Uma vacina contra fake news — Gama Revista
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Isabela Durão

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Conversas

Uma vacina contra fake news

Pesquisador da Universidade de Cambridge, Jon Roozenbeek desenvolveu com colegas games que ajudam usuários a criar anticorpos contra a desinformação

Amauri Arrais 12 de Setembro de 2021
Isabela Durão

Uma vacina contra fake news

Pesquisador da Universidade de Cambridge, Jon Roozenbeek desenvolveu com colegas games que ajudam usuários a criar anticorpos contra a desinformação

Amauri Arrais 12 de Setembro de 2021

Dos negacionistas do clima aos movimentos antivacina, passando por eleições atravessadas por informações mentirosas ou manipuladas, virou lugar comum se referir à quantidade de fake news disseminadas nos últimos anos como uma epidemia. O termo infodemia foi até adotado pela Organização Mundial de Saúde nos esforços contra a desinformação durante a pandemia da covid-19.

Mas e se o mesmo princípio fosse usado para criar uma vacina contra as fake news? Pesquisadores da Universidade de Cambridge, no Reino Unido, resolveram testar se, assim como no caso do vírus, usar doses “atenuadas” de conteúdos falsos poderia criar “anticorpos” contra o ambiente de desinformação online.

“A ideia é de que, se você faz isso preventivamente, as pessoas criam anticorpos cognitivos e isso reduz as probabilidades de serem convencidas pelas fake news do mundo real quando forem expostas”, explica Jon Roozenbeek, pesquisador do Laboratório de Tomada de Decisões Sociais do Departamento de Psicologia da Universidade de Cambridge.

Algumas das vacinas desenvolvidas por Roozenbeek e seus colegas são jogos online em que, em poucos minutos, o jogador é incentivado a criar e disseminar notícias falsas. Em Go Viral! (ou viralize, disponível em português), o usuário assume o papel de alguém que quer viralizar a qualquer preço e é exposto a algumas das principais técnicas para isso, como o uso do anonimato em rede, a exploração das emoções do espectador e espalhar teorias da conspiração.

Reprodução

O game Go Viral!, em que o jogador usa técnicas para viralizar

A estratégia da inoculação preventiva é também chamada de “prebunking”, termo derivado de debunking, ou desmistificar em inglês. Roozenbeek acredita que se você conhece os truques usados para enganar as pessoas, tem menos chances de cair neles.

Em estudos publicados em periódicos científicos como Big Data & Society, o pesquisador e seus colegas submeteram os jogadores a questionários e identificaram que, no geral, eles se tornaram menos suscetíveis às famosas “correntes do zap” e, consequentemente, passaram a compartilhar menos.

Um novo estudo deve ser publicado em breve, no qual o grupo analisou o período dessa inoculação contra fake news e a necessidade de doses de reforço. Na entrevista a seguir, Jon Roozenbeek fala ainda das limitações da psicologia diante dos algoritmos usados nas redes sociais e se é possível atingir uma imunidade de rebanho contra a desinformação.

Checagem de fatos pode ser um pouco complicado e não muito eficiente. Ela não alcança as mesmas pessoas que as fake news

  • G |A sua pesquisa e de seus colegas parte do princípio de que pequenas doses preventivas de desinformação podem nos inocular contra o ambiente de notícias falsas ou distorcidas na internet. Como isso é possível?

    Jon Roozenbeek |

    Pode inocular durante um período e depende de algumas circunstâncias, eu diria. Mas, de maneira geral, quando você tenta desmascarar ou corrigir informação falsa usando a checagem de fatos pode ser um pouco complicado e não muito eficiente. Muitas vezes as pessoas não acreditam e, em outras, a checagem de fatos não alcança as mesmas pessoas que as fake news. Então, além disso, não como um substituto, mas como um reforço, há isso que chamamos de “prebunking”, que é a ideia de prevenir as pessoas de caírem em informações falsas. Essa ideia está baseada em inoculação preventiva, uma espécie de vacina psicológica contra desinformação e fake news. E como isso funciona? Exatamente como uma vacina real, com uma versão atenuada ou morta do vírus que, quando você injeta, o corpo pensa que está doente e começa a produzir anticorpos. Dessa maneira, a próxima vez que você for exposto ao vírus, você já tem anticorpos para atacá-lo. A inoculação psicológica funciona mais ou menos da mesma maneira. Antes que alguém seja exposto a fake news, damos a essa pessoa uma versão atenuada das fake news. Ela consiste em duas coisas: um aviso de que alguém está tentando convencê-lo de algo falso e um desmascaramento prévio, uma resposta a essa desinformação. Se você faz isso preventivamente, as pessoas criam anticorpos cognitivos e isso reduz as probabilidades de serem persuadidas pela fake news do mundo real quando forem expostas — reduz, não elimina.

  • G |E como fazem isso?

    JR |

    Existem alguma maneiras, mas a principal que desenvolvemos foi por meio dos games. Eles funcionam como vacinas psicológicas não contra fake news específicas, mas contra técnicas comuns usadas para espalhar desinformação. Uma delas, por exemplo, é o uso de teorias da conspiração. O que podemos fazer é inocular pessoas preventivamente contra essas teorias, explicando como funcionam e por que normalmente são falsas. Da próxima vez que a pessoa se deparar com alguma, tende a reconhecer e a achá-la menos convincente.

