3
Conversas“A meditação é a resposta”
Guru das estrelas de Hollywood e principal nome da meditação transcendental no mundo, Bob Roth é também diretor da fundação criada por David Lynch para difundir essa prática
- @gamarevista
- bem-estar
- meditação
“A meditação é a resposta”
Guru das estrelas de Hollywood e principal nome da meditação transcendental no mundo, Bob Roth é também diretor da fundação criada por David Lynch para difundir essa prática
O californiano Bob Roth, 69, medita há meio século. Mais exatamente desde o outono de 1969, quando estudava ciência política na Universidade Berkeley, perto de São Francisco, no auge do movimento hippie — bem quando a meditação budista chegou ao Ocidente com outros preceitos da cultura oriental. Bob não era hippie, não usava drogas nem sabia o que era meditar. Mas vivia estressado e ansioso com a falta de perspectivas e com os tanques que ocupavam as ruas para coibir os protestos contra a Guerra do Vietnã. Até descobrir que por trás do sorriso sereno do colega da sorveteria em que trabalhava havia a meditação.
Autor de “O Poder da Meditação Transcendental” (2018), Roth é hoje o principal nome da variedade da prática mais laica que ganhou adeptos como Oprah Winfrey, Gwyneth Paltrow e Tom Hanks — graças a David Lynch. Foi o cineasta que criou, em 2005, uma fundação para difundir a meditação e convidou o professor com três décadas de experiência para dirigir a empreitada. A entidade já ofereceu a prática gratuita para mais de um milhão de crianças, além de veteranos de guerra e médicos e enfermeiros no front contra o Covid-19. E banca estudos em parceria com universidades de renome.
O foco agora é encontrar na ciência o respaldo para democratizar o acesso à meditação. “A situação no mundo é tão grave em relação a estresse, trauma, que precisamos achar novas possibilidades de intervenção médica para lidar com tudo isso e não virá de uma pílula mágica.” A resposta estaria na meditação. “Por isso ela deve ser difundida.”
-
G |Por que a meditação está vivendo esse boom atual?
Bob Roth |Estamos passando pela “tempestade perfeita”. O problema do estresse nunca foi tão grave no mundo e sua trajetória não está diminuindo, ao contrário: crianças, adolescentes, adultos e idosos, todos vivemos uma pandemia de ansiedade e estresse tóxico. Décadas atrás alguém diria: pare de reclamar! Hoje temos uma noção melhor do que é o estresse, a ansiedade. Sabemos o que ocorre no corpo e no cérebro – e é algo muito destrutivo. Mas a medicina moderna não inventou uma pílula mágica. Alguns remédios podem mascará-lo, encobri-lo, mas nenhum alcança esse tumor interno de estresse que está lá no fundo de cada um de nós. Hoje, há tantas pesquisas sobre a meditação acontecendo e resultados surgindo que mesmo os mais céticos concordam que, OK, tem algo aí. E como a indústria farmacêutica não deu conta do problema, eles procuram a meditação. E eu creio que a meditação é a resposta.
-
G |Essa procura tem a ver com o approach laico de práticas como o mindfulness?
BR |Sim. Mas é importante frisar que a meditação transcende a religião, está além de qualquer filosofia ou sistema de crenças. A situação no mundo é tão grave em relação a estresse, trauma, altos índices de suicídio e violência doméstica, estresse pós-traumático… precisamos achar novas possibilidades de intervenção médica para lidar com tudo isso e isso não virá de uma pílula mágica. Mas sim quando conseguirmos acordar o potencial ilimitado da mente. Por isso busco despir a meditação de qualquer afetação que possa afastar quem precisa. Digamos que uma pessoa tem ansiedade aguda e não quer passar o resto da vida tomando medicamentos; ela cogita meditar, mas conclui que não, tem esse tom religioso… não é justo que ela tenha de decidir entre adotar uma religiosidade e ficar só nos remédios. Tem uma verdade central nas práticas de meditação. E vivemos numa era em que é possível identificar essa verdade e tornar a meditação disponível para mais gente. Ela deve ser difundida. Democratizada.
-
G |O Global Wellness Report de 2019 diz que a meditação é a nova queridinha da indústria do wellness e que a tendência é ter cada vez mais “meditações”. O que pensa disso?
