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Depoimento

Você é um profissional confiante?

Um chef, um físico, uma jornalista, uma empreendedora e outros falam sobre a importância de ser confiante no trabalho, e como desenvolveram essa aptidão em suas carreiras

Manuela Stelzer 03 de Abril de 2022
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Você é um profissional confiante?

Um chef, um físico, uma jornalista, uma empreendedora e outros falam sobre a importância de ser confiante no trabalho, e como desenvolveram essa aptidão em suas carreiras

Manuela Stelzer 03 de Abril de 2022

No universo profissional, mais do que saber realizar uma tarefa, seja ela qual for, é preciso mostrar que sabe realizá-la com maestria – e está confiante sobre isso. Estudos do pesquisador Don Moore, da Carnegie Mellon University, confirmam que as pessoas têm uma probabilidade maior de serem influenciadas pela confiança do que pelo conhecimento. Ou seja: a grande sacada é não apenas ser um profissional dedicado, como também estar seguro do seu trabalho e habilidades.

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A tarefa não é simples, claro. Ser autoconfiante, sem beliscar o limite da arrogância, é uma virtude que se constrói com o tempo e a experiência. Mas há pessoas de diferentes áreas no mercado que podem guiar um caminho interessante. A seguir, seis profissionais, entre uma jornalista, um chef, um engenheiro e uma empreendedora, falam sobre a importância da confiança no trabalho, e dão algumas dicas para desenvolvê-la.

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    Arquivo pessoal

    ‘Como jornalista, é mais importante ser desconfiada’

    Julia Duailibi, jornalista e comentarista especializada na cobertura de política e economia

    “Diria que na profissão de jornalista a desconfiança é mais importante que a confiança. É preciso sempre desconfiar das informações, checar os dados e relatos que chegam a você. Jornalistas muito confiantes e pouco desconfiados estão mais suscetíveis ao erro – a desconfiança é uma proteção. No caso dos jornalistas que fazem TV, como eu hoje, a segurança é mais importante que a confiança. Como emissores de uma informação, nós jornalistas temos de estar seguros – e, mais do que isso, passar segurança sobre o que estamos falando. Vejo a desconfiança, inclusive de si mesmo, como um traço interessante em muitas pessoas talentosas. Como diria Sócrates, ‘tudo que sei é que nada sei’.

    A arrogância é a autoconfiança inflacionada. Quem confia tem fé ou crença na própria competência. Já a arrogância é a certeza da sua competência – e a necessidade de que os outros saibam disso. O arrogante tem convicção da sua capacidade e acredita que esse ‘poder extraordinário’ o torna um ser superior. Acho que o confiante não entra nesse canal.
    É engraçado, porque não me considero uma pessoa necessariamente confiante. Me considero uma pessimista e desconfiada na maior parte do tempo. Faço um exercício interno para confiar mais em mim e nos outros por achar que, alguma dose de confiança – 30% de confiança e 70% de desconfiança (risos) –, ajuda. Na TV, em que o trabalho é muito em equipe, tenho aprendido diariamente a confiar mais no trabalho dos outros e também a ser mais generosa com o meu.

    Acho que, no ambiente corporativo, melhor do que ser confiante é ser seguro. Seguro do que está falando, do que está fazendo. E aí não tem uma fórmula mágica. Ainda hoje, com 23 anos de profissão, me sinto insegura muitas vezes diante de uma informação. Tento dirimir isso estudando, checando e me preparando para o assunto que vou abordar. Quanto maior o domínio e maior o conhecimento sobre o tema que estou levando ao ar, mais segurança tenho. Portanto, há uma relação direta entre conhecimento e segurança.”

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    ‘Temos que admitir que somos uma mistura muito poderosa de qualidades e defeitos’

    Aurea Vieira, diretora de relações internacionais no Sesc de São Paulo

    “Eu costumo me gabar entre amigas que nunca sofri a tal famosa ‘síndrome de impostora’. Talvez por isso, sei que a confiança no trabalho é minha maior aliada para afastar qualquer fantasma profissional. A trajetória na filosofia me fez debruçar bastante sobre a minha intuição, e é ela o insumo dessa confiança que faz aumentar meu repertório, intensificar saberes, reunir aliados. Ela também me inspira a fazer mudanças necessárias, me posicionar em combates e, principalmente, me recompensar com satisfação no ofício que desenvolvo.

