Ação política: artes, humor, música, alimentação e moda — Gama Revista
E você, faz política?
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Sociedade

Político, eu?

Sim, todos nós somos agentes políticos: na vida em sociedade, nas escolhas do dia a dia ou na falta delas. Gregório Duvivier, Mahmundi, Alexandra Gurgel e outros falam sobre o tema

Bruna Bittencourt 21 de Junho de 2020
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Político, eu?

Sim, todos nós somos agentes políticos: na vida em sociedade, nas escolhas do dia a dia ou na falta delas. Gregório Duvivier, Mahmundi, Alexandra Gurgel e outros falam sobre o tema

Bruna Bittencourt 21 de Junho de 2020

Gregorio Duvivier

Ator, escritor e apresentador do Greg News (HBO)


Rindo da crise “A crise é um momento em que os humoristas estão mais ativos do que nunca. Lembro de um editorial do The New York Times, acho que o título era ‘Brasil festeja à beira do precipício’. Eles estavam chocadíssimos que iríamos ter Carnaval, mesmo na crise, devia ser 2016. É um pensamento bem gringo, de alguém que não entende. Porque, na crise, o Carnaval precisa ser maior ainda, é quando as pessoas mais precisam dele. É contraintuitivo, mas todo mundo que conhece a cultura do Carnaval entende isso perfeitamente. Acho que com o humor é parecido. As pessoas perguntam: ‘Ué, mas no meio desse pandemônio vocês vão fazer piada?’. É exatamente porque a gente está num pandemônio que precisamos fazer piada.”

Na crise, o Carnaval precisa ser maior ainda, é quando as pessoas mais precisam dele. Acho que com o humor é parecido

Os limites da piada “Acho que o humorista não tem nem menos nem mais liberdade que ninguém. Me incomoda quando ele vê na sua profissão um salvo-conduto para falar qualquer coisa, quando se esconde atrás da piada e diz ‘ah, era só uma piada’, como quem diz ‘não me levem a sério’. A piada é sua profissão e ele tem que levá-la bastante a sério. Tampouco o humorista tem menos liberdade ou precisa ser mais responsável do que os outros. Acho que os limites dele são a lei, a calúnia, a difamação, os mesmos da sociedade.”

Mahmundi

Cantora e compositora


Presença política “Existências políticas me chamam mais atenção que obras políticas. O show da Cassia Eller no Rock in Rio [2001] foi muito foda para mim. Ela era supertímida e levantou a blusa, uma presença que vem a partir de coragem. Esse poder para que as coisas aconteçam é muito político. Lembro de ver aquilo na TV, de como ela se posicionou.
Yoko Ono sempre foi uma referência, por tudo o que ela faz, Bob Marley, Fela Kuti, Nina Simone, Basquiat, Banksy. Para mim, as existências falam mais que as obras.”

Existências políticas me chamam mais atenção que obras políticas

Outros mundos “Não existe projeto de mudança na periferia do Rio de Janeiro, existe projeto de morte e de sobrevivência, que é muito pessoal: ou você vai para o tráfico de drogas ou vai trabalhar muito. Fui vender bala com meu pai. Não se tem cultura nesses lugares, a milícia faz festa na rua. Minha relação com cultura aconteceu depois dos 20 anos. Estudei na [ONG] Nós do Cinema, na Lapa. Lá, tive contato com Buster Keaton, Charlie Chaplin, com arte. Tinha 21 anos e recebia R$ 120 como bolsa para passar um mês. É um projeto muito pequeno, com pouco recurso, mas que me revelou mundos muitos diferentes.”

