Eles fizeram longos sabáticos com seus filhos
Famílias brasileiras que deixaram casa, conforto e trabalho para viver na estrada. Confira os perrengues e aprendizados de quem passou por essa experiência
América do Sul, Oceania e o tempo de duas crianças
“Estávamos num momento de muito trabalho. Sempre correndo, nunca satisfeitos. Até que, num ímpeto de coragem, meu marido pediu demissão e eu deixei meu estúdio de design e outros projetos para trás, o que nos abriu as portas para um sonho antigo: viajar por um período longo, mostrar o mundo aos nossos filhos, passar mais tempo juntos. Pegamos o Martim, então com 6 anos, e a Anita, 4, e partimos. Começamos no Equador, em agosto de 2017. Passamos por Galápagos e chegamos ao Chile em setembro. Durante a viagem, sentimos o tempo de uma maneira diferente, nosso primeiro aprendizado: não é o tempo que passa rápido, é a gente que passa por ele sem perceber. No Chile, alugamos uma casa no Atacama, linda e isolada. As crianças queriam ficar e aproveitar a casa e seu jardim enorme. Já eu e meu marido percebemos em nós uma ansiedade doida de ver e conhecer tudo. E essa foi a lição dada pelos nossos filhos no sabático: será que estamos prestando atenção no que é mais gostoso no momento? A partir dali, passamos a viajar de outro jeito. A gente parou de ficar correndo e começou a curtir sem muito planejamento. Do Chile fomos de carro até a Argentina, voamos para a Nova Zelândia e terminamos os sete meses sabáticos nas ilhas do Pacífico Sul. O trajeto foi grande – mas, maior ainda, foi a viagem interna, a descoberta de uma nova conexão entre nós. Foi muito louco voltar e sentir essa força do trivial, do jeitão padrão de viver, nos puxando. Mas agora existia também uma força interna, de resistência, para descobrir o novo. A viagem não termina nunca. Ela é, na verdade, interna. E o sabático convoca você a viver e a perceber isso profundamente.”
[Depoimento da designer Laura Correa a Manuela Stelzer]
Floripa, Alasca e a educação na estrada
“Viajar está no nosso DNA. Eu e Rodrigo casamos e tivemos filhos sabendo que a viagem faria parte da família. Quando decidimos que era a hora de pegar a estrada por um período mais longo, passamos dois anos pesquisando rotas e economizando. A viagem que faríamos de Florianópolis até o Alasca por terra virou prioridade. Compramos o carro (uma Defender 130, a ‘nave’) e a camper (a parte que se acopla ao carro, virando um motorhome). Partimos em outubro de 2017, rumo à Patagônia. Rafael tinha 6 anos, e Sofia, 4. Sempre nos perguntam sobre a educação das crianças. Nesse período, adotamos o unschooling. Rotina é importante, mas a gente preferiu vivenciar os lugares e as pessoas, aproveitar o cotidiano e a curiosidade das crianças para o aprendizado. A compreensão deles de geografia e história é incrível. Sabem o que é geleira e deserto, como vivem o pinguim e o urso. Levamos livros, mas não uma rotina de estudos. Queríamos apresentar a eles novos modos de viver. Para que se tornassem abertos à diversidade, à liberdade de escolher os próprios caminhos. Depois de 11 meses viajando pela América do Sul, fizemos uma pausa. Passamos quatro meses no Brasil e partimos para o Alasca. Viajar com os filhos traz uma conexão muito forte. Estar em família 24 horas por dia, convivendo numa casinha de 8 m2 – o tempo todo ‘mãe! pai!’ –, é intenso. Mas compartilhar essas vivências que emocionam é uma oportunidade preciosa. Foram 70 mil km de estrada e 16 países visitados com eles! A gente costuma ouvir: ‘Cresceram tão rápido e eu nem vi’. Pois a gente viu.”
[Depoimento da jornalista Gisele Kakuta a Willian Vieira]
Uruguai, Itália, Eslovênia e um bebê quadrilíngue
“Viajar é um estilo de vida: eu e o Edison sempre deixamos de gastar com outras coisas para conhecer novos lugares. A primeira vez que fizemos uma viagem internacional com o Chico, nosso filho, foi ainda no ano em que ele nasceu: tinha 10 meses. Fomos para Uruguai e Argentina. A seguinte, para os países nórdicos e, depois, pegamos a Transiberiana — fomos de Moscou a Pequim de trem, parando em outras sete cidades. Foi em 2016; ele estava no desfralde, abandonando a mamadeira. Em 2018, começou nosso ano sabático. Na Itália, passeamos por Turim, Mont Blanc, fizemos duas viagens à França: uma para Paris, outra pelo Vale do Loire, de bicicleta. Viajamos para o interior da Alemanha, Suíça e Eslovênia, país onde hoje moramos. Uma das rotas mais significativas nesse período foi Chernobyl, que eu sempre quis conhecer, mas proibia a entrada de crianças. Então nos revezamos: um dia eu fui e o Edison ficou com o Chico em Kiev (de onde saem os tours para Chernobyl). No outro, a gente trocou. Hoje o Chico tem 6 anos. Já viajou por 24 países e fala português, inglês, italiano e esloveno melhor que a gente. De algumas das viagens ele não se recorda. Mas, quando perguntam por que fazer esse tipo de viagem com uma criança tão pequena, que nem vai se lembrar, meu marido responde: ‘Você brinca com seu filho somente a partir da idade em que ele pode se lembrar?’. Viajar envolve muitas outras coisas além da lembrança. Tenho certeza de que todas as experiências pelas quais ele passou foram essenciais para que ele se tornasse uma criança flexível, mais paciente e sociável.”
[Depoimento da consultora de marketing Mariana Veiga a Laura Capelhuchnik. Mais experiências deles no site The Veigas]