4
SemanaComo as cores podem afetar nosso humor
Apesar dos muitos estudos sobre sua influência na psiquê e da falta de consenso entre eles, sabe-se que a presença de mais tons na vida está diretamente associada com a vitalidade – ainda mais em tempos “cinzentos”
- @gamarevista
- arquitetura
- moda
- saúde mental
Apesar dos muitos estudos sobre sua influência na psiquê e da falta de consenso entre eles, sabe-se que a presença de mais tons na vida está diretamente associada com a vitalidade – ainda mais em tempos “cinzentos”
Eis que o mercado da moda tem mostrado que, com o avanço da vacinação e a volta da vida social, é chegada a estação das cores. Marcas perceberam uma demanda maior por roupas com estampas divertidas e tons vibrantes e a tendência tem marcado presença em coleções e passarelas de todo o globo.
MAIS SOBRE O ASSUNTO:
A ostentação é verde
Dicas para dormir melhor
Onde estará o prazer sexual?
A ideia é que a vontade acumulada nesse período meio desbotado de voltar a viver mais intensamente esteja fazendo as pessoas buscarem roupas que tragam sensação de alegria e otimismo – tem até um termo para isso na moda: “dopamine dressing”, em referência ao neurotransmissor dopamina, cuja atividade está ligada à motivação de fazer as coisas.
A estilista brasileira Chris Barros, por exemplo, lançou a coleção “Escapismo” para o verão 2022, cheia de roxos, laranjas, azuis, verdes e amarelos, entre peças com listras e flores multicoloridas. “Eu gosto de imaginar as coisas indo para um caminho melhor. Pensei nessa coleção pra trazer algo feliz, leve, de paz”, disse ela em postagem nas redes sociais.
Estudo da University of Rochester mostrou que quem está muito triste pode ter a percepção alterada e ver menos cores a seu redor
A relação das cores com nossos humores, sensações, emoções e reações é estudada há centenas de anos e já foi explorada por psicólogos, cientistas, filósofos, artistas, designers, arquitetos, estilistas, publicitários. Empresas e profissionais, de marcas de tênis a decoradores, adotam leituras simbólicas das cores ao pensar seus produtos e serviços. A presença de cores, encontradas em profusão na natureza, tem relação direta com a vitalidade – um estudo de 2015 da University of Rochester, em Nova York, por exemplo, mostrou que quem está muito triste pode ter a percepção alterada e de fato ver menos cores ao redor.
Cor é cultura. E emoção
Apesar dos muitos estudos sobre o tema, porém, não há consenso científico sobre o efeito exato das cores na psique – principalmente porque essas associações são extremamente complexas, subjetivas e, em alguma medida, individuais. A resposta emocional de alguém diante de determinada cor pode ser relacionada a fatores que vão desde experiências pessoais até fatores históricos e culturais.
“O estudo da influência da cor na psique humana é muito diverso, não tem uma referência definitiva. É um espaço de muita experimentação”, diz Blanca Lliahnne, representante da Pantone (empresa americana cujo sistema de cores é referência para indústrias diversas) no Brasil. Expert em cores, ela organiza treinamentos abordando-as do ponto de vista estético, psicodinâmico e mercadológico. “É muito interessante ver como as pessoas têm reações similares a certas cores. Dificilmente alguém fica calmo e sereno em um ambiente todo vermelho, por exemplo. Amarelo é alegre, os ‘Minions’ não são amarelos por acaso.”
O historiador francês Michel Pastoureau, estudioso do tema, é da linha que pensa que a interpretação das cores é, primeiramente, um fenômeno social – para ele, é a sociedade que dá significados às cores, e estes estão em constante transformação. Em seus livros, que se dedicam a cada cor individualmente, ele analisa a presença das cores em áreas que vão da medicina aos brasões de família, da linguagem à fabricação de tintas, para entender a evolução da interpretação com o tempo em diferentes lugares.
