O que você aprendeu com seus avós? — Gama Revista
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Depoimento

O que você aprendeu com seus avós?

Uma lição de liberdade, uma receita para toda a vida, um conselho, um jeito de amar ou até uma contradição. Confira as lembranças que essas pessoas guardaram para sempre

21 de Julho de 2024

O que você aprendeu com seus avós?

21 de Julho de 2024
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Uma lição de liberdade, uma receita para toda a vida, um conselho, um jeito de amar ou até uma contradição. Confira as lembranças que essas pessoas guardaram para sempre

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    “Nunca deixe de estudar, não importa o que aconteça na sua vida. Estude, se você quiser ser livre de verdade”

    Valéria Almeida, jornalista e apresentadora do quadro “Bem-Estar” do programa “Encontro”

    “Eu tive uma relação de muito amor com os meus avós. Convivi com os maternos e os paternos, mas com a minha avó materna, Maria Elza, a relação foi muito especial porque os meus avós maternos me criaram quando a minha mãe morreu — eu tinha dez anos e fui criada pelos meus avós. E a minha avó sempre dizia: ‘Filha, aconteça o que acontecer na sua vida, nunca deixe de estudar. Estude, se você quiser ser livre de verdade’. E isso foi muito importante para mim. A minha avó foi uma mulher que só pôde estudar na vida adulta. Quando ela já estava casada e com as filhas criadas, foi fazer o que ela chamava de Mobral [Movimento Brasileiro de Alfabetização]. Então, eu entendia a importância de quando ela dizia: ‘Para você ser livre, filha, e ter uma vida bonita, estude’. E aí, ao longo da minha vida inteira, eu estudei. Quando chegava em casa, ainda ensinava para ela, porque era a minha forma de aprender e uma forma de ajudá-la a também avançar. Isso foi muito importante para a nossa história. A minha avó morreu em 2020, no auge da pandemia, de um câncer que descobrimos já em estágio terminal. No período em que ela ficou internada, a gente conversava bastante e um dia eu perguntei: ‘Vó, a senhora sempre quis casar e ter filhos?’. E ela falou que não, que o que queria mesmo era ser doutora, mas quando a avó dela morreu, que foi quem a criou, ela ficou morando na casa dos patrões e casar foi a chance de ter a própria vida, uma casa e uma família. ‘Mas o meu sonho mesmo era ser doutora’, contou. Foi assim que eu entendi bem o porquê dela projetar tanto em mim a independência, o estudo e a autonomia financeira. Era o sonho que ela tinha para a vida dela, mas que viu se realizar em mim. E foi bonito ver minha avó na minha formatura, depois me acompanhando na TV. Hoje, toda vez que agradeço o que eu alcancei, agradeço a minha avó, porque isso é o que separa a apresentadora, hoje na TV, da menina que nasceu e cresceu numa periferia e perdeu a mãe muito nova. Certamente, foi ter seguido o conselho da minha avó.” (depoimento a Ana Elisa Faria)

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    “Conviver com as mulheres dessa família, bisavó, vó e mãe foi fundamental para que eu me identificasse e amasse nossa tradição alimentar”

    Adriana Salay, historiadora e vice-presidente do projeto Quebrada Alimentada

    “Pode parecer clichê, mas com minha vó aprendi a gostar de ficar na cozinha. O trabalho não remunerado de cozinhar, socialmente atribuído às mulheres, fez com que ela herdasse o saber culinário da antiga Iugoslávia, que era, na verdade, da família do meu avô. Crescemos fazendo macarrão com batata ou com repolho, sopa de macarrão ralado, strudel ou bolo de nozes. O que para nós era corriqueiro, é absolutamente estranho para muita gente, como macarrão com purê de batatas. Conviver com as mulheres dessa família, bisavó, vó e mãe foi fundamental para que eu me identificasse e amasse nossa tradição alimentar.” (depoimento a Amauri Terto)

  • “Carrego comigo das coisas mais simples às mais estruturais”

    Chico Bernardes, cantor

    “Carrego comigo das coisas mais simples às mais estruturais.
    Do lado do meu pai, com minha avó, aprendi a fazer gemada, a contabilizar em pilhas as moedas de um cofrinho, cortar as unhas; mas também aprendi a saracotear por aí, não levar desaforo pra casa e fazer as coisas do meu jeito com muito orgulho. Quanto ao meu avô, aprendi e me identifiquei com seu lado malandro, bon-vivant, bem como seu senso de humor cômico ao entrar em um recinto.
    Do lado da minha mãe, aprendi com minha avó a aprimorar minha tabuada, jogar paciência, montar quebra-cabeça e a levar a vida de forma leve e calorosa, em um andar pacato. Não conheci meu avô materno, mas minha avó casou de novo antes de eu nascer, então não me deu por faltar um vô: este extremamente fofo, gentil e generoso, sempre ensinando o que a vida carrega quando abraçamos o companheirismo. Doce, não só na presença, me ensinou a amar as sobremesas que a vida oferece por aí.
    Dito isso, posso dizer que a lição que guardo até hoje está na importância dessa enorme rede de apoio que escolhemos chamar de família. Uma hora ela cuida da gente, na outra cuidamos dela. De perto ou de longe – passado, presente, ou futuro -, ela faz a gente colecionar momentos bonitos com quem nos circunda. Acho bom demais.” (depoimento a Emilly Gondim)

