O spinning mais social do mundo
Como uma bicicleta ergométrica tem conectado pessoas que pedalam, trocam frases de incentivo e high fives pela internet, sem que saiam de casa
Quem já fez spinning sabe que a atividade é extremamente social. Com dezenas de pessoas pedalando no limite de suas forças sob o incentivo de um professor e seus mantras aspiracionais, amizades se formam ao sabor da endorfina. Mas os dias de suor compartilhado e gritaria coletiva têm deixado de ser regra: a nova moda, nos Estados Unidos, é pedalar sem sair de casa de forma mais moderna, conectado com os colegas e instrutores em tempo real. O fenômeno é uma ergométrica chamada Peloton.
“E ela mudou minha vida 100%”, diz a Gama Shiya Fursteneau, professora de 39 anos que lutou por meses para encaixar