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ReportagemEntenda a relação entre a sua comida e a crise climática
A comida que colocamos no prato tem tudo a ver com a crise climática. Aprenda a fazer escolhas mais sustentáveis do ponto de vista da saúde e do meio ambiente
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Entenda a relação entre a sua comida e a crise climática
A comida que colocamos no prato tem tudo a ver com a crise climática. Aprenda a fazer escolhas mais sustentáveis do ponto de vista da saúde e do meio ambiente
Reciclar lixo, tomar banhos curtos, reduzir o uso de plástico, trocar o carro por transporte público: hábitos como esses já estão cristalizados no senso comum como recomendações para adotar um estilo de vida mais sustentável. Mas quem quer contribuir com seu grão de areia para reduzir o impacto ambiental deveria olhar também para o que coloca no prato.
Um terço dos gases de efeito estufa emitidos pela humanidade está ligado à alimentação, segundo estudos publicados na revista científica “Nature” e chancelados pela ONU (Organização das Nações Unidas) — o que inclui sistemas de cultivo e criação de animais, transporte e produção de lixo, entre outros fatores.
Um terço dos gases de efeito estufa emitidos pela humanidade está ligado à alimentação
“Fala-se muito da emissão de gases de efeito estufa por indústrias, meios de transporte, lavar calçada, deixar a torneira aberta. Mas o impacto ambiental relacionado com a alimentação é muito maior. É claro que temos que nos preocupar com todas as esferas, mas precisamos urgentemente de políticas públicas relacionadas aos sistemas alimentares”, diz a nutricionista Bruna Nascimento, especialista sênior em políticas alimentares do Programa Alimentação Consciente Brasil, ligado à organização global Mercy For Animals.
O outro lado dessa constatação é que mudar a forma como produzimos e consumimos alimentos traz um grande potencial de transformação. “A comida é a alavanca mais forte para otimizar a saúde humana e a sustentabilidade ambiental na Terra. No entanto, a comida atualmente ameaça tanto as pessoas como o planeta”, afirma o relatório da EAT-Lancet, comissão com 37 cientistas de 16 países que criou a “dieta da saúde planetária”, baseada em evidências.
Segundo pesquisadores, as mudanças passam por adotar uma dieta benéfica para o corpo humano, mas vão além disso. “A ideia de alimentação saudável tem que estar relacionada à sustentabilidade. Não existe bem-estar se o modelo de alimentação for ‘saudável’, mas nos mantiver na crise climática que vivemos”, defende Nascimento.
A ideia de alimentação saudável tem que estar relacionada à sustentabilidade. Não existe bem-estar se o modelo de alimentação for ‘saudável’, mas nos mantiver na crise climática que vivemos
A boa notícia é que, em geral, um benefício puxa o outro. Segundo uma pesquisa britânica de 2022, 75% dos estudos que avaliam a eficácia de “dietas sustentáveis” mostram múltiplas vantagens para a saúde e para o meio ambiente. Por esse raciocínio, a célebre frase “Você é o que você come”, que enfatiza o impacto da nossa alimentação sobre a saúde, deveria ser ampliada para “O planeta é o que comemos”.
A questão é: o que é uma dieta sustentável? Gama consultou estudos e entrevistou especialistas para entender que tipo de alimentação ajuda a mitigar o impacto sobre as mudanças climáticas. A resposta passa por diferentes recomendações, que podem ser adotadas de acordo com as possibilidades de cada um.
“Não sou adepta de radicalismos. O que a gente puder evitar já ajuda. O que temos que nos perguntar é: O que nosso alimento alimenta? Que relações estão por trás do que comemos?”, diz Francine Xavier, diretora do Instituto Comida do Amanhã, um think tank que se propõe a apoiar a transição para sistemas alimentares saudáveis e sustentáveis.
Todas as fontes consultadas ressaltaram que, apesar de atitudes individuais fazerem diferença, não dá para desconsiderar que existe um contexto estrutural, relacionado à dinâmica dos sistemas alimentares e às desigualdades de acesso à comida, que limita a capacidade de escolha e torna esse problema uma questão coletiva.