BR |É um fenômeno interessante. Muitas pessoas ainda reduzem a meditação a uma coisa só, dizem: “ah, tentei limpar minha mente de qualquer pensamento, mas não consegui, então não sei meditar”. O que digo é: as meditações não são iguais. Até uns 15 anos atrás se pensava que não importava o que você fizesse naqueles quinze minutos, se você ouvisse música, fizesse meditação zen ou cantasse mantras – tudo era “meditação”. Mas isso não é verdade. Pesquisas mostram que tais experiências impactam o cérebro de forma diferente. A música clássica nos influencia de forma distinta do heavy metal. Uma comédia romântica tem um efeito no cérebro; se você assistir aos filmes do David Lynch, o efeito será outro (risos).
-
G | A meditação tem ganhado apps, chegou até a salões de beleza. Há uma banalização?
BR |É uma porta de entrada para a meditação. Como quando se tem medo da água e se molha só os dedos. Se você baixa um app que te ensina a respirar fundo… é positivo. Negativo é a pessoa achar que isso é meditação e ponto. Porque não é: é apenas arranhar a superfície. Eu vejo gente que usa um negócio desse e me procura perguntando o que há além. E então vão atrás, aprendem mais. Há cinco anos isso não existia. Faz só dois anos que as pessoas começaram a falar mais de mindfulness. Agora tem meditação em salão de beleza. OK. Nos próximos anos a ciência terá uma resposta clara sobre o que ajuda, funciona ou não. Quando se contrai um vírus, não se toma qualquer coisa, se procura um remédio cujo efeito é cientificamente comprovado. Com o estresse será a mesma coisa. Agora está tudo misturado. É bom estar atento. Há marqueteiros experientes, sobretudo nas empresas em busca de lucro com esses apps e tal, que dizem: “é comprovado que a meditação traz tal e tal benefício”, mas de que meditação estão falando? Houve pesquisas sobre esse app especificamente ou estão cooptando a coisa toda? O problema é sério, precisamos enfrentá-lo de forma séria.
-
G |E como a meditação pode ajudar?
BR |Eu gosto de usar uma analogia. Você está num barquinho no meio do oceano e encontra ondas gigantes, de dez metros. E pensa, com razão: o oceano todo está agitado. Mas se fizer um corte transversal, verá que as ondas não são nada perto dos milhares de metros de profundidade do oceano. Se a natureza da superfície do mar é turbulenta, a de sua profundidade é silenciosa. Então as ondas são como a mente ativa, o pensamento. Alguns chamam de “mente do macaco”, eu digo que é a mente do “eu tenho que, eu tenho que, eu tenho que”. Eu tenho que terminar isso e aquilo, eu tenho que cumprir esse deadline, eu tenho que fazer as compras… Quando a mente está preenchida com um milhão de ruídos, é um desejo natural dizer: eu gostaria de um pouco de calma interior, de clareza interior, de foco interior. Mas existe um “interior”? E como chego lá? É onde entra a meditação. Por milhares de anos ela tem trazido felicidade, tranquilidade, foco à mente das pessoas.
-
G |O que a ciência diz sobre os efeitos da meditação?
BR |Primeiro, existe o cortisol, o hormônio do estresse, algo que o corpo produz quando percebe uma ameaça. Aprendemos a produzi-lo 200 mil anos atrás nas savanas, para poder correr e fugir de predadores. Mas devia ser algo que sentimos por alguns minutos algumas vezes na vida. Não o tempo todo! Hoje vemos esse desastre, aquele desastre, notícias sem parar, ameaças, preocupações… o corpo produz cortisol o tempo todo, o que diminui a imunidade. Em meia hora de meditação transcendental, os níveis de cortisol baixam até 40%. Há também incremento em serotonina, que é o hormônio da felicidade. Mas veja, há meditações e meditações.
-
G |Quais são essas diferenças?
