Seus avós beijam na boca? — Gama Revista
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Reportagem

Seus avós beijam na boca?

Namoro após os 60, 70 ou até 80 se tornou mais comum e pode fazer bem para corpo e mente, mas ainda é invisibilizado pela sociedade

Flávia Mantovani 21 de Julho de 2024

Seus avós beijam na boca?

Flávia Mantovani 21 de Julho de 2024
Isabela Durão

Namoro após os 60, 70 ou até 80 se tornou mais comum e pode fazer bem para corpo e mente, mas ainda é invisibilizado pela sociedade

Os avós estão na pista. A frase é de Simone B. Lara, professora do curso de formação executiva em Mercado da Longevidade da Fundação Getúlio Vargas (FGV). Criadora do blog Cinza Poderoso, de conteúdos sobre essa fase da vida, ela decidiu, em 2021, fazer uma pesquisa para entender o comportamento de pessoas maduras em relação a namoro e sexo.

“Há um descompasso entre o que é ser velho e a imagem que se tem sobre a velhice. Todo mundo que pretende falar de longevidade ou de idosos pensa em produtos de geriatria. Mas as pessoas de 50, 60, 70 anos estão na pista. Estão entrando em sites de namoro, saindo para conhecer gente, beijar na boca”, afirma.

Lara elaborou um questionário, em conjunto com um geriatra, que foi respondido por 580 pessoas com 50 anos ou mais. Como a amostra não é representativa da população, os resultados não são generalizáveis, mas eles revelam aspectos interessantes, que vão na contramão do senso comum.

Metade dos entrevistados (51%) disse que já conheceu um parceiro sexual por meio das redes sociais e um terço (33%) afirmou estar inscrito ou ter tido perfil em alguma plataforma de namoro. Sete em cada dez (72,8%) afirmaram que estão com a libido em dia, ou seja, sentem desejo sexual — mesmo que nem sempre consigam praticar sexo, seja por desgaste nas relações, por doenças ou pela dificuldade de encontrar um parceiro. Quando conhecem um parceiro novo, 44% têm a primeira relação sexual em um motel e 35%, em sua casa ou na do parceiro. Mais de um terço (36%) disseram que já efetuaram compras em sex shop.

“Eles estão, sim, procurando prazer sexual”, diz Lara. “Tenho uma amiga de 75 anos que começou a namorar recentemente. Isso era inimaginável um tempo atrás. A mulher dessa idade estava em casa, fazendo tricô encostada na cadeira de balanço.”

O imaginário social, porém, não acompanhou essa transformação. “Os jovens pensam que os idosos não são desejáveis nem têm desejo”, diz a professora. Uma das explicações, segundo ela, é a rapidez com que a pirâmide etária brasileira está mudando. “Enquanto o Japão e alguns países europeus levaram décadas para envelhecer, aqui foi de uma hora para a outra. Não teve tempo de as cabeças se ajustarem. Mas hoje já temos mais avós do que netos e em 2030, 30% da população será idosa. É muita coisa.”

Os jovens pensam que os idosos não são desejáveis nem têm desejo

O descompasso se reflete, inclusive, na falta de produtos e serviços que levem em conta as necessidades desse público. Ela dá o exemplo da onda de festas flashback, inspiradas em décadas passadas. “Tem projeção de videoclipes na parede, mas não tem lugar para sentar. Nós queremos dançar, mas precisamos sentar de vez em quando. Não damos conta de ler um cardápio no lusco-fusco da boate, precisamos de luz, de letras maiores. São sutilezas que quem atende o público mais maduro precisa perceber.”

De 2013 a 2022, o número de casamentos de pessoas com mais de 60 anos registrados no Brasil cresceu 72,4%, saltando de 10.000 para quase 17.300, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). No mesmo período, o número total de matrimônios diminuiu 7,8%. Essa tendência se conecta com outras estatísticas, como o aumento da idade média dos brasileiros ao se casar e o crescimento do número de divórcios e de recasamentos, e tem se refletido nos consultórios médicos.

