Cinco momentos de Moraes Moreira — Gama Revista

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Cinco momentos de Moraes Moreira

© IG @mundopensante

A vida musical do instrumentista, cantor e compositor vai do frevo ao cordel e inclui álbuns clássicos da MPB, como ‘Acabou Chorare’, dos Novos Baianos

Laura Capelhuchnik 14 de Abril de 2020

Morto na segunda-feira (13) aos 72 anos, Moraes Moreira aprendeu a fazer música ouvindo as serenatas e participando das festas da cidade de Itaguaçu, na região da Chapada Diamantina, na Bahia. Foi nas comemorações do dia de São João que ainda no início da adolescência aprendeu a tocar sanfona.

Do alto-falante da praça e dos rádios de casas vizinhas, conheceu Luiz Gonzaga, Orlando Silva, Herivelto Martins, cantores que compuseram sua base musical e que o músico homenageou em sua última turnê, “Elogio à Inveja”, no início de 2020.

Em homenagem ao fundador dos Novos Baianos e pioneiro dos trios elétricos de Salvador, Gama selecionou cinco momentos marcantes de sua trajetória, que inclui mais de 20 álbuns solo e as canções do celebrado “Acabou Chorare”, lançado em 1972.

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    Moraes Moreira e Paulinho Boca de Cantor, com quem fundou os Novos Baianos, em 1969/divulgação

    De Ituaçu a Salvador

    Moraes Moreira tinha 15 anos quando viu o mar pela primeira vez, em Salvador. A Bahia onde nasceu, cresceu e aprendeu a tocar era muito diferente da capital, para onde ele se transferiu aos 19, em 1966. O objetivo era prestar vestibular para medicina, mas desistiu da carreira quando conheceu o músico Tom Zé, com quem teve aulas de violão.

    Em Salvador, Moraes Moreira frequentou o Seminário de Música da Universidade Federal da Bahia e dividiu pensão com Luiz Galvão e Paulinho Boca de Cantor, seus futuros parceiros de Novos Baianos, junto com Baby do Brasil (então Baby Consuelo) e Pepeu Gomes. Em 1968, o grupo criou o espetáculo “Desembarque dos Bichos Depois do Dilúvio Universal”, que deu origem à banda formada no ano seguinte.

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    No início dos anos 1970, os Novos Baianos partiram de Salvador ao Rio de Janeiro para iniciar uma vida em comunidade/ Wikimedia Commons

    Tinindo, trincando

    O disco de estreia veio em 1970, “É Ferro na Boneca”. Foi já nesse período que passaram a viver em comunidade no Rio de Janeiro. Em plena ditadura militar, se estruturaram de maneira um tanto quanto anárquica, primeiro em um apartamento no bairro de Botafogo e, depois, no mítico sítio Cantinho do Vovô, em Jacarepaguá.

    Vivendo em uma morada comunitária de espírito livre e sob efeito de muito LSD, fizeram as canções mais famosas da banda. Junto com o poeta Luiz Galvão, Moraes Moreira compôs todas as 13 canções do álbum de estreia. Depois, viriam reunidas no segundo álbum “Preta Pretinha”, “Mistério do Planeta”, “Besta é tu” e “Acabou Chorare”, faixa que dá nome ao trabalho de 1972, que catapultou o som dos Novos Baianos Brasil afora e, mais tarde, também no exterior. O trabalho vendeu mais 100 mil cópias e foi eleito pela “Rolling Stone” o maior disco nacional de todos os tempos.

    Moraes Moreira rompeu com o grupo alguns anos antes de a banda anunciar seu primeiro grande hiato, em 1979. O conjunto voltou a se reunir nas décadas seguintes, mas o músico era resistente aos reencontros. Ele esteve na última turnê com a formação original da banda, em 2016, que homenageava o clássico “Acabou Chorare”. Mas continuou apresentando divergências com alguns dos membros. Uma semana antes de sua morte, Moraes desaprovou as críticas que Baby do Brasil fez sobre o musical “Novos Baianos”. A cantora não queria que a obra mencionasse o uso de drogas feita pela banda. Segundo o músico, Baby, que hoje é pastora evangélica, tentava censurar a história do grupo.