    A probabilidade de um funcionário descontente ser também inseguro e pouco intuitivo é muito alta. E não se trata de ser ‘auto-confiante’ sozinho, veja bem, a arrogância aqui é o oposto do que acredito sobre confiança em si. É este prefixo ‘com’, em fazer junto, em acreditar em diálogos que também nos protegem no ambiente de concorrência. Admirar pessoas em todos os níveis de uma organização, elogiá-las quando uma reunião é bem concluída, poder ser verdadeiro e recíproco com o chefe são algumas de minhas pílulas diárias para conquistar espaços que, no trabalho, têm a ver com prestígio e manutenção. Mas essas atitudes e posicionamentos também se relacionam com uma responsabilidade ainda maior: a de colocar-se, ao mesmo tempo, vulnerável, falível, mas também sagaz, criativo e gentil.

    Temos que admitir que somos uma mistura muito poderosa de qualidades e defeitos quando estamos desenvolvendo nossas carreiras profissionais. Quem tem confiança no trabalho é um inquieto investigador de problemas, é aquele que não tem medo de expor o que já pereceu numa cultura institucional ou de romper com sua própria estratégia, mas junto a isso, encara também, necessariamente, as adversidades com muito bom humor, afinando as polifonias que são imprescindíveis para que tudo flua. Trabalho sisudo nunca cativou o lugar natural da confiança – que é onde mora o companheirismo.”

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    ‘Assuma aquilo que você não sabe. Não sabemos de tudo, e por isso estudamos’

    Luciano Machado, engenheiro e cofundador da MMF Projetos

    “A confiança muda a forma como um profissional é visto no mercado. Acredito plenamente na filosofia do sucesso do escritor norte-americano Napoleon Hill, que diz: ‘No final, quem cativa a vitória é aquele que crê plenamente’. Óbvio que existem momentos de altos e baixos, mas é preciso acreditar que sempre é possível desenvolver um trabalho melhor, se recuperar, e ter essa confiança.

    Apesar de trabalhar na área comercial há muitos anos, e ser um engenheiro especialista, geotécnico, além de uma pessoa que conversa, interage e faz parte de diversos grupos, nem sempre foi assim. Até os 12 anos, eu era muito tímido e introvertido. Foi quando tive a oportunidade de conhecer o livro ‘Como Fazer Amigos e Influenciar Pessoas’ (Companhia Editora Nacional, 2012), que mudou minha vida. Esse livro me ajudou a entender mais sobre confiança, sobre como você faz uma amizade, como demonstrar ser confiável. Afinal, amizade é isso: você confia em alguém que confia em você. Uma das bases para essa relação é saber ouvir, dar espaço para que pessoas falem de suas necessidades – e no mercado de trabalho não é diferente. Quando você vende um serviço ou uma solução, como no nosso caso, você precisa entender qual é a necessidade do seu cliente, o que ele está procurando.

    Se tem uma dica que posso dar, a mais valiosa aprendi com o grande consultor e professor Cláudio Michael Wolle: é importante dizer quando você não sabe de algo. Isso é libertador. Quando você vê uma pessoa que teoricamente sabe tudo de uma determinada área e escuta ela dizer que não sabe alguma coisa, mesmo que depois de alguns momentos ela traga uma solução, você entende o valor de assumir aquilo que você não sabe. Quando entendi isso e pude exercer esse direito, me libertei da responsabilidade, imposta por mim mesmo, de ter que saber tudo. Não sabemos, e é por isso que estudamos e buscamos conhecimento.”

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    ‘Não abra mão da humildade e da consciência de que podemos sempre melhorar’

    Marcelo Knobel, físico. Foi reitor da Unicamp de 2017 a 2021

    “Confiança é uma palavra bastante ambígua. Acho que é importante ter confiança, mas sem excesso. Precisamos ter um equilíbrio adequado entre as habilidades e as competências que sabemos que temos, e o exagero da confiança – ou podemos acabar cometendo erros e nos colocando em situações inesperadas. Isso vale para o trabalho e para qualquer outra área da vida. A confiança é algo que adquirimos ao longo do tempo, passo a passo, até que você se sinta seguro na atividade que realiza. Mas a humildade e o cuidado são essenciais. No futebol inclusive, há aquela gíria, que não sei se é politicamente correta, mas que diz: ‘O time entrou de salto alto’, ou seja, com excesso de confiança. Esse time pode perder o jogo justamente por isso. Atores e atrizes que já fizeram a mesma peça milhares de vezes ainda precisam daquele friozinho na barriga antes de entrar no palco. Claro, todos devem confiar na própria capacidade de realizar as tarefas profissionais, mas o cuidado e a preocupação em checar, reavaliar e buscar ser melhor não devem ser deixados de lado. O equilíbrio, eu acredito, é fundamental.