“Temos que valorizar nossa capacidade de mudança, mas precisamos entender que há limitações. Nossos hábitos não são apenas fruto de nossos desejos. Eles são moldados pelas oportunidades que temos, pelas possibilidade de cozinhar ou dividir as tarefas domésticas, pelos recortes de raça, gênero, classe, região geográfica”, afirma a nutricionista Beatriz Gouveia, integrante da Aliança pela Alimentação Adequada e Saudável e pesquisadora do Núcleo de Alimentação e Nutrição em Políticas Públicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. “É uma questão coletiva, que precisa de políticas públicas para que a possibilidade de escolher alimentos saudáveis e sustentáveis seja para todos.”
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Reduza o consumo de carne vermelha e de produtos de origem animal
Não tem jeito. É preciso restringir o consumo de carne, especialmente bovina. Um estudo da USP concluiu que, dentro da dieta brasileira, a carne contribui com 86% da pegada de carbono, 90% do uso da terra, 77% da poluição de corpos d’água associados à produção de alimentos e 26% do uso da água.
A pecuária ocupa mais de 70% das terras aráveis do planeta, tanto para áreas extensivas de pastagens quanto para produzir milho, soja e outras commodities usadas como ração animal. Outro problema é a liberação de metano, outro gás causador de efeito estufa — é o famoso efeito do arroto e da flatulência das vacas.
Segundo a dieta da saúde planetária da EAT-Lancet, a humanidade deveria reduzir o consumo de carne vermelha em 50% até 2050, enquanto duplica o consumo de frutas, vegetais, nozes e legumes.
Então deveríamos todos virar veganos? Não necessariamente. Embora a dieta sem nenhum produto de origem animal seja de fato a mais benéfica para o clima, a redução do consumo de carne no geral e a troca da carne vermelha por outros tipos de proteína já é um passo importante.
Um estudo da Universidade de Stanford dá o exemplo da escolha da carne moída que compõe um hambúrguer: se for bovina, a pegada de carbono será 8 a 10 vezes menor do que a de frango e 20 vezes maior do que a de um hambúrguer vegetariano.
Segundo uma escala do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas), que mede o poder de mitigação climática de oito tipos de dieta, a flexitariana (com uma quantidade limitada de carne e produtos animais) é a terceira melhor, depois da vegana e da vegetariana. Por esse critério, a dieta mediterrânea, muito associada à saúde corporal, fica em último.
A advogada Cibelle Swenson, 41, parou de comer carne no começo deste ano. “Comecei a refletir sobre o quanto precisa de pasto para tanto boi, o gás carbônico que está sendo produzido”, diz. Não foi fácil. “Sempre fui uma pessoa muito carnívora. Comia até carne crua, steak tartar. Achava que não conseguiria parar de comer”, conta.
Um dia, depois de ver uma série documental sobre o tema, parou de vez. “Desde então não consigo por um frango, uma carne de vaca, de porco, na boca. Só como peixe, e mesmo assim tento comprar aqueles que são de mar, e não de cativeiro”, diz. A advogada buscou recomendações de onde comprar peixes que não foram criados em cativeiro e cortou salmão e tilápia da lista de compras, por serem espécies comumente criadas dessa maneira. Também parou de tomar leite, mas não conseguiu tirar o queijo nem os ovos da dieta. Para minimizar o impacto, sempre que possível ela compra esses alimentos de pequenos produtores. Em sua casa, as frutas e verduras vêm de cestas orgânicas. “Tento saber de onde vem a comida. Quanto mais fresca, melhor.”
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Diversifique seu prato e saia da monotonia alimentar
Seis produtos (arroz, trigo, milho, batata, soja e cana-de-açúcar) respondem por mais de 75% das calorias vegetais disponíveis no mundo. Isso é ruim não só para o paladar e a saúde, pela pouca diversidade de nutrientes, mas também para o planeta. “Essa monotonia dos cultivos dificulta a regeneração do solo, a resistência a pragas, exige a utilização de muitos agrotóxicos, do desmatamento para monocultura”, diz Xavier, do Comida do Amanhã.
Elá dá o exemplo do desconhecimento em relação às frutas nativas da mata atlântica — bioma onde vivem 7 em cada 10 brasileiros. “O cambucá, por exemplo, uma ‘prima’ da jabuticaba. Cresci em uma casa onde tinha, hoje você não encontra mais, e estamos no bioma dela”, diz Xavier.
Vale, então, sair do automático e variar o que você coloca no prato: comer tipos diferentes de feijão, de arroz, de legumes, verduras e frutas.
