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ReportagemColapso climático: a culpa é de quem?
Sim, todos somos responsáveis pelo que acontece no planeta, mas ninguém precisa carregar um peso excessivo nas costas. Para especialistas, os problemas ambientais exigem soluções coletivas e políticas públicas
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Colapso climático: a culpa é de quem?
Sim, todos somos responsáveis pelo que acontece no planeta, mas ninguém precisa carregar um peso excessivo nas costas. Para especialistas, os problemas ambientais exigem soluções coletivas e políticas públicas
O sentimento de responsabilização por atitudes que causam danos a alguém está aí há séculos — a culpa católica que o diga. Mas, nos últimos tempos, um remorso específico, relacionado ao colapso climático, vem pesando nas costas de muita gente, resultando na chamada ecoansiedade, o medo crônico da ruína ambiental.
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Há quem se pergunte sobre a eticidade de ter filhos em um planeta cada vez mais quente, seco e devastado. Outros se julgam pelo consumo da carne ou pelas blusinhas compradas em redes de fast fashion, setores da economia conhecidos por impactarem negativamente o meio ambiente. Culpas como essas têm se tornado uma constante contemporânea, mas será que estamos direcionando a culpabilidade da maneira certa ou para o alvo correto?
A cada dia, a sociedade fica mais consciente dos efeitos dramáticos das mudanças climáticas. Reportagens sobre desastres naturais, aumento da temperatura global, desmatamento e a perda de biodiversidade não saem das manchetes, viraram notinhas rotineiras comuns.
Com esse cenário à vista, as atitudes individuais são questionadas e, muitas vezes, cobradas como se a solução estivesse apenas nas pequenas ações de cada um. O trabalho de formiguinha é, sim, importante, no entanto, especialistas defendem que a culpa sentiad pelos indivíduos não deve ser o foco da discussão.
A culpa olha pouco para as causas e para as consequências e procura somente encontrar um culpado
De acordo com André Carvalhal, escritor e especialista em design para sustentabilidade, as obrigações de cada parte vivem em guerra. “Existe uma tentativa de transferir a responsabilidade das empresas para as pessoas, com campanhas para que a gente recicle o lixo ou tome banhos rápidos, como se apenas essas ações fossem resolver o problema. Por outro lado, alguns se eximem completamente, alegando que a culpa é toda da indústria. No meio disso, perdemos a chance de promover mudanças reais.”
Carvalhal frisa que, embora os comportamentos individuais tenham um impacto limitado, eles são o ponto de partida para as transformações coletivas. E destaca ainda que a culpa está enraizada na sociedade brasileira, o que acaba se refletindo em todas as áreas, como a ambiental. “A culpa é muito contraproducente, porque ela olha pouco para as causas e para as consequências e procura somente encontrar um culpado”, diz.
Essas sensações de impotência, pesar e arrependimento são capazes de gerar uma carga emocional imensa. Alexandre Patricio de Almeida, psicanalista e criador do podcast “Psicanálise de Boteco”, explica que o excesso de notícias negativas e apocalípticas sobre o futuro do planeta intensifica a ansiedade e o sentimento de culpa por tudo o que está acontecendo.
“Mas essa culpa também pode se transformar em algo patológico, paralisante, que impede qualquer ação. A responsabilidade tem a ver com a maturidade e o senso de comunidade, já a culpa excessiva nos bloqueia”, comenta.
A culpa atinge especialmente as gerações mais novas, que herdam um mundo em crise. Segundo a jornalista Afra Balazina, diretora de mobilização da SOS Mata Atlântica, a ecoansiedade tem crescido bastante entre os jovens, grupo que mais vai sentir na pele os resultados das mudanças climáticas.
Recentemente, alguns pacientes adolescentes dividiram com Almeida uma “angústia gigantesca” após a leitura de uma notícia que, em um primeiro momento, viralizou de maneira tendenciosa e sensacionalista: um estudo da Nasa apontou que o Brasil estaria inabitável em cinco décadas.
“Eles colapsaram e ficaram muito angustiados, diziam: ‘A gente vai ter que ir embora’; ‘Vou ter que procurar outro lugar para viver’; ‘Como vou construir minha família aqui, como vou estudar, terminar a faculdade, sendo que nem sei se esse país vai existir daqui a 50 anos?’”, relata.
O psicanalista cita que uma das maneiras comuns de encarar a problemática é a paralisação, quando o sujeito fica deprimido e sem força de vontade para sonhar e cogitar novas possibilidades de futuro. Outra forma comportamental usual é o oposto dessa inércia, a defesa maníaca, em que a pessoa se joga na vida como se não houvesse amanhã — e talvez não haja mesmo — e sai gastando dinheiro, bebendo todas, agindo sem pensar.
Ambas são formas de pensamento imaturas, avalia. “Tanto a paralisação devido a ideias como ‘Sou culpado, se eu comer um hambúrguer, estou destruindo o mundo’ quanto às crises maníacas são extremos sem equilíbrio.” O meio-termo, indica Almeida, é se colocar como um cidadão implicado, envolvido, mas fazendo o que pode dentro das próprias limitações.
Eu versus o mundo
A discussão sobre responsabilidade individual versus responsabilidade coletiva é fundamental para a saída da espiral culposa. Para Carvalhal, em vez de focar nesse sentimento, é essencial buscarmos conhecimento para que possamos compreender as implicações das nossas atitudes.
“É preciso entender o impacto no coletivo daquilo que fazemos individualmente e, a partir daí, transformar a culpa negativa em responsabilidade positiva. Impactando, por exemplo, em mudanças estruturais, como votar de forma correta e participar da criação de movimentos de expansão de consciência”, sugere.
Em resumo: as boas ações de cada pessoa são valorosas, mas as mudanças de fato significativas virão da transformação estrutural e política. Alexandre Patricio de Almeida reforça a importância de não sobrecarregarmos os indivíduos com uma responsabilidade que deve ser de todos.
“Não se trata de negação nem de não se colocar no problema, mas acabamos tomando para nós uma responsabilidade que deveria ser compartilhada, coletiva. Quem detém o poder, como os bilionários e os governantes que fazem as políticas públicas, deveriam se implicar também, se preocupar com as próximas gerações, e não tanto com o lucro individual”, fala Almeida.
Ponto de equilíbrio
Balazina, da SOS Mata Atlântica, conta que a chave para a mudança está em encontrar um equilíbrio. “Não precisa parar completamente de comer carne ou boicotar as marcas de fast fashion — até porque, para algumas pessoas, essas lojas são as únicas possibilidades acessíveis —, mas é necessário tomar decisões conscientes.”
Conforme a jornalista, não se trata de apontar para as pessoas e culpá-las pelas escolhas que fazem, mas de incentivá-las a se atentar ao que consomem e a consumir apenas o essencial, além de pressionar quem tem o poder de fazer mudanças maiores, como empresas e governos.
“A gente tenta trabalhar a questão da consciência para fazer com que as pessoas virem ativistas dentro das suas próprias comunidades e, assim, possam cobrar de quem tem poder e de quem causa mais destruição”, afirma ela.
A saída para todo esse problema, segundo os especialistas, está em entender que a transformação passa por ações coletivas, engajamento social e políticas públicas que limitem os danos ambientais e forcem os grandes causadores do colapso do clima a agir de forma mais sustentável e imediata. É necessário, portanto, um movimento de todos os lados — cidadãos, governos e empresas — para que o fardo não pese somente sobre os ombros do indivíduo comum.
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