BR |Pegue os apps como Calm, Headspace, Muse, o fenômeno do mindfulness, a vipassana, a meditação transcendental – tudo o que se diz meditação: do ponto de vista da pesquisa, do impacto que gera no cérebro, há três tipos apenas. O primeiro é a “atenção focada”, que versa assim: o que perturba a mente? Pensamentos. Então minimize seus pensamentos e você terá um mente calma. Eu gosto de usar a analogia do oceano para explicar os tipos de meditação. O que perturba um oceano? Ondas — então é preciso acabar com as ondas. Mas o oceano não funciona assim! É algo muito difícil de fazer. Esse tipo de meditação produz ondas gama no cérebro, 20 a 50 ciclos por segundo, que é quando seu cérebro está trabalhando duro. Então é difícil de fazer. O segundo tipo é chamado “monitoramento aberto”, o que inclui o mindfulness (ou atenção plena). Aqui o lema é: fique no presente. Se há cinco anos John te fez mal e hoje ele lhe vem à cabeça, não pense em cinco anos atrás: observe de forma desapaixonada seus pensamentos, sentimentos, comportamento. Daí tem o “mindful walking”, o “mindful talking”, o “mindful eating”, o “mindful negotiating”… Quando você faz isso, seu cérebro produz onda tetha, quatro a oito ciclos por segundo. Essa é uma mente que está pensando profundamente sobre algo. As ondas são menos violentas. Mas você chegou no fundo do oceano? Não. Esses dois approaches cognitivos — tem a ver, na analogia, com parar as ondas, ignorar as ondas. O terceiro tipo de meditação foca na “autotranscendência”, e inclui a meditação transcendental.
-
G |O que a meditação transcendental tem de especial?
BR |Ela aceita que haja ondas na superfície, pensamentos no cérebro. Mas reconhece que existe uma dimensão vertical à mente. Uma camada mais profunda, do âmbito da intuição. A hipótese é: ir ainda mais fundo. Agora mesmo, existe um lugar onde nossa mente já está completamente estabilizada, em paz. Seu “eu” quieto e acordado. Não precisamos acreditar nele, vê-lo, ele está lá, só não conseguimos acessá-lo. A meditação transcendental é uma técnica simples, natural, que nos permite deixar a superfície agitada do oceano, nossa mente ativa cheia de pensamentos, e alcançar níveis mais calmos e profundos da mente. Quando fazemos isso, diminuímos os níveis de estresse e mudamos completamente a atividade elétrica do cérebro. É quando sua mente está profundamente relaxada, consciente. Mas ainda há muito o que ser pesquisado pela ciência. Como as meditações são diferentes e por quê – essa será a nova área de estudos no futuro.
-
G |Você ensinou meditação para gente famosa, como Oprah Winfrey, Gwyneth Paltrow, Tom Hanks. O que explica esse interesse?
BR |David Lynch é uma pessoa muito famosa. E ele fala muito de meditação transcendental. Então alguém conhece alguém no meio que conhece a Laura Dern, que diz pro David, que então diz: fale com o Bob. Eu sou o Bob (risos). E eu ensino meditação para eles. Jerry Seinfeld, Hugh Jackman, são adoráveis. E nos ajudam a arrecadar fundos com shows beneficentes para que possamos ensinar meditação de graça a quem precisa. E o fazem porque querem, nós não pedimos. Mas eles não são o foco da prática. Já ensinei umas 50 pessoas desse tipo. E já ensinei mais de dez mil pessoas comuns! Vai soar como um clichê, mas os famosos são exatamente como o resto de nós. Não é porque você tem um monte de dinheiro que conseguiu curar os traumas de infância. Ser conhecido por milhões de pessoas não tira sua insônia, suas preocupações, não te faz imune aos problemas da vida. Você tem dinheiro, OK, mas quantas pílulas para dormir você pode tomar?
-
G |Como começou sua relação com a meditação?