“Percebo muito mais abertura para falar sobre sexualidade, não só dos homens, mas também das mulheres, e em faixas etárias cada vez mais velhas”, diz o geriatra Leonardo de Andrade, que conduziu a pesquisa com Simone Lara. Para Andrade, nem sempre os médicos cogitam a possibilidade de que pacientes idosos tenham vida sexual ativa, o que seria importante até para suspeitar de uma infecção sexualmente transmissível (IST) — algo que ele tem visto com frequência. Segundo o médico, no geral, a relação amorosa traz benefícios à saúde e à qualidade de vida. “Em termos geriátricos, significa saúde, alegria, prazer, autonomia. Ajuda a sair da ociosidade, a evitar a depressão.”

É verdade que o envelhecimento pode tornar o ato sexual mais difícil, tanto para o homem, por causa da disfunção erétil, quanto para a mulher, que perde lubrificação vaginal e libido pela ação dos hormônios. Mas se apaixonar é um incentivo para que os pacientes queiram controlar diabetes, tabagismo, sedentarismo e outros hábitos que afetam o desempenho na cama. De qualquer forma, Andrade lembra que a sexualidade vai além do ato sexual. “O amor, a conquista, o afeto: para isso, não tem idade.”

Aplicativos

O uso da internet cresce de modo mais acelerado entre os idosos do que em outras faixas etárias. De 2016 para 2022, a proporção de pessoas conectadas com 60 anos ou mais subiu mais de 150% — de 24,7% para 62,1%, segundo o IBGE.

É essa também a faixa etária que mais cresce entre os usuários do site de namoro Coroa Metade, voltado para pessoas com 40 anos ou mais. Atualmente, 28% têm mais de 60 — quase o dobro de 2013, quando eles eram 15%. Para o fundador da plataforma, Airton Gontow, o maior acesso à internet ajuda a explicar esse crescimento. Mas não só. As pessoas mais velhas estão percebendo — e assumindo — que têm carências, desejos e o direito a uma vida afetiva e sexual ativa, afirma. A faixa acima de 75 é minoria nos cadastros, mas já houve usuário até de 88 anos.

As pessoas mais velhas estão percebendo — e assumindo — que têm carências, desejos e o direito a uma vida afetiva e sexual ativa

Gontow criou o site em 2012, com base em sua própria experiência como divorciado e na de amigos que tinham dificuldade de encontrar companheiras de sua idade para relações estáveis. Até a pandemia, 56% dos cadastros era de mulheres e 44%, de homens. “Se as mulheres gostam do site, contam para cinco, dez amigas. Já os homens têm medo do que os amigos vão falar, de serem considerados ‘bananas’ por estarem em um site de namoro”, explica Gontow.

A partir de 2021, porém, a proporção de cadastrados do sexo masculino cresceu e chegou a 50%. Atualmente, eles são 48% do total. Segundo o jornalista, com o isolamento social devido à Covid, muitos homens ficaram sozinhos em casa, já que, em geral, após uma separação, os filhos e netos moram ou passam mais tempo com a mãe/avó. Sabe-se, por pesquisas, que homens lidam pior do que mulheres com a solidão — tanto por razões emocionais, de terem mais dificuldade de se abrir, quanto por terem se acostumado a depender delas para realizar os afazeres domésticos.

Independentemente do gênero, a maioria dos usuários do Coroa Metade procura pessoas da mesma faixa etária e quer um relacionamento afetivo, e não apenas sexo. Uma análise de 14.748 inscritos mostrou que, na opção sobre o que buscam no site, as respostas namoro (64%), amizade (38%), companhia (36%) e romance (27%) foram bem mais frequentes do que sexo (21%) e ficar (18%) (era possível escolher mais de um item). A plataforma contabiliza o número de casamentos entre pessoas que se conheceram por ali: ao menos 152.

Nos 12 anos de existência do site, Gontow mudou algumas concepções que tinha sobre o tema. “Eu costumava dizer que as pessoas maduras sabem o que querem. Na verdade, ninguém na vida sabe o que quer”, diz. Os anos de estrada, porém, têm seu valor. “Uma das poucas vantagens de ser maduro é saber o que você não quer. A pessoa sabe que não quer alguém que fume, que more longe, que seja muito religioso”, exemplifica.