João Braga

Professor de história da moda e autor de diversos livros sobre o tema


À moda dos tempos “Eu entendo moda como zeitgeist, o ar dos tempos, o espírito de uma época. A moda foi o que foi e há de ser o que será de acordo com o diálogo que ela tem com todas as áreas —economia, religião, ciência, filosofia. Moda não é autorreferente. Ela, inclusive, dialoga com questões de ordem política. Para desenvolver a indústria do algodão, Napoleão Bonaparte [1769-1821], imperador da França, proibiu as mulheres que repetissem vestidos nos bailes da corte, para que comprassem mais tecido. Há inúmeros outros exemplos: a Guerra do Vietnã e a moda hippie, Chernobyl e a moda ecológica, a Queda do Muro de Berlim e a moda globalizada. No Brasil, a primeira pessoa que trabalhou o cunho político governamental pelo viés da moda foi Zuzu Angel [1921-1976], com o sumiço e morte de seu filho, Stuart. Ela usou o que sabia fazer com propriedade para fazer uma denúncia de ordem política [Em 1971, no auge do seu sucesso, a estilista fez um desfile de protesto em Nova York, após a prisão do seu filho pelo regime militar].”

Moda não é autorreferente. Ela, inclusive, dialoga com questões de ordem política

Rastreabilidade e consciência na hora de consumir “Hoje, uma palavra fundamental da moda é rastreabilidade, mais do que o valor agregado e o valor reconhecido. Você quer saber quem fez, onde foi feito, se envolveu trabalho infantil ou trabalho escravo, se houve poluição ambiental, se as empresas têm uma ação social de recuperação dessas questões da natureza. Quem, como e onde foi feito.”

Alexandra Gurgel

Criadora do canal Alexandrismos, do movimento Corpo Livre e autora de “Pare de se odiar: porque amar o próprio corpo é um ato revolucionário”

Gordofobia “Falar sobre autoestima e empoderamento é superimportante, mas, infelizmente, hoje, nada vai impedir a gordofobia, nada vai fazer com que uma mulher gorda passe na catraca do ônibus. O que a gente quer é caber nas coisas e não ter que fazer com que as coisas caibam na gente.”

O que a gente quer é caber nas coisas e não ter que fazer com que as coisas caibam na gente

Primeira onda “Os ataques de gordofóbicos que eu e outras pessoas sofremos provocaram o debate na imprensa e a gente começou a ter essa palavra normalizada. Estamos na primeira onda de um movimento que ainda tem muita coisa para acontecer. Precisamos sempre voltar nesse assunto e educar as pessoas, passo a passo. É um movimento de equidade corporal. Temos que ter os mesmos direitos e o mesmo respeito. Sinto que o que a gente pode fazer agora é continuar produzindo conteúdo, material acadêmico, entrevistas, discussões na televisão. O cenário só vai começar a mudar, de fato, quando a gente cobrar mais a publicidade e o entretenimento. Pessoas gordas podem ser vilãs, mocinhas —seu peso não tem que ser o fator principal da personagem. Assim, a gente começa a normalizar os corpos.”

David Hertz

Fundador da Gastromotiva (organização que combate o desperdício de alimentos e a fome) e cofundador da gastronomia social (movimento que defende a comida como instrumento de mudança social)


Desperdício e fome “Está expresso na nossa constituição: alimentação é um direito humano e um dever do Estado. Enquanto um terço da comida do mundo é desperdiçado, jogado fora, novas pessoas estão passando fome. Para mim, a fome e o desperdício caminham juntos. Há falta de bom senso e comprometimento em atuar. Voltamos para o Mapa da Fome [estudo realizado pela Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura], e a ONU está prevendo que teremos 50 milhões de pessoas passando fome, vítimas do desemprego e da vulnerabilidade [por conta da Covid-19].”

Alimentação é um direito humano e um dever do Estado. Enquanto um terço da comida do mundo é desperdiçado, novas pessoas estão passando fome

Gastronomia social “A política ainda não é usada para combater esse cenário. Já houve tentativas em âmbito federal com a criação de ministérios, desenvolvimento social e agrário, o próprio Conseas [Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional] era muito atuante. Hoje, há pouco espaço para um debate sobre a alimentação no ambiente político brasileiro. Existem lobbies de grandes empresas, de prestadores de serviço da merenda, mas não se chega ao fundo da questão que é levar essa comida —que eu acredito que tem que ser boa e de qualidade —para quem mais precisa. Não sou um ativista político, mas promovo e articulo o diálogo para que se tenha alguma saída colaborativa e um ativismo coletivo. E acho que a gente está chegando lá por meio da gastronomia social.”


Os videos que ilustram essa matéria são de autoria do artista Caco Neves