A busca pela diversidade alimentar costuma levar ao consumo de produtos cultivados em sistemas de agricultura familiar, permacultura ou agroflorestas — o que também é recomendado para quem quer comer com consciência ambiental. “A agricultura familiar produz alimentos mais diversificados. Muitos usam sementes de espécies nativas, o que ajuda na manutenção a biodiversidade local”, diz Nascimento.
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Saiba de onde vem o que você come (e prefira produtos locais)
Conhecer de onde vem o alimento que comemos é outra dica, que por sua vez permite optar, sempre que possível, por aqueles produzidos localmente. Uma das vantagens mais óbvias desse hábito é a redução da pegada de carbono gerada no transporte e no armazenamento. Mas há também outros efeitos interessantes: comprar do produtor local permite que ele permaneça naquela terra e incentiva a maior diversidade alimentar. “Temos que nos descolar daquela visão que acabamos tendo nas grandes cidades de que alimentos nascem no supermercado. Ficar mais perto de quem produz é uma oportunidade de criarmos outra relação com a nossa comida”, diz Xavier. Uma das possibilidades, disponível inclusive em grandes metrópoles, é pedir delivery de cestas de vegetais diretamente do agricultor ou de cooperativas agrícolas, evitando, assim, os atravessadores no processo.
Beatriz Gouveia acrescenta outro ponto: com o encurtamento da distância entre produtor e consumidor, a tendência é que haja menos desperdício no processo de distribuição, transporte e comercialização. “Se o alimento vem de um local mais distante, a chance de ocorrer perda é maior. Além disso, os grandes supermercados muitas vezes têm um padrão que não aceita o alimento que não é bonito, mesmo estando bom para o consumo”, acrescenta.
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Evite ultraprocessados
Além de fazer bem à saúde, restringir os produtos ultraprocessados é outra recomendação ambientalmente responsável. Isso porque muitos deles têm, em sua lista de ingredientes, subprodutos do milho e da soja, produzidos no sistema de monocultura. Além disso, por serem geralmente mais baratos e terem aditivos que “viciam” o paladar, eles costumam entrar no lugar de alimentos que fazem parte culturalmente da dieta nacional: feijão, inhame, mandioca e por aí vai.
Os produtos industrializados e com alto grau de processamento têm apelo inclusive para veganos e vegetarianos. “É importante que sejamos guiados por referências confiáveis. Muitos produtos ‘plant based’ (baseados em plantas) se colocam como sustentáveis ou ecológicos, mas são ultraprocessados e prejudiciais à saúde e ao meio ambiente”, alerta Beatriz Gouveia.
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Leia o rótulo com a lente da sustentabilidade
O brasileiro está mais habituado a ler rótulos, mas geralmente o faz buscando a composição nutricional dos alimentos. Isso é importante, é claro, mas vale fazer essa análise também sob a ótica da sustentabilidade. Saber o local onde foi produzido permite optar por produtos regionais, por exemplo. Pela lista de ingredientes, dá para saber se o produto tem leite ou outros derivados. Verificar se a empresa tem algum selo de sustentabilidade ou se manifesta preocupação com a pegada de carbono é outra possibilidade.
Mas é preciso fazer isso de forma crítica. “Muitas empresas utilizam termos como ‘sustentável’ ou ‘ecológico’ para tornar o produto mais chamativo, mas na prática não são. É o chamado ‘greenwashing’ ou ‘mentira verde’”, diz Beatriz Gouveia.
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Reduza o desperdício
A cada ano, cerca de um terço dos alimentos produzidos no mundo é desperdiçado em alguma fase da cadeia de produção, transporte ou consumo. Isso, é claro, é péssimo do ponto de vista social e humanitário, ainda mais em um país com alto índice de insegurança alimentar como o Brasil. Mas reduzir o desperdício deveria ser também uma preocupação ambiental.
Um texto da ONG WWF traz um bom resumo do porquê: “Quando desperdiçamos alimentos, também desperdiçamos toda a energia e água necessárias para cultivá-los, colhê-los, transportá-los e embalá-los. E se os alimentos vão para o aterro e apodrecem, produzem metano – um gás com efeito de estufa ainda mais potente que o dióxido de carbono. Cerca de 6% a 8% de todas as emissões de gases com efeito de estufa causadas pelo homem poderiam ser reduzidas se pararmos de desperdiçar alimentos.”
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