‘Iluminar a vida’

A pandemia teve um papel definidor na decisão de Elaine D’Agostino, 68, de buscar um namorado. A cabeleireira ficou viúva aos 21, grávida de dois meses de sua filha, e não quis ter um novo relacionamento por décadas. “Nunca trouxe ninguém para dentro de casa enquanto minha filha morava comigo. Sempre tive amigos, uma vida muito ativa. Não me fazia falta”, conta.

Até que, sozinha durante o isolamento social, ela quase pirou. Decidiu que, quando acabasse a pandemia, iria procurar um namorado. Por meio de uma rede social, conheceu um homem 16 anos mais novo, com quem ficou mais de um ano. “Era super bom, tínhamos o mesmo pique. Mas eu tinha 67 e ele, 51, três anos a mais que a minha filha. Eu não me sentia bem”, diz.

Seu segundo namoro durou um mês. “Ele ficava de pijama em casa o dia inteiro. Não me deixava usar saia, não queria que eu saísse com minha filha. Terminei. Depois fiquei com um de 77 anos e descobri que estava me traindo.”

A quarta tentativa foi mais certeira: ela está há um ano com o namorado atual, de 71. “Fui eu que tomei toda a iniciativa, e ele diz que ainda bem, porque somos super apaixonados. Ele é sagitariano como eu, gosta de passear, de sair, topa tudo e eu também.”

O casal pensa em morar junto, mas por enquanto ela diz que sua rotina é corrida demais. “Uma hora eu vou parar e quero ter uma pessoa comigo dentro de casa. Mas por enquanto está ótimo. Ele vem na sexta, a gente toma vinho, liga a música na Alexa, fica conversando até as 2h da manhã. Na cama também nos damos muito bem. Eu falo que a gente dá certo em pé e deitado”, brinca.

Continuo gostando da sedução, de ir descobrindo as pessoas. Isso é bom em qualquer idade

Mãe de dois filhos e avó de três netos, Gilda Bandeira. 82, diz que o namoro na maturidade gera menos ansiedade, inclusive durante o sexo. “É mais delicado, generoso, fica mais polivalente. Só o papo já é muito instigante, sair para jantar, ir a uma galeria de arte. Não tem o frisson da juventude, mas é bem gostoso”, afirma.

Em 2018, com mais de 75, ela se tornou influencer digital ao criar, com duas amigas, o canal Avós da Razão. Nos vídeos, elas respondem a perguntas de seguidores de todas as idades e mostram uma forma de ser e se comportar que foge aos clichês sobre velhice.

A vida amorosa de Gilda está “meio de recesso” desde que ela quebrou o fêmur. Para esconder a cicatriz, a ex-figurinista fez uma tatuagem, sua segunda — a primeira, na metade raspada de sua cabeça, foi aos 80 anos. “Alguém me perguntou: para que, se ninguém vai ver? Eu disse: bom, primeiro, eu vou ver. E segundo, se me der na veneta eu vou andar de short. Não devo nada a ninguém.”

O celular ajuda a seguir flertando mesmo com a dificuldade de locomoção. “Tenho um paquera e a gente se fala quase todo dia.” Para ela, manter-se aberta a novas relações é uma forma de “iluminar a vida”. “Tenho amigas que têm preguiça, não querem mais conhecer gente nova. Já eu, não. Continuo gostando da sedução, de ir descobrindo as pessoas. Isso é bom em qualquer idade.”

Alguns haters criticam o canal e acham “ridículo” uma mulher de sua idade namorar, por exemplo. Mas na família de Gilda, a aceitação é total. Tanto que foi seu neto caçula, adolescente, que criou um perfil para a avó em um site de relacionamentos. “Eu não sabia mexer direito, ele que fez tudo. Meus netos curtem tudo, querem saber das histórias, acham engraçadíssimo.”

Ela tem vontade de se apaixonar de novo. “Ainda não aconteceu, mas tenho fé. Afinal, a gente está vivo.”