Já em “Psicologia das Cores: Como as cores afetam a razão e a emoção” (Olhares, 2021), a alemã Eva Heller, tida como referência no tema, vai além, unindo teorias sobre cores de diversas épocas a elementos culturais e uma pesquisa empírica em que 2 mil pessoas foram indagadas sobre suas cores preferidas e sobre que sentimento associavam a cada uma delas (aliás, grande parte das pesquisas dessa área são feitas assim).
No livro, cada cor traz uma gama de referências: o vermelho, por exemplo, pode remeter ao sangue e às condições vitais, à força e ao movimento, ao fogo e ao desejo, a antigos símbolos da nobreza e a movimentos sociais de esquerda, à agressividade e à excitação, ao perigo e ao aviso, ao diabo e ao cupido, ao amor e ao ódio. É a cor da sorte da China, do luto em partes da África, do sexo em Amsterdã.
As cores usadas falam muito do aspecto emocional da pessoa – elas revelam coisas que a gente não consegue pôr em palavras
A autora também afirma que as associações feitas a partir das cores variam de acordo com a forma com que elas estão combinadas (vermelho com amarelo e laranja tem efeito diferente do que vermelho com preto ou violeta) e com a intensidade e tom.
A pesquisa direta com as pessoas demonstrou também padrões emocionais na relação com determinadas cores. O azul, por exemplo, quase nunca é associado a emoções negativas, sendo citado como cor que remete a simpatia, harmonia, amizade e confiança. Para Heller, também associamos as cores a contextos muitos mais amplos da experiência humana – o azul é a cor do céu, que remete ao divino ou algo que é maior e de outra ordem: “Vemos o azul como a cor que pertence a todos, a cor que queremos que permaneça imutável, que tem algo de eterno”.
“As cores com certeza podem ter significados diferentes de pessoa para pessoa, de cultura para cultura. Mas existe um nível mais profundo em que dá para observar ideias que são compartilhadas. Há muitos níveis de compreensão sobre as cores”, explica a arteterapeuta Myrian Romero, fundamentada principalmente no trabalho deixado pelo psiquiatra suíço Carl Gustav Jung (1875-1961) e a também psiquiatra brasileira Nise da Silveira (1905-1999).
Romero trabalha há 30 anos com mandalas terapêuticas, em que pacientes são convidados a preencher círculos com linhas, formas e cores para trazer vislumbres de questões do inconsciente. “As cores usadas falam muito do aspecto emocional da pessoa – elas revelam coisas que a gente não consegue pôr em palavras. E é aí a gente observa padrões. Há exceções, mas é muito raro, por exemplo, alguém usar laranja e dizer que a cor a traz tristeza – ela é normalmente associada a senso de humor, motivação – ou escolher azul e dizer que a remete a tensão – é uma cor que costuma trazer aconchego, paz, afeto”, explica.
A cor que habito
A arquiteta e designer de interiores paulistana Juliana Lopes trabalha junto com a sócia Bruna Marim a abordagem “noética”, que, segunda ela, olha para além do espaço, considerando as complexidades e particularidades das pessoas que vão habitá-lo. Isso inclui a escolha de cores: antes de iniciar um projeto, ela envia questionários nos quais o cliente deve optar entre paisagens, “mood boards” e paletas para ela entender a relação da pessoa com determinadas cores.
Lopes escolhe as cores levando em conta o gosto da pessoa, claro, mas também a intenção do espaço (se é para relaxar, trabalhar, reunir os amigos), a pretensão visual (cores podem ser usadas para dar sensação de ampliação de um cômodo, por exemplo) e a vibração geral em torno da cor – segundo material produzido por ela, o amarelo, por exemplo, pode induzir o raciocínio lógico, estimular a paciência e fortalecer o convívio amistoso, mas causar agitação e ansiedade quando em excesso.