BR |Eu queria mudar o mundo (risos). Trabalhei para a campanha do Bobby Kennedy quando estava no ensino médio, eu o vi discursando quatro dias antes de ele ser assassinado. Isso me devastou. Eu queria virar senador como ele, porque o jeito de mudar o mundo é mudar as leis, certo? Mas foi traumático ver tanta violência. Entrei na faculdade Berkeley em 1968 e não demorei a descobrir que a política não ia curar a alma da nação. Meses depois, aprendi a meditar. Por causa do estresse. Eu trabalhava em tempo integral, estudava em tempo integral, e estava no meio de tudo, das manifestações, da Guerra do Vietnã, do movimento hippie. Havia tanques nas ruas por causa dos motins. Eu era muito estressado, tremendamente ansioso. E esse amigo fazia esse negócio chamado meditação transcendental. Não era nem uma palavra no meu vocabulário! Mas havia algo especial nele: ele era um cara normal, calmo, sereno. Eu era cético. Ele deixou cair uma caneta no chão e disse: você não precisa acreditar na gravidade pra que essa caneta caia. Você não precisa acreditar que todos temos esse campo de silêncio e calma dentro da gente para poder acessá-lo. Então pensei: vou tentar e se não gostar eu caio fora dez segundos depois.
-
G |E como foi?
BR |Foi uma experiência tão real, tranquilizante, poderosa, que na hora eu pensei: essa é a ferramenta que eu quero ensinar para as crianças. Porque alguém pode ter a melhor educação, acesso a um sistema de saúde, uma boa casa… se tiver um trauma, será preciso ferramentas para lidar com isso, criar resiliência, desenvolver seu potencial. Acabei desistindo da política, mas sempre fui um idealista. Por que não oferecer às crianças ferramentas para fortalecê-las no futuro, para empoderá-las, permitindo que navegassem nesse mundo tão cruel, estressante, injusto? Depois eu estudei com Maharishi, que trouxe a meditação transcendental pro Ocidente. O curioso é que, 50 anos depois, estou à frente de uma fundação cujo objetivo é democratizar o acesso à essa ferramenta. E não apenas às pessoas que amam o budismo, ou se interessam pelo pensamento hinduísta, não: ela deve ser para todos. E isso não limita o lado espiritual – eu defino espiritualidade como acordar os valores mais profundos da compaixão humana. Da criatividade humana, da inovação humana, da inteligência humana. O foco é no humano. E é isso que uma prática de meditação bem feita pode trazer.
-
G |Mas a meditação pode ser algo caro…
BR |Infelizmente a meditação transcendental não é uma meditação de massa. Não é algo que se aprende apenas lendo um livro ou com um app. É algo ensinado por um ser humano diretamente para o outro. Quando chegamos numa escola com mil crianças, eu levo 50 instrutores. Cada criança aprende a meditar da mesma forma que um executivo rico de empresa aprende. Mas são mais de 35 horas de instrução num ano. Quando a pessoa paga pela meditação transcendental, ela paga pelo tempo do professor. Mas essa ainda não é uma situação satisfatória. Por isso a fundação tem conduzido pesquisa de ponta em parceria com universidades – para que a meditação possa ser coberta por planos de saúde, sistemas públicos de saúde, empregadores e empresas, como a terapia. Por isso precisamos de resultados sólidos. Como acontece com uma nova vacina ou um novo remédio, é preciso comprovar que funciona. Nossa estratégia é essa: nos centros de meditação as pessoas pagam o preço justo para que os professores vivam bem; na fundação, quem não pode pagar faz de graça. E com pesquisas sólidas, mais gente poderá aprender. E isso já nos próximos anos.
-
G |A atual crise pandêmica tem levado as pessoas a picos de estresse, ansiedade, falta de perspectiva, medo. É quando mais precisamos de meditação?
BR |Com certeza. Eu creio que vivemos um ponto de inflexão. A partir de agora, não voltaremos atrás. Mesmo que uma vacina surja, as consequências do que está acontecendo servirão como um chamado para que despertemos. As pessoas vão começar a prestar atenção ao que importa. Antigamente, quando se pensava em saúde, se pensava do pescoço para baixo. O que eu como, como me exercito… mas temos esse órgão de um quilo e meio na cabeça que dirige todo o show! A meditação lida com isso diretamente. Creio que era o componente que faltava na nossa caixinha de ferramentas para vida resiliente e feliz.
-
G |Qual seu conselho para quem quer começar a meditar amanhã?
BR |Eduque-se. Leve isso a sério. Quando se tem uma boa ideia, é preciso convicção e persistência. Convicção é acreditar em algo profundamente. Mas isso não basta, é preciso ter essa convicção ao longo do tempo, isso é persistência. Persista. Meditar, cuidar de si de qualquer forma, não é mais um luxo, é uma ferramenta fundamental para vida.