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SemanaComo empreender
Quais as características de um empreendedor? Elas não necessariamente têm a ver com formação e são mais subjetivas do que parece. Gama ouviu especialistas e reuniu caminhos para quem deseja empreender
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Quais as características de um empreendedor? Elas não necessariamente têm a ver com formação e são mais subjetivas do que parece. Gama ouviu especialistas e reuniu caminhos para quem deseja empreender
Sabe aquele momento de crise pessoal ou econômica, por desemprego, queda na renda ou o convívio com aquele chefe tóxico que desagrega e torna insuportável a permanência na empresa? São nestes momentos em que muitos decidem empreender, não como um objetivo com meta e direção definidas, mas como saída para uma situação incômoda. Começa assim boa parte das histórias de insucesso de quem dá os primeiros passos no mundo do empreendedorismo. Outro erro comum é considerar que o domínio de ferramentas técnicas como conhecimento gerencial, de contabilidade ou vendas sejam suficientes para se lançar como empreendedor. Aspectos mais subjetivos que definem quem tem perfil empreendedor, ligados ao comportamento, visão de mundo e expectativas pessoais são considerados por especialistas indispensáveis em uma jornada empreendedora de sucesso.
A própria definição do que é empreendedorismo já dá dicas do peso que aspectos subjetivos a serem considerados e desenvolvidos têm na iniciativa. Robert D. Hisrich, em seu livro “Empreendedorismo”, definiu como “processo de criar algo diferente e com valor, dedicando tempo e o esforço necessários, assumindo os riscos financeiros, psicológicos e sociais correspondentes e recebendo as consequentes recompensas da satisfação econômica e pessoal”. Para Ênio Pinto, especialista no tema e gerente de relacionamento com o cliente do Sebrae, determinadas características individuais são mais importantes quando o assunto é empreender. “É uma ideia pobre, reducionista pensar que conhecer ferramentas de gestão qualificam alguém para empreender. Qualidades comportamentais são essenciais e ajudam a definir quem tem ou não um perfil empreendedor.”
É uma ideia reducionista pensar que conhecer ferramentas de gestão qualificam alguém para empreender. Qualidades comportamentais ajudam a definir quem tem ou não um perfil empreendedor
Não é à toa que uma das principais referências no mundo do empreendedorismo é um psicólogo da Universidade de Harvard, David McClelland, autor da “Teoria das necessidades adquiridas”. Ele aplicou um estudo que até hoje impacta nos programas de estímulo ao empreendedorismo ao definir as 10 características comportamentais do empreendedor (CCEs). A mais importante delas, na visão do professor do Sebrae, é a capacidade de estabelecer metas, ser focado e persegui-las. “Ele precisa permanecer aderente àquela ideia e meta estabelecidas no início do projeto. Gostar do que faz ajuda neste processo”, afirma o especialista acrescentando que na escolha da área em que vai atuar, o empreendedor comece elencando tudo o que gosta de fazer. Dentro do elencado, o segundo filtro é escolher no que tem competências. “Só depois ele deve olhar o mercado e ver se tem demanda e qual problema tem para ser resolvido.”
Curioso por natureza
Tanto na identificação de oportunidades como na gestão do empreendimento, outra competência exigida dos candidatos é a capacidade de buscar informações. “Não precisa reinventar a roda, mas olhar no detalhe pequenas mudanças em um produto ou serviço que resolvam problemas e para isto ele precisa de informação”, explica Antônio Paulo Terassovich, professor do Programa de Capacitação da Empresa em Desenvolvimento (Proced) da Fundação Instituto de Administração (FIA). “Tem de ser um sujeito perspicaz, curioso por natureza porque o trabalho de encontrar um espaço para atuar como empreendedor não é tarefa trivial.”
Absorção dos impactos, sem desvio de meta
Entre as 10 competências empreendedoras definidas por McClelland uma das mais citadas pelos consultores é a persistência, ou a resiliência, para enfrentar dificuldades ao longo da jornada. Não se trata, contudo, de resistir apenas às dificuldades financeiras e de mercado que surgem, mas às expectativas que são, em muitos momentos, frustradas. “Ele precisa absorver impactos sem permitir que os objetivos sejam alterados. Ter resistência emocional para suportar revés”, afirma Terassovich que acrescenta também a necessidade de comprometimento com a proposta. Para ele, é como comparar o comprometimento da galinha e o do porco com os ovos mexidos com bacon. “A galinha entrega os ovos e fica bem, o porco corta a própria perna. Esta é a vida do empreendedor, de compromisso e entrega total.”