“Quando a pessoa se mostra cética em relação a essas orientações, eu faço comparações com elementos da natureza ou peço para ela se imaginar em determinado cenário com aquela cor e dizer como se sente”, diz. A arquiteta percebe que, muitas vezes, os modismos não acompanham esse raciocínio: “O efeito psíquico produzido pelas cores costuma ser desconsiderado nos currículos de arquitetura e design, nos quais focamos nos efeitos estéticos.”
Não dá pra demonizar nenhuma cor, até porque elas podem ser usadas em pequenas doses e misturadas entre si
A cor cinza, que nos últimos anos se tornou muito presente de certos estilos de decoração, por exemplo, é polêmica no mundo de quem estuda a relação das cores com o humor. No livro “A Psicologia das Cores”, a autora aponta o cinza majoritariamente como a cor das emoções sombrias, ligada ao que é inerte, vazio, solitário e hostil, e faz relações diversas com isso – o Carnaval que termina na quarta-feira de cinzas, as cinzas que sobram da morte, o humor triste comumente associado a dias cinzas. Na experiência da arteterapeuta Myryan Romero, pessoas em quadros depressivos costumam se expressar principalmente com preto e cinza.
“O cinza precisa ser usado com cautela. Mas é claro que não dá pra demonizar nenhuma cor, até porque elas podem ser usadas em pequenas doses e misturadas entre si”, explica a arquiteta Juliana Lopes.
Cores que “curam”
A chamada cromoterapia – tratamento integrativo que tem menções desde o Egito Antigo e faz parte das práticas inclusivas e complementares do SUS desde 2018 – usa a influência das cores para tratar questões do corpo físico e emocional. “Identificamos a necessidade da pessoa e usamos a vibração enérgica da cor mais adequada para harmonizar aquilo”, diz o naturopata Daniel Alan Costa, especialista em Bases de Medicina Integrativa pelo Albert Einstein e membro da World Federation Chinese Medicine Societies.
Tendemos a buscar as cores de acordo com a frequência em que ‘vibramos’: cores quentes no calor e frias e escuras no inverno
Ele trabalha com sessões de aplicação de cores com lâmpadas coloridas em conjunto com outras ferramentas, como óleos essenciais, ervas e acupuntura, além de fazer recomendações de uso de cores no dia a dia – Costa explica que nosso inconsciente tende a buscar as cores de acordo com a frequência em que a gente está “vibrando”, e que até por isso usamos mais cores quentes no calor e frias e escuras no inverno.
“Se você está cansado e desanimado, pode ser que tenha a tendência de escolher roupas de cores mais densas, como o cinza. Se, em vez disso, escolher uma cor alegre, como o laranja, pode ajudar a mudar sua energia”, diz. Ter plantas dentro de casa, prática que cresceu na pandemia, vem a calhar nesse caso, já que, na cromoterapia, o verde é uma cor “modular”, que serve tanto para acalmar quem está agitado quanto para restaurar a energia de quem está desanimado.
Independentemente em no que se acredita – ou de qual pressuposto se parte, o naturopata deixa o convite para se fazer experiências, de mudar a cor de uma parede de casa, incluir determinado tom no guarda-roupa, ou, pelo menos, observar mais os que estão ao redor.
Notar as cores da natureza é um exercício meditativo
“Apesar de estarmos entrando na primavera, nem sempre a gente percebe as flores que estão por aí. Notar as cores, principalmente na natureza, tem a ver com essa coisa contemplativa, de um estado de presença, de sair do piloto automático. É um exercício meditativo”, diz.
-
CAPA É tempo de renovar
-
1Conversas Ludmila Rattis, cientista: 'Quanto mais florestas, maior é a produtividade'
-
2Repertório O que dizem as flores?
-
3Comida e bebida Guilherme Ranieri: A Primavera das PANCs
-
4Semana Como as cores podem afetar nosso humor
-
5Bloco de notas Os achados por trás de tudo isso