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ConversasBarbara Soalheiro: “Ideias têm pouco valor no mundo de hoje”
A criadora da Mesa Company conversa com Gama sobre otimização de processos de criação. Com clientes como Google, Nestlé e Fiat, ela criou um método que promete resolver problemas complexos e botar projetos de pé em cinco dias
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SemanaBarbara Soalheiro: “Ideias têm pouco valor no mundo de hoje”
A criadora da Mesa Company conversa com Gama sobre otimização de processos de criação. Com clientes como Google, Nestlé e Fiat, ela criou um método que promete resolver problemas complexos e botar projetos de pé em cinco dias
“Vamos fazer um brainstorm” ou “bora lá discutir uns caminhos” podem soar como uma oportunidade para reunir boas ideias em uma reunião de trabalho. Ou podem significar também que uma avalanche de insights incompletos e palavras aleatórias vão encharcar o seu caderninho de anotações.
Para a criadora da Mesa Company, a mineira Barbara Soalheiro, 40, não faltam ideias no mundo. Mas, hoje, o que vale mesmo é a capacidade de transformá-las em projetos, em algo um pouco mais concreto. “O único jeito de chegar a uma solução é construindo”, diz a Gama. Foi com essa premissa que ela lançou sua empresa em 2011.
Funciona assim: o cliente apresenta um problema e, em cinco dias, sai com uma solução. O método Mesa consiste em reunir uma equipe de especialistas de diferentes áreas para colocar ideias em prática, criar um protótipo e trazer respostas — “sempre com o dono do problema participando”, como explica Barbara.
Esse cliente pode ser um artista que deseja criar um arco-íris na paisagem urbana, como foi o caso do holandês Berndnaut Smilde. Marcas como a Fiat, com a qual a Mesa ajudou a criar uma metodologia de nomenclatura de carros; ou o Google, que saiu de uma imersão com um projeto chamado Eu sou Amazônia. Além de outras como Coca-Cola, Natura e Nestlé que buscam a Mesa para, por exemplo, lançar um novo produto para um novo público.
A formação original de Barbara é o jornalismo — expertise que ajudou na capacidade da Mesa de amarrar ideias e dar coerência a um projeto. Trabalhou na Editora Abril e, a partir de 2008, na Fabrica, centro de pesquisa em comunicação da Benetton, na Itália. Lá se tornou editora-chefe da Colors (revista fundada nos anos 1990 por Oliviero Toscani e Tibor Kalman). De volta ao Brasil, assumiu como Diretora de Criação da agência de publicidade digital Cubocc (parte da FLAGCX). E saiu para fundar a Mesa, que este ano completa uma década.
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G |A Mesa tem uma premissa que é ter uma pergunta muito clara a ser respondida. Vocês têm algum método de descarte daquelas ideias paralelas que podem atrapalhar no foco?
Barbara Soalheiro |Na nossa visão, o único jeito de resolver um problema é focar na essência dele. Muitas vezes, a gente começa com projetos mais concretos — criar um site, por exemplo. Então você já tem um pouco da definição do que você quer. E pode até chegar lá, mas nosso jeito de começar é da essência do problema. Porque se você não começar sabendo algo mais específico como “eu preciso começar minha comunicação com possíveis clientes”, você não vai montar o time certo para fazer esse site. Se precisa melhorar a sua comunicação, então vai ter que encontrar alguém que fez um site que trouxe muitos clientes; que é diferente de alguém que fez um site muito bonito apenas.
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G | Qual a importância de materializar uma ideia?
BS |O único jeito de você chegar numa solução é construindo. Se ficar debatendo uma questão, vai ficar dez anos debatendo. Então tem que entrar com a essência de uma ideia e tem que ter um foco tangível. Começar da essência não significa dar muitos passos para trás. É simplesmente começar olhando para a coisa que importa mesmo, que é o problema. Às vezes, as pessoas juntam tudo em um projeto, aí vem um pouco de ideia, de pesquisa, a opinião que um amigo deu. Vem um emaranhado de coisas e o que a gente propõe é começar mais vazio, garantindo todas as habilidades e conhecimentos que você vai precisar juntar e focar na execução.