  • G |Vocês lançaram três jogos online até agora, Bad News, Harmony Square e Go Viral!, esse específico para combater desinformação sobre a pandemia. Como chegaram à conclusão de que os games seriam o melhor formato?

    JR |

    Existem algumas razões para isso — e também outras de por que não são o melhor formato. As razões de serem uma boa abordagem é que jogar requer um tanto de esforço: você tem que prestar atenção, tomar decisões, marcar pontos etc. O que significa que, seguindo as regras do jogo, você realmente se envolve nessa inoculação. Você cria seus próprios argumentos, as razões de por que algo pode estar errado e assim por diante. Isso gera um efeito muito forte. Além disso, é entretenimento e, se a pessoa achar divertido, tende a compartilhar com outras. Outra razão é que é facilmente adaptável para outras circunstâncias, mudando um pouco o conteúdo. Se a natureza da desinformação online sobre covid-19 mudar, por exemplo, dá para modificar facilmente sem ter que criar algo do zero. A desvantagem do game é que é muito longo, leva cerca de 15 minutos e muita gente não tem tempo ou inclinação para jogar. Então, não dá para alcançar muita gente. Além dos games, nós criamos vídeos que funcionam da mesma forma, são mais curtos e não exigem tanto. A pessoa pode assistir a um vídeo de 30 segundos ou um minuto e também ser inoculada.

Churchill College Cambridge
  • G |Existe algum grupo específico do público mais suscetível à desinformação? A imagem que temos do tio que acredita em teorias da conspiração se confirmou durante a pesquisa?

    JR |

    Uma das características que parecem mostrar mais suscetibilidade a fake news é uma falta de abertura para o contraditório. Então, pessoas de mente mais aberta a outras opiniões são também menos propensas a serem convencidas por fake news. Ideologia política também é outro fator, mas depende muito do país de que estamos falando. Não é sempre verdade, por exemplo, que pessoas que estejam à direita no espectro político sejam mais propensas a cair em fake news do que pessoas à esquerda. Isso parece ser verdade em muitos lugares nos Estados Unidos, mas não na Hungria ou na Polônia. No Brasil, sinceramente, eu não sei. Se fosse para chutar, diria que pessoas de direita são mais suscetíveis a fake news e as de esquerda menos, mas é só uma especulação. Há ainda questões se a ideologia política é fundamental ou simplesmente uma espécie de variável a mais para medir a suscetibilidade a fake news. Ou seja, há muitos fatores, mas é muito dfícil achar um traço psicológico importante relacionado à suscetibilidade a fake news. Não acho que temos pesquisa ainda suficiente para afirmar isso com segurança.

Não é sempre verdade que pessoas à direita no espectro político sejam mais propensas a cair em fake news do que pessoas à esquerda

  • G |Esse tipo de abordagem funciona em países polarizados como o Brasil, por exemplo, onde muitas pessoas vivem em suas bolhas de internet?

    JR |

    A princípio, sim. O que nós descobrimos com os games é que eles funcionam com diferentes grupos, não importa se são de esquerda ou direita, jovens ou velhos — embora em alguns não funcione tão bem quanto em outros, o que era esperado. Na prática, no entanto, é difícil de afirmar porque pessoas de uma parte do espectro político podem não querer jogar por algum motivo, podem desconfiar de quem criou o game ou achar que não é para elas. Isso é difícil de prever. Se, por exemplo, um político brasileiro muito popular for para as redes sociais dizer que o game é ruim, seus seguidores podem querer não jogar. O que nós podemos assegurar é que o game não é político. Se há alguma opção de publicar algo ruim sobre a esquerda, tem sempre outra opção de algo ruim sobre a direita. Como jogador, você não é forçado a fazer uma escolha ideológica. Nesse sentido, o game é neutro, mas não necessariamente é percebido da mesma maneira pelos jogadores. Pode haver alguém que não goste e não queira participar.

  • G |A pesquisa diz que o tempo mínimo de inoculação contra fake news é de uma semana, mas ainda não se sabia o tempo máximo ou se as pessoas pesquisadas precisariam de uma dose de reforço. Hoje já se sabe quanto dura esse efeito?

    JR |

    Nós fizemos um estudo em que olhamos para os efeitos por três meses e o que nós descobrimos é que os efeitos duram por esse período ou até mais, mas com lembretes regulares ou doses de reforço. Então, se a pessoa completa o jogo e uma semana depois tem um reforço do que aprendeu e, cinco semanas depois, recebe um novo reforço, isso parece ser suficiente para reter o efeito por um longo período. É o mesmo efeito da vacina: se você recebe uma dose tem alguma proteção e, com duas doses, tem uma proteção mais duradoura. Isso acontece porque esquecemos o que aprendemos com o tempo se não repetimos, precisamos ser lembrados.

  • G |É possível atingir uma imunidade de rebanho contra fake news?