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    As músicas de Moraes Moreira, primeiro artista a cantar acompanhando um trio elétrico, ainda são marca registrada do carnaval de Salvador. Na segunda foto, um show do cantor em 2018, durante a folia, na Praça Castro Alves, centro da cidade.,@moraesmoreiraoficial

    Chame gente

    Depois de romper com os baianos, Moraes Moreira deu início à carreira solo. Lançou seu primeiro álbum em 1975 e foi artista pioneiro no carnaval soteropolitano, ao se apresentar junto com o grupo que criou o desfile de trio elétrico na Bahia, o trio Armandinho, Dodô & Osmar.

    O cantor marcou a história do carnaval baiano: “A voz de Moraes Moreira [primeiro cantor de trio elétrico] vai crescer muito […] Os músicos vão ficar de frente para a massa que vier pulando”, registra uma reportagem do jornal Correio de 22 de fevereiro de 1979, quando os trios ainda se estruturavam para encontrar o jeito mais adequado de puxar a folia no carnaval.

    Em 2017, ao completar 70 anos, o cantor foi homenageado no carnaval de Salvador. Seus frevos “trieletrizados”, como ele chamava, foram gravados por várias gerações de artistas e são cantados nos circuitos até hoje. Entre elas, a elétrica “Pombo Correio”, primeiro sucesso nacional do trio Armandinho, Dodô & Osmar, “Chame Gente”, e “Eu Sou o Carnaval”.

    “Nossas canções resistiram a tudo e a todos, dando mostras de que vieram para ficar. Passada a euforia dos sucessos imediatos, elas ressurgem gloriosas, no gogó dos foliões, inteiras e renovadas pela juventude. Reforçam assim um conceito que tenho: um bom Carnaval se faz com passado, presente e futuro”, disse ao “Correio”.

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    Foto do cantor baiano em show publicada em 2020 @moraesmoreiraoficial

    Um cantador

    Em 2018, Moraes Moreira deu descanso ao frevo para concentrar a atenção no cordel. No disco “Ser Tão”, último da carreira, o repertório do cantor dos grandes shows e trios elétricos foi substituído pelo universo dos cantadores nordestinos: a fase era de voz, violão e declamações.
    Não foi uma reinvenção repentina. Em 2007, Moraes Moreira lançou o livro de cordel “A História dos Novos Baianos e Outros Versos” e, em 2010, “Sonhos Elétricos”, em que voltou a resgatar sua identidade de cordelista. “Eu era muito ligado ao cordel, aos rigores da sua métrica. Comecei a entender que o cantador é alguém mais ligado à raiz da música e à poesia. E nisso, lembrei muito da minha terra, no interior da Bahia”, disse ao jornal “O Globo”.

    Publicou ontem seu cordel mais recente, no Instagram, sobre a vida no isolamento: “Quarentena”.

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    A última turnê de Moraes Moreira, ainda este ano, foi dedicada à inveja: só as músicas de outros compositores que ele gostaria de ter criado @moraesmoreiraoficial

    Seu elogio à inveja

    Na última turnê, Moraes Moreira revisitou as canções da infância, do rádio e do alto falante em Ituaçu. Em “Elogio à Inveja”, o músico fez uma pausa na apresentação das próprias composições para homenagear um repertório afetivo. A turnê era um apanhado de canções de vários tempos e autores que o baiano sonhava ele mesmo em ter composto — daí o título inusitado. Entre as músicas, “Quem Há de Dizer”, de Lupicínio Rodrigues e “Aos Pés da Cruz”, de Orlando Silva. Além de Caymmi, Herivelto Martins, Luiz Gonzaga, Noel Rosa, Braguinha, Assis Valente, entre outros. “‘Preta Pretinha” e todo o ‘Acabou Chorare’… Porra, bicho, tô meio cansado disso”, disse em entrevista ao “Globo”. Moraes Moreira também vislumbrava projetos futuros, entre eles um show com mais de 20 canções inéditas e um livro de cordéis e poesias.

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