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G |O que você pensa do brainstorm, essas reuniões para trazer e discutir ideias livremente?
BS |Acredito que todas as perspectivas estão valendo em alguma situação. Tem situações que você quer um brainstorm, agora da perspectiva da Mesa a ideia é muito pouco. Você pode ter um monte, mas a capacidade de executá-las é o que importa. De fato eu sinto que ideias têm pouco valor no mundo de hoje, isso talvez fosse um pouco diferente em outros tempos. Hoje as ideias são muito abundantes.
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G |Então por que as pessoas ficam tão apegadas à necessidade de se ter uma grande ideia?
BS |Porque elas têm uma sensação de que para uma coisa ser construída ela primeiro tem que enxergar a coisa inteira e depois executar. Para a gente, a ideia é uma semente. E você não enxerga uma árvore em uma semente, mas sim o potencial que ela tem. Uma das coisas que a Mesa faz é provar que o melhor jeito de escolher uma ideia é a partir da essência dela. Tem que escolher uma ideia num estágio inicial, quando você não vê o todo ainda. A Mesa prova que só a ideia não é nada. Há todo um universo de startups provando exatamente isso: a pessoa tem uma ideia, consegue um dinheiro e aí quando olha para aquilo três anos depois vê que tem ali uma semente que já estava lá no primeiro dia, mas a empresa se tornou outra coisa.
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G |E como é a recepção dos clientes em relação a essa proposta?
BS |Você vai ter muita gente do mercado dizendo que isso é muito difícil de fazer. Existe consultoria de briefing para cliente, mas da perspectiva da Mesa isso não é necessário porque se você sentar por sete minutos com o dono de um problema ele vai te dizer o problema dele. A gente tem um truque que é assim, “me conta como você contaria para a sua namorada, parceiro. Me conta do jeito mais simples possível”. A pessoa fala e a essência tende a estar lá.
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G | A Mesa propõe resolver um problema complexo e entregar uma solução, um protótipo em cinco dias. Mas com a experiência a gente sabe que um projeto para ganhar corpo, identidade, voz, precisa de tempo. Então até que ponto é possível entregar nesses cinco dias?
BS |Pra gente, o que é importante é você conseguir dar um passo. Nosso objetivo é criar uma solução que vai começar a ser implementada na segunda-feira. E é menos essa ideia de que existe uma resposta perfeita. A Mesa vende uma solução para o problema do cliente; não “a” solução, até porque ela não existe. Você vai começar a implementar e aí vai mudar, remudar e é isso mesmo. Ao mesmo tempo, uma coisa que a gente prova é que se você ficar tentando chegar no mundo ideal nunca vai pôr na rua, e aí não tem nada mesmo. Na verdade, no fim de uma Mesa é que começa um projeto. O que a gente consegue fazer é colocar de pé uma coisa tangível.
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G |Você diz que os grandes talentos do mundo não trabalham para apenas uma empresa. Mas eu suponho que você na Mesa também tenha pessoas-chave e fixas, que você formou. Como manter o frescor que novas pessoas trazem e a equipe que garante a identidade da marca/empresa?
Barbara Soalheiro |Eu sei que dá essa sensação quando eu falo essa frase de efeito, de que ninguém vai mais querer trabalhar full time, mas eu, Bárbara, que sou dona da minha própria empresa, se você me disser que a única coisa que eu vou fazer é Mesa eu vou falar não. Não é apenas sobre como eu vou manter todas as pessoas aqui na minha folha de pagamento, mas como eu não vou perder o treino que eu já fiz, a pessoa que eu já treinei. E você não precisa, as pessoas também não estão interessadas em fechar portas. Tem muita possibilidade no mundo hoje e a gente olha e fala “eu quero todas, eu quero poder estar nessas oportunidades, nessas conexões”. E aí ao mesmo é uma boa notícia, você não precisa perder as pessoas: você cria um projeto e consegue trabalhar com gente muito boa. Essa é a vantagem do projeto, ter começo meio e fim… É difícil você contratar o Fernando Meirelles [que participou do projeto Eu sou Amazonia, com o Google e Mesa] para um projeto muito longo. Ou alguém deixar de ser CEO para vir trabalhar para uma marca de beleza que está sendo lançada. Agora, por cinco dias, por projeto, até um CEO de uma empresa pode dizer sim.
