda ali mesmo”, diz Damiani. Isso até juntar uma quantia razoável, que ronda a faixa dos R$ 50 ou R$ 60 mil. A partir desse ponto, já existem opções mais interessantes de investimento e passa a valer a pena buscar as que mais se adequam ao seu caso.
Como escolher o melhor investimento
Para a especialista, o melhor investimento não existe, mas sim aquele que mais se adequa ao seu caso. Na hora de escolher o que mais faz sentido para você, é obrigatório analisar três fatores principais: rendimento, liquidez e volatilidade. Rendimento é o quanto o dinheiro aplicado deve se valorizar com o tempo, a liquidez representa a facilidade ou não de se converter um investimento em dinheiro o mais rápido possível e a volatilidade é a possibilidade de variação daquele ativo dentro de um determinado período de tempo.
“Ações da Bolsa são muito voláteis. Em um dia podem cair bastante, são muito arriscadas. Se você necessita do dinheiro aplicado para pagar contas do cotidiano, precisa que parte dele esteja em investimentos mais líquidos e não-voláteis. Senão, caso haja uma queda brusca, como vai fazer para pagar? Então, o investimento depende do tipo de vida que você tem e se recebe o suficiente para fazer frente aos gastos”, exemplifica Damiani.
O importante é não colocar o dinheiro em investimentos que prometam ganhos astronômicos e podem acabar se mostrando uma grande furada
D’Agosto defende que o importante é não colocar o dinheiro em investimentos que prometam ganhos astronômicos e podem acabar se mostrando uma grande furada. “A chance de ficar rico investindo não profissionalmente é muito baixa”, explica o consultor. O ideal, segundo ele, é montar uma carteira diversificada, que evite perdas e garanta ganhos reais, ou seja, acima da inflação. Um tipo de investimento nem muito agressivo nem muito conservador.
Também é preciso avaliar o objetivo desse investimento, se ele é de curto, médio ou longo prazo — em vez da aposentadoria, pode ser para comprar um carro ou uma casa. Para isso, alerta D’Agosto, é essencial aprender sobre o assunto, conversar com especialistas e comparar as opções. É possível fazer um planejamento de investimentos por conta própria, o que requer mais estudo e preparação, contratar uma assessoria financeira ou até um pacote de uma grande instituição, como Itaú ou XP.
De acordo com o consultor financeiro Eduardo Amuri, o importante é estar atento a algumas características desse mercado, como o fato de que alguns agentes que prestam consultoria recebem um percentual de corretoras e bancos pela indicação de clientes. “Não tem certo nem errado, mas precisa tomar cuidado com a escolha.” Para ele, todo investidor deve fazer uma autoavaliação e, independentemente dos ganhos, entender se é pessoalmente favorável ou avesso a riscos antes de determinar o tipo de investimento que vai adotar.
E a previdência?
Embora costume ser uma das possibilidades mais discutidas na hora de se falar em futuro financeiro e aposentadoria, nenhum dos especialistas consultados pela reportagem recomendou focar esforços na previdência pública ou num plano privado como forma mais efetiva de poupar dinheiro.
Segundo Amuri, a previdência privada até tem uma grande vantagem: sua logística é bastante simples. “Basta aportar uns R$ 200 todo mês em débito automático. A longo prazo, a vantagem é enorme, porque, com outros investimentos, muita gente acaba esquecendo e perde o ritmo de poupar.” No entanto, para o especialista, os pontos negativos se sobrepõem aos positivos, sendo um tipo de aplicação burocrática e de rendimento relativamente baixo.
É preciso lançar o olhar para outros produtos além do fundo de previdência, ter uma cabeça mais aberta do que seus pais e avós
Damiani faz coro a essa opinião. “Não pode ser nem considerado um investimento, é mais um seguro. Uma pena, porque os brasileiros têm essa mania de previdência privada e acabam perdendo dinheiro em vez de ganhar. A rentabilidade é péssima. Alguns planos, se você resgatar o dinheiro antes de completar a idade necessária, ainda cobram 50% do seu saldo como multa. Muita gente pega um plano sem ler as regras, é uma das coisas mais perigosas que existem.”
Em relação à previdência pública, o problema para quem está entrando agora no mercado é que há um deficit que tende a ficar cada vez maior, devido ao envelhecimento gradual da população e a uma queda nos empregos com carteira assinada, segundo D’Agosto. “A tendência é que a conta não feche por esses motivos. O valor da aposentadoria deve diminuir e vai ficar mais difícil receber. Com as novas regras, já é necessário contribuir por mais tempo e o cálculo acaba sendo desfavorável para o trabalhador.”
“Na geração atual, tudo é muito mais aberto do que nas anteriores”, diz o consultor. “Você não sabe se vai trabalhar com carteira assinada, se vai ser freelancer, ter mais de um emprego. Então, é preciso lançar o olhar para outros produtos além do fundo de previdência, ter uma cabeça mais aberta do que seus pais e avós.”