Sem medos de riscos
No mercado financeiro, os investidores são divididos em perfil conservador, moderado e arrojado e não pelo volume de recursos disponível no bolso, mas pelos riscos que aceitam correr – uma característica mais ligada a questões emocionais. O mesmo ocorre no mundo do empreendedorismo, mas com um agravante: não tem a opção conservador. “Por mais que ele avalie, meça as chances de erro não dá para zerar o risco, que é inerente a quem quer empreender. Ele tem de se perguntar se está disposto a assumir este risco e gerenciá-lo quando possível”, afirma Ênio Pinto, do Sebrae.
Persuasão e capacidade de ser empático
Estas qualidades comportamentais estão diretamente ligadas ao sucesso do negócio e passam longe da ideia de que uma imagem de “cara bacana” vai ajudar o empreendedor. Para o professor da FIA ter empatia é essencial para lidar não apenas com os clientes, mas com todos os envolvidos na cadeia que dá sustentação ao negócio, incluindo sócio, fornecedor e funcionários.
Há uma diferença grande entre o que é demandado de um executivo e o que se espera do empreendedor. O executivo precisa mudar seu mindset para empreender
“Tem que saber o que todos desejam e lidar com estes públicos diferentes. Aqui tem uma diferença grande entre o que é demandado de um executivo e o que se espera do empreendedor”, explica Terassovich, acrescentando que alguns executivos, que entregam resultado embora sem qualquer empatia, contam com uma rede de proteção, com o RH resolvendo problemas de diferentes áreas e da equipe, por exemplo. “Nada disto vale para o empreendedor. Se ele não souber lidar com um fornecedor é trocado com facilidade, se não respeitar a diversidade não engaja a equipe.”
Adquirindo competências emocionais
Todas as chamadas soft skills, termo usado para definir habilidades comportamentais e competências subjetivas e emocionais de um empreendedor, que incluem também capacidade de construção de bons relacionamentos, independência e autoconfiança, podem ser forjadas por que deseja empreender. Há vários programas que fornecem ferramentas para que o candidato a se tornar empreendedor busque esta qualificação. No entanto, como destaca Terassovich, da FIA, ele precisa estar disposto a mudar o mindset – ou mentalidade. “Para muitos é difícil porque somos julgados por todos, pela família, pela sociedade, mas precisa estar disposto a isto ou nenhum coach, professor ou curso conseguirá fazer com que ele aprenda as competências de um empreendedor.” Terassovich cita como exemplo a importância de lidar com a diversidade. “Ele não pode montar uma equipe só porque gosta de alguém, que pensa ou se parece com ele. Tem de ter diversidade. No ambiente de trabalho não pode mais usar certos termos hoje considerados preconceituosos e isso é parte do negócio porque engaja a todos.”
Transição de carreiras
Esta mudança de mindset também é citada por Renato Bernhoeft, da Angatu IDH, consultoria especializada em projetos pós-carreira, como uma das principais dificuldades dos executivos que pensam em se tornar empreendedores ao se aposentar ou mesmo como uma mudança de carreira. “Os executivos, muitos saídos da classe média, não foram preparados para empreender, mas para se formar e ter um emprego. Quando se veem pensando em empreender não conseguem se desvencilhar daquela ideia de segurança, status que tinha na empresa em que atuava. Tem de entender o risco que assumirá e aceitar que vai atuar também no operacional”, comenta Bernhoeft. “Vejo isto com frequência, o executivo quer empreender mas sem mudar o seu mindset, quer ter o mesmo status e não se prepara para esta mudança ao sair do mundo corporativo.”
Empreender paralelamente ao trabalho é muito interessante porque é seguro e principalmente porque é possível ir tocando em pequena escala para ver se funciona
Para quem deseja fazer uma transição de carreiras e passar a empreender a melhor forma, na visão dos consultores é fazer pequenos testes ou uma espécie de prototipagem como define Ênio Pinto, do Sebrae. “Empreender paralelamente ao trabalho é muito interessante porque é seguro e principalmente porque aé possível ir tocando em pequena escala para ver se funciona.” O especialista alerta, contudo, que esta estratégia tem um limite. “Se a ideia der certo em algum momento o empreendimento colocará uma faca no pescoço do profissional e ele terá de escolher. Caso contrário o empreendimento morre.” Bernhoeft concorda: “sair da empresa e virar empreendedor pode ser muito radical, até porque ele precisa ter tempo para desenvolver as competências empreendedoras. Começar a jornada empreendedora em paralelo ao trabalho é sempre a melhor opção.”