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G |Você acha que os processos de trabalho criados pelas grandes empresas engessam a criatividade, a possibilidade de mudança? Como crescer sem perder o frescor?
BS |Não tem escapatória, crescer é processualizar. Só que a vida é viver nessa tensão, eu tenho que ser o mais criativo possível e o maior que eu quero ser, que eu tenho apetite para ser. Cada um sabe o que é crescimento para si mesmo. Eu penso que um nível de caos, de possibilidades, de abertura é necessário. Agora, a Mesa á também um processo no final das contas, tem algum enquadramento e a gente vai fazer o melhor dentro dele. E se você tem um problema para o qual não existe benchmark [referência a ser seguida], eu realmente acho que o melhor que você consegue é reunindo as melhores pessoas, e pra isso você precisa de um enquadramento de tempo.
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G |É que às vezes há uma crítica a métodos antigos das grandes empresas quando se fala de criatividade.
BS |O problema não são os processos, mas o quanto eles te tiram a clareza de onde você está partindo, de qual a essência do problema e da totalidade. Um dos desafios de processualizar é que muitos funcionários perdem completamente a relação com a entrega. Essa coisa de criar ela é humana, não é à toa que nas muitas religiões a ideia de Deus é de criador. Pra gente não é sobre a eficiência do processo, é a eficiência de criar coisas novas, de resolver problemas, de avançar no mundo. As coisas estão todas se movendo muito, é tempo de reinventar. E quando você tem que reinventar precisa prestar menos atenção no processo.
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G |O escritor Itamar Vieira Junior deu uma entrevista a Gama e ele disse que começou a escrever “Torto Arado” aos 16 anos e percebeu que não tinha maturidade para terminar. Publicou aos 40, ganhou prêmios. Qual a hora de deixar um projeto de lado para continuar (ou não) depois?
BS |Que coisa mais bonita, eu não sabia que ele tinha começado esse livro aos 16. Eu tenho essa história de que quando eu voltei da Fabrica ganhei uma bolsa para escrever um livro, escrevi e falei que quando eu tivesse 60 eu ia parar de novo para escrever, terminar esse livro, justamente por uma falta de maturidade. Eu acho que o que você tem que sempre estar buscando é alegria. Quando você está num nó muito difícil, numa treta muito grande para resolver, aí dá aquele impulso para o desespero. A gente vive muito essa sensação na Mesa, é um ambiente de muita pressão, com uma promessa alta, tem um compromisso muito grande com essa entrega. Então é muito estresse. O que eu percebo é que todo mundo que se entrega para esse desespero acaba sucumbindo. E se você, nesse momento, consegue se conectar com a alegria do trabalho, você acha saídas. E o outro é a verdade… um termo muito complexo hoje. Mas existem coisas que tem solidez porque elas estão enraizadas em algo que se conecta com outras pessoas, que é o que eu chamaria de verdade, algo que pulsa, algo vivo… Um mantra nosso é “tudo que precisa e só o que precisa”, então no momento mais difícil a gente procura por essas duas coisas. E eu acho que se você está no meio de um projeto e não encontra nem a alegria nem a verdade — a coisa viva que pulsa é quase uma nascente que vem à tona — talvez seja a hora de deixar aquele projeto um pouco de lado.
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G |Quando você assume que alguma ideia “deu certo”. Quais os indicadores?
Barbara Soalheiro |Eu adoro essa pergunta porque eu acho ela tão subjetiva. A gente foi capaz de enxergar e trazer à tona o maior potencial desse projeto? É um pouco a pergunta que me guia. O Facundo [Guerra, empresário paulistano] diz que um negócio é uma forma genuína da sua expressão no mundo. Então o que vai medir o dar certo também é a sua percepção do mundo. Em geral, eu diria: você vai ter orgulho de contar que assinou isso? Você tende a falar ‘tem um pouco de mim aqui’? Talvez seja essa pergunta. Se tiver ‘eu’ aqui, dá para considerar um sucesso.
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G |Você já disse que engajar as pessoas no trabalho não é botar mesas de ping pong, como muitas companhias fazem. O que vc acha que é preciso para engajar as pessoas em um projeto?
BS |Eu acho que trabalho é uma das melhores coisas do mundo. Criar coisas, essa capacidade de trabalhar que vem de criar é muito inerente ao ser humano. Então é reconectar as pessoas com esse sentimento, essa capacidade de ser um criador. A mesa de ping pong, essa coisa de chocolate de graça, comida de graça, como as grandes big techs… Há pouco pensamento por trás das grandes techs. Isso faz muita diferença no recrutamento de pessoas jovens, mas eu acho que isso não tem nada a ver com trabalho. Se você fosse simplesmente capaz de incentivar as coisas que são do mundo do trabalho, por exemplo, chamar a pessoa para a reunião, para o projeto. Dar a oportunidade de fazer algo de verdade, de se arriscar, deixar o trabalho ser uma aventura. Tem muito mais valor esse tipo de conexão do que a mesa de ping pong.
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G |Como você botou de pé e concluiu esse projeto chamado Mesa? O que veio antes e quando sentiu que a coisa deixou de ser projeto para virar algo?
BS |Quando eu comecei a pensar na Mesa eu estava na Fabrica. Eu tinha essa ideia, tinha todo esse plano na cabeça e dava muito medo de começar a fazer. E um dia, quando eu ainda estava morando na Europa, fui fazer uma viagem e estava em cima de uma pedra na Croácia vendo as crianças pularem… E veio essa menina do nada, parecia um anjinho, ela olhou para mim e falou: ‘Are you afraid?’. E eu falei que sim. E ela respondeu: ‘Just run and jump’ [você está com medo? É só correr e pular]. E daí ela correu, pulou e lá de baixo ela repetiu a frase. E eu pulei da pedra, tomei a maior barrigada, mas foi uma delícia. Para mim isso foi sei lá, uma mensagem, porque tem muita coisa que é ‘just run and jump’ porque seu cérebro vai te dar muitos motivos para não fazer uma coisa. O homem foi se desenvolvendo na tentativa de reter energia, você precisa cuidar, guardar energia e não gastar à toa porque daqui a pouco pode ter que enfrentar um inverno ou um predador. De certa forma, seu cérebro não quer que você ‘jump’, ele fica pensando que vai acontecer isso ou aquilo.
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G |E isso tem tudo a ver com criar um projeto.
BS |Sim. Tem um pedaço sobre botar um projeto de pé que é ‘just run and jump’. Acho que esse episódio da menina na pedra da Croácia foi muito importante para começar, e eu demorei muito. A coisa existia na minha cabeça desde dezembro de 2010, e a gente fez a primeira Mesa em outubro de 2011. Esse tempo era o medo de ‘jump’. Era eu ali olhando na pedra. Vivi muito essa coisa de ficar esperando e meu cérebro se perguntando ‘mas e se der errado?’. Você fica ‘mas eu vou fazer esse negócio, vou ficar meio nua na frente de tudo, e se for ruim?’. Eu lembro que no dia que contratei a primeira pessoa, que foi a Ligia Giatti, que hoje é sócia, foi ‘nossa, eu pago um salário todo mês’… foi só quando eu tive coragem de chamar a Mesa de uma empresa, até então era só um projeto. Tem uma hora que você começa a criar uma estrutura para que seja uma coisa além, talvez um projeto ainda seja algo realmente pessoal, individual.