    No meu caso, já tive bastante dúvidas sobre como escrever trabalhos científicos, e a qualidade deles, mas foi com estudo, pesquisa e muito conhecimento que percebi que os trabalhos que fazemos aqui são de qualidade equivalente, às vezes até superior, a outros. Assim, a confiança vai sendo construída. Mas é um processo lento, em que aos poucos você lapida a confiança até ser capaz de dizer: ‘Tenho igual capacidade para fazer ciência quanto qualquer outro grupo equivalente no mundo’. Isso se conquista, mas sem abrir mão da humildade e da consciência de que é possível, sempre, melhorar. A dica é manter o pé no chão, e ter paciência para desenvolver essa confiança aos poucos. E nesse processo, devemos saber que é absolutamente normal, quando não soubermos alguma resposta, solicitar ajuda.”

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    ‘Precisamos reconhecer o que fazemos de bom’

    Fernanda Ribeiro, empreendedora e cofundadora da Conta Black

    “Considerando a área em que atuo, que é dominada por um fenótipo totalmente inverso ao meu – homens brancos e muito mais velhos –, eu, uma mulher com aparência jovem e de pele retinta, em qualquer atitude preciso de muita confiança, caso contrário seria rapidamente descredibilizada. A falta de confiança é um agravante no trabalho. Somos dilaceradas constantemente pela síndrome da impostora, e com isso, muitas vezes, as melhores oportunidades são direcionadas para quem nem sempre desenvolve um excelente trabalho – mas que se comunica melhor e é mais autoconfiante. Quando não desenvolvemos essa habilidade, saímos em desvantagem. Já passei por situações nas quais exercer minha autoconfiança foi peça chave para o sucesso de uma negociação, por exemplo. E não posso deixar de falar que a falta dela, que já me aconteceu, me colocou em condições desvantajosas.

    A terapia me ajuda muito no processo de autoconhecimento num geral, e que transborda para o campo da segurança. É um processo contínuo. Anualmente, me programo para ter momentos de reflexão e aprendizado, que são importantíssimos. Gosto muito de ler biografias de mulheres que me inspiram também. Com essas histórias, sempre encontro uma nova forma de lidar com situações desafiadoras, e sempre de maneira mais autoconfiante. Entender nossas vulnerabilidades e potencializar as habilidades é um processo essencial para o desenvolvimento da confiança. Acredito num processo de construção da autoconfiança, principalmente no trabalho, quando sabemos o que fazemos de bom e nos dedicamos em melhorar os pontos mais frágeis.”

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    ‘Se não confiarmos no nosso próprio trabalho, quem irá?’

    Onildo Rocha, chef

    “Em qualquer área, se não temos confiança no nosso trabalho e no que estamos entregando, fica bem difícil ter quem acredite em nós. O cliente precisa estar muito seguro sobre conceito, propósito e técnicas que foram usadas, e não apenas o cliente como a equipe com quem se trabalha. Se não confiarmos no nosso próprio trabalho, quem irá? Acho que é meio por aí. Um profissional com muita insegurança, que questiona demais se seu trabalho está bom, o que o outro acha, causa uma certa insegurança, afinal, é o cara responsável pela criação que deve estar seguro. Se ele tem desconfiança, o cliente também fica desconfiado. É muito importante que o profissional se mostre confiante nas decisões. Ele será respeitado por ter essa segurança.

    Confundir confiança e arrogância é um problema que acontece muito na gastronomia. As pessoas que são arrogantes são grosseiras, e na verdade estão afastando o não entender. Explico melhor: quando alguém me pergunta o que fazer e respondo com ignorância, é porque não sei explicar tecnicamente para essa pessoa o que está acontecendo, e aí uso o grito ou a arrogância para afastá-la. E quando o profissional sabe responder e está confiante, ele não traz arrogância junto com ele – traz explicação, conteúdo, conversa.

    Desenvolvi minha confiança pesquisando, estudando e perguntando, mas com confiança, não com temor e me questionando o tempo todo. Temos que ter muita segurança do que estamos entregando e do público para o qual vamos entregar, isso é importante. Para ganhar essa segurança, precisa estudar mais, cozinhar mais, dedicar mais tempo ao ofício.”