Aprenda a navegar pela incerteza

No livro “O Guia do Mochileiro das Galáxias”, o autor Douglas Adams criou um universo de ficção científica regado a humor nonsense e bastante ironia britânica. O título da obra se refere a uma das mais populares piadas de Adams dentro da série, uma espécie de guia intergaláctico que auxilia os habitantes do universo a sobreviverem aos perrengues do cosmos. Na capa do guia, encontra-se os seguintes dizeres em letras garrafais: “Não entre em pânico!”

O sucesso da série de livros, que acabou virando um filme de Hollywood, se deve em boa parte ao humor de Adams. O guia, que na história contém quase todo o conhecimento do universo, precisa de uma frase de efeito para acalmar quem o possui. O escritor sabe que mesmo o mais bem preparado dos viajantes ainda precisa manter a calma quando a situação aperta.

Se isso é verdade na ficção, também é verdade na vida real. O incerto e o desconhecido fazem parte da nossa existência, mas navegar pela incerteza pode ser cansativo e desesperador. Nos últimos dois anos, vivemos uma época sem precedentes. Com a pandemia, o pouco de certeza que havia no mundo parece ter desaparecido. O que fazer, então?

Gama conversou com cinco profissionais que lidam com o incerto, o desconhecido e o improviso. De uma astróloga a um improvisador de teatro, eles refletiram sobre como suas atuações profissionais podem ajudar a lidar com o desconhecido.

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  “É do incerto que nascem as propostas”

  Gustavo Miranda Angel, ator, improvisador e dramaturgo

  Na improvisação, a incerteza é a matéria prima da criação. Nós não lidamos com ela, mas trabalhamos a partir dela. É do incerto que nascem as propostas, não saber o que vai acontecer não quer dizer que não sabemos o que está acontecendo. Treinamos justamente para isso, para ter ferramentas que criem algo que jamais se repetirá outra vez. A incerteza é um espaço vazio pronto para ser preenchido. O erro é outro paradigma que assusta na vida real, mas na improvisação se torna matéria-prima. Para nós, errar é um presente. Faz parte do teatro, ali as coisas não ocorrem como na vida cotidiana. O erro é bem-vindo. O pânico e a insegurança vem da falta de treinamento, quando você começa a treinar o pânico passa a ser gostoso. O estado de nervosismo é bom, ele faz o corpo ficar alerta, faz o sangue correr mais rápido, o coração estar mais presente. Mas a incerteza só é romântica na vida ficcional. Na vida cotidiana, ela gera todo tipo de sentimentos negativos. Acredito que esse é o papel da arte, qualquer manifestação artística te ajuda a suportar a realidade.

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  “Controle é uma ilusão, uma fantasia para seguir em frente”

  Tatiana Vasconcellos, jornalista e âncora do “Estúdio CBN”

  No ao vivo, é necessário preparo e experiência. A experiência te dá jogo de cintura, mas sem preparo ela não vale nada. Quando alguma notícia muda o rumo do programa, toda a equipe tem de trabalhar junto para mudar de direção. Um programa ao vivo está bem relacionado a personalidade dos apresentadores. Ele acaba sendo o que a gente é, por isso a espontaneidade é importante nessas situações. Todo dia algo “dá errado”. É um repórter que não entra, uma conexão que cai, um som que não é claro o suficiente. O que eu faço é assumir o erro, contar ao ouvinte como funciona, dizer que vamos corrigir a situação e seguir em frente. No rádio ao vivo, seguir em frente muitas vezes significa perguntar para a produtora, ao vivo, o que deve ser feito. Na pandemia, entendi que o controle é uma ilusão. É uma fantasia que nós lançamos mão para seguir em frente. É importante se acomodar na angústia da incerteza. Controlamos pouquíssimos da nossa vida. O improviso é essencial na vida, te faz pensar e encontrar caminhos não convencionais para aparentes becos sem saída.

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  “Quem pensa muito no futuro, esquece de viver no presente”

  Madama Brona, cartomante, astróloga e comunicadora

  Tanto a astrologia como o tarô são ferramentas de linguagem que me ajudam a lidar com as incertezas do futuro. Eu, que sempre fui uma pessoa muito ansiosa, encontrei nelas um jeito de lidar com o incerto. Quando os planos dão “errado” ou se desviam do programado, ficamos frustrados. É natural. O incerto é uma grande interrogação e para lidar com ele é importante saber se questionar. O planejamento nos ajuda a caminhar, mas nem sempre vai definir o destino. Esperar que as coisas vão ser seguras e estáticas é ter frustração na certa. É preciso saber como dirigir a nossa vida tendo consciência que a estrada vai mudando ao longo do tempo, que existem muitos cruzamentos, obstáculos, imprevistos e direções. O trabalho de prever o futuro, especular possibilidades e enxergar o que está por vir, mesmo quando tudo está muito nebuloso, é bem desgastante. Sem equilíbrio e discernimento, é fácil alimentar a ansiedade com fantasias desastrosas, e até se precipitar em ações distorcidas. É muito comum se equivocar nessas projeções de futuro. E mesmo quando acertamos, não significa que vai ficar mais fácil. É difícil ver algo ruim acontecendo e não poder fazer nada para mudar. Às vezes, a melhor coisa é simplesmente viver no presente e não pensar muito no que vai ser, no que pode ser. Quem pensa muito no futuro, esquece de viver no presente.

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  “A melhor maneira de lidar com as incertezas é com a prevenção”

  Giuliano Milan, mentor de carreira de atletas, executivos e empresários

  No mundo dos esportes e dos negócios, atletas e empresários precisam se provar a cada jogo e a cada negócio. Não adianta você ter tido um sucesso anterior ou ter ganho um título passado, isso tudo é zerado e você tem que encarar um cenário de novas possibilidades. Lidar com essas situações é saber lidar com o medo. As incertezas causam medo e a melhor maneira de lidar com isso é com a prevenção. O grande segredo é tratar o condicionamento da mente como condicionamento físico. A mente precisa ser treinada como o corpo. Sempre digo que um atleta profissional, um CEO ou um empreendedor vão tomar melhores decisões e vão performar melhor se estiverem felizes e capazes de se concentrar nos momentos-chave. A meditação, por exemplo, é ótima para gerar mais qualidade de vida. Mas é um trabalho diário e que exige dedicação. As pessoas buscam sempre o sucesso, serem impecáveis o tempo todo, mas acabam esquecendo da saúde mental. Quanto pior a saúde mental, pior a qualidade de vida.

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  “Quanto maior a experiência, mais rápida a reação”

  Thiago Andrade, chef de cozinha

  A cozinha é um local bem criativo, mas quem trabalha nela faz de tudo para não precisar lidar com o incerto. No dia a dia, nós preparamos todos os ingredientes com antecedência e sabemos o passo a passo do que deve ser feito. Mas, às vezes, os ingredientes acabam ou acidentes acontecem e aí temos que improvisar. Para lidar com o incerto é importante ter um bom conhecimento do que você tem a sua disposição. Se acabou um ingrediente, você tem que saber outro ingrediente para colocar no lugar. Quanto mais experiência, mais rápido é a reação. Eu também faço bastantes eventos e, por mais que você planeje, algo sempre dá errado. O importante é tentar prever a desgraça antes dela acontecer. Querendo ou não, você tem que dar um jeito na situação. O segredo é não se desesperar e tentar lidar com a situação da maneira mais calma possível. O improviso requer algum conhecimento, não existe mágica. É prestar atenção no que você tem a sua disposição e tentar buscar referências e experiências passadas para resolver o problema da melhor maneira possível.

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