    JR |

    Teoricamente, sim. Fizemos um estudo recentemente que devemos submeter a uma publicação científica em que olhamos para o quanto a inoculação pode ser eficiente quando olhamos para a média das pessoas pesquisadas. Criamos um modelo para tentar descobrir quantas pessoas precisam ser inoculadas e com que frequência para atingirmos a imunidade de rebanho. Isso é possível, mas significaria que um percentual muito grande da população tivesse que ser inoculada. Se fizéssemos isso, é razoável supor que teríamos não só uma redução da suscetibilidade às fake news como também da transmissão delas. Então, há uma possibilidade teórica, mas na prática dependeria de uma série de fatores, como o quanto da população essa inoculação atingiria, qual seria sua eficiência em diferentes subgrupos, quão eficiente seriam as doses de reforço e por aí vai.

É possível ter uma imunidade de rebanho contra fake news, mas um percentual muito grande da população teria que ser inoculada

  • G |Você já disse em entrevistas que não queria uma intervenção contra fake news que parecesse dizer: “Eu sou pesquisador acadêmico e você deve acreditar em mim”. Por que?

    JR |

    É muito difícil distinguir entre verdadeiro e falso. Em alguns casos, menos. Se eu disser que a Terra é plana, você vai dizer que não é. Mas o problema com as fake news é que não necessariamente alguém diz algo objetivamente mentiroso, mas sim algo tirado de contexto, que seleciona um lado da história, em geral carregado de emoção, mas não totalmente falso. Se eu, como um acadêmico, digo que eu vou decidir o que é verdadeiro ou falso ou “aqui está meu game que vai lhe ensinar exatamente a distinguir verdade de mentira” não é uma boa abordagem, por uma série de questões. A primeira delas é que eu erro o tempo todo. É um pouco ridículo esperar que as pessoas acreditem em mim quando eu me questiono o tempo todo. Em segundo lugar, não acredito nesse lugar que a universidade ocupa na sociedade de maneira geral. O que acho mais factível é dizer: “eu não sei o que é a verdade em muitos casos”. O que eu sei é como as pessoas podem ser manipuladas, as estratégias que são usadas para enganá-las. E você pode ser manipulador e ser tecnicamente correto. Pode não estar mentindo e ainda assim estar tentando manipular as pessoas. Então, espero pelo menos que as pessoas saibam as estratégias que estão sendo usadas para tentar persuadi-las. Dessa maneira, não digo às pessoas o que fazer ou no que acreditar, mas sim que tenham uma visão mais clara de como funciona essa manipulação online e tome melhores decisões baseadas nesse aprendizado. Acho que essa é uma posição mais honesta e mais eficiente, levando em conta que muita gente também desconfia de acadêmicos — muitas vezes por boas razões.

  • G |O que acha do trabalho de agências de checagem, que se espalharam no mundo inteiro nos últimos anos? O que nós, jornalistas, poderíamos aprender com a psicologia no combate à desinformação?

    JR |

    Claro que é importante corrigir falsas informações. Junto com um grupo de colegas, eu trabalhei num manual online sobre como desmascarar esse tipo de desinformação, reunindo as práticas mais efetivas, inclusive com uma versão em português. Acho extremamente importante fazer isso, mas não acho que é suficiente. É importante também reconhecer que a psicologia tem um papel limitado. Tem outros atores e fatores que fazem diferença, como os algoritmos usados para mostrar conteúdo em redes sociais como o Facebook. Eles podem alimentar a formação de bolhas. Isso significa que muitas pessoas serão menos propensas a serem expostas a agências de checagem e fiquem mais expostas a um número limitado de informações, o que pode radicalizar suas opiniões. A grande questão a ser respondida é o quanto essas bolhas e algoritmos são responsáveis por isso. O que pode simplesmente indicar que, independentemente do que você faça num nível psicológico, seja desmascarar ou inocular previamente, não vai funcionar para muitas pessoas. Muitas delas estão tão aferradas a suas crenças que não serão persuadidas por nada. Então talvez seja o caso mais de pensar o quanto da polarização é alimentada pelas redes sociais do que usar estratégias psicológicas ou de desmascarar fake news.

  • G |Acredita que esse trabalho de combater a disseminação de fake news deve ser algo constante? Como na Finlândia, por exemplo, onde passou a fazer parte do currículo das escolas?

    JR |

    É útil ensinar as pessoas a navegar na internet e saber lidar com a desinformação. Mas há duas questões sobre isso. A primeira é que esses critérios mudam muito rápido. O que é exigido para que alguém consiga distinguir fake news de notícias reais hoje é diferente de cinco, seis anos atrás. Isso continua mudando e o que aprendi na escola 20 anos atrás não deve funcionar mais. Outra coisa para considerar é que muita gente não está na escola. Não acredito muito nessa coisa: “Agora vou aprender mais sobre desinformação nessa aula”. Muita gente não deve estar interessada e tudo bem. Eu também não ia querer voltar para escola e aprender mais matemática. Então, apoio que a educação sobre esse tema se espalhe em larga escala, mas não é provável que ataque a causa do problema.