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    “Gostava de ficar observando sua movimentação e como ela se dedicava com gosto”

    Telma Shiraishi, chef do Aizomê e Embaixadora da Gastronomia Japonesa

    “Meu avô materno tinha uma pequena loja de artigos para casa, presentes e papelaria em São Paulo e lembro dele por gostar de juntar a família e animar as mesas grandes, carregadas de comida e bebida, com conversas e risadas.
    Minha avó materna gostava de ler e escrever versos em haikai. Tinha uma língua ferina, sempre com tiradas espirituosas. Veio dela o gosto por livros, palavras e expressões.
    Meu avô paterno também tinha uma pequena loja em Atibaia, mas era conhecido por ter sido técnico de baseball. Ele era alto e eu o admirava por sempre andar muito elegante.
    Minha avó paterna era dedicada na cozinha. Ia à sua casa e ficava admirando vários apetrechos diferentes que não existiam em outras cozinhas, imaginando para que serviriam. Ela passava noites em claro fazendo sushi, cozidos e outros pratos para as festas de família. Gostava de ficar observando sua movimentação e como ela se dedicava com gosto a preparar tantos itens trabalhosos para nos deliciar.” (depoimento a Amauri Terto)

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    “Com a minha avó aprendi que amigos vem e vão, mas a família nunca sairá de perto de você”

    Jorge de Sá, ator

    “Sou muito próximo dos meus avós. A minha avó foi uma aliada muito grande da minha mãe, fazendo com que ela tivesse liberdade para fazer os shows. [Jorge é filho da cantora Sandra de Sá]. A minha avó ficou muito comigo. Mas sempre mostrando de forma muito clara que ela era avó e minha mãe estava viajando. Ela sempre fazia questão de deixar isso claro. Para mim, o que mais me impactou do que eu aprendi com a minha avó, foi que amigos vem e vão, mas a família nunca sairá de perto de você. Na hora de valorizar, valorize a sua família. Se for para discutir, não discuta na frente das pessoas, porque vocês dois precisam estar muito conectados e harmônicos. Sua mãe pode falar mal de você, mas nenhum amiguinho ou qualquer outra pessoa pode. Nunca se esqueça que família vem sempre na frente. A sua mãe não vai embora. Seus amiguinhos, pode ser que vão. Isso ficou muito na minha cabeça como defesa, como força e como cumplicidade. Eu aprendi a ser muito cúmplice da minha família por meio dessa mensagem da minha avó. Então, hoje, eu posso ter alguma discussão com a minha esposa, mas a gente conversa sozinho, porque na frente dos outros temos que ser uma fortaleza. Os outros podem ir e voltar, mas a nossa família vai ficar. Essa é a lição que eles me ensinaram e que ficou na minha cabeça para sempre.” (depoimento a Emilly Gondim)

  • “Minha avó deixou um legado de amor, trabalho duro e sabedoria”

    Cris Guterres, jornalista e apresentadora

    “Minha avó materna, uma mineira de coração gigante, sempre foi um exemplo de força e resiliência para nossa família. Com uma sabedoria única, Dona Dainha enfrentou a vida com coragem admirável. Lembro com carinho do cheiro irresistível das delícias que ela preparava no fogão de lenha. Já depois de adulta, eu fui algumas vezes visitar minha avó e ela adorava que eu comprasse os produtos pra ela cozinhar pra mim. E eu ficava ali, horas ao pé do fogão a lenha, vendo ela cortar tudo bem pequenininho, tratar a couve com carinho e refogá-la bem fininha enquanto o quiabo dava sabor ao frango que eu amava. Uma comida repleta de afeto e tradição. Cada refeição era um abraço silencioso, um ‘eu te amo’ em forma de comida. Além de exímia cozinheira, minha avó era uma talentosa costureira. Foi ela quem me ensinou a costurar à mão e a fazer roupinhas de tricô para minhas bonecas. Com paciência, me guiava ponto a ponto, transformando fios e tecidos em pequenas obras de arte. Minha avó deixou um legado de amor, trabalho duro e sabedoria. Sua vida, marcada por sacrifícios e superações, é uma inspiração para todos nós. A cada receita que faço, sinto sua presença e ensinamentos, lembrando-me sempre de valorizar as coisas simples e preciosas da vida.” (depoimento a Flávia Mantovani)

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    “Não adiar o que é importante, como se eu fosse viver para sempre”

    Bianca Santana, jornalista, escritora, professora e militante feminista negra, é diretora-executiva da Casa Sueli Carneiro e autora de “Continuo Preta: a vida de Sueli Carneiro” e “Quando Me Descobri Negra”

    “‘A única certeza da vida é a morte’, é o que a vó Polu, mãe da minha mãe, repetia cotidianamente. Fosse para acolher quem lamentava a perda de um ente querido, fosse para lidar com a mudança de horário de uma consulta médica, lá vinha o jargão. A imprevisibilidade, tão presente na filosofia e em diferentes religiões, pautava a sertaneja analfabeta, como ela gostava de se definir. Mas não adiar o que é importante, como se eu fosse viver para sempre, tem sido para mim a camada mais valiosa do conselho da vó Polu.” (depoimento a Leonardo Neiva)

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    “Sempre foi nos meus avós o lugar onde a gente se juntava”

    Mar.iana, cantora e compositora

    “Levo a lição de junção de família. Sempre foi nos meus avós o lugar onde a gente se juntava para datas comemorativas, almoços de domingo, sempre foi um lugar de paz. Um lugar de trégua. Um lugar onde todo mundo sabia que tinha um ombro amigo e tinha alguém pra contar. Quero levar isso pra quando eu tiver a minha família. Saber que meu lar vai ser o lugar seguro deles. Isso me deixaria muito realizada.” (depoimento a Emilly Gondim)

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    “Tem jeito pra tudo, menos pra morte”

    Isa Silva, estilista

    “O mundo podia desabar, mas minha avó Licinha estava sempre plena e tranquila. Ela era uma pessoa educada, serena, que tratava todo mundo bem e nunca levantava a voz para ninguém. O maior ensinamento que ela me deixou foi esse: que tem jeito pra tudo, menos pra morte. Porque assim é mais fácil a gente resolver os problemas do nosso dia a dia. Ela era mãe da minha mãe, uma das matriarcas da família, e hoje é uma linda estrela no céu. Era maravilhosa a minha avó.” (depoimento a Flávia Mantovani)

  • “Tudo que foi bom, eu deixo guardado”

    Dona Jacira, escritora, colunista no Uol e musicista

    “Bom, eu tive contato apenas com uma bisavó, Dona Mereciana, uma mulher loiríssima que, na minha infância, não fazia a menor diferença. Porém, depois, com os estudos sobre a diáspora, muitas coisas se tornaram claras, como a separação e a identificação das coisas. Minha bisa tinha mais carinho pelos netos mais brancos do que por mim, que sou uma neta mediana. Mas por ser negra de pele clara, ela tinha um certo afeto. Eu aprendi a bordar com ela e a gente andava pela região buscando retalhos, porque ela costurava e já não enxergava muito bem. Eu li a Bíblia com minha bisa, mas não tenho boas recordações dela. Porque eu sou uma bisneta negra, e foi muito triste confrontar essa realidade que a diáspora me trouxe. Eu tinha uma visão dela quando era criança e, depois, conhecendo as histórias do matriarcado, pensei em como deve ter sido a vida dessa mulher que nasceu quase 100 anos antes da minha mãe. Passei a dar muito mais valor a ela, independentemente de ela ser branca, independente do que ela fez por nós. Eu tenho orgulho de ter sido bisneta dessa mulher. Na época nós só conhecíamos ela, foi a primeira a se arriscar a vir na casa da neta negrinha que era minha mãe. Então, eu tenho muito orgulho dela. Minha bisa furou bolhas, eu sou como ela. À tarde, ela já botava a gente para catar lenha para esquentar água para tomar banho. Minha mãe mandou fazer um forno para ela no fundo da casa para fazer biscoitos de nata. Embora ela guardasse só para os outros netos, era a gente que buscava a lenha. Como criança, não via a maldade das coisas. Minha bisa tinha suas próprias revoltas. Eu lembro que, quando a gente ia para a igreja dela, o Brasil para Cristo, principalmente nos meses de fevereiro, quando o pessoal das escolas de samba estava na ponte, eu perguntava para ela: ‘Quem são aquelas pessoas, vovó?’ Ela dizia: ‘São gente do demônio, você não deve dar ousadia para eles, senão você vai para o inferno junto com eles’. E, dentro da minha cabeça, eu pensava: ‘Eu quero ir, acho bonito’. Até hoje, penso assim: ‘Eu vou, é minha vida’. Nós éramos quase do mesmo tamanho, quando ela surgia eu achava isso muito engraçado. Tudo que foi bom, eu deixei guardado, e o resto, que não era interessante, eu só conto por contar.” (depoimento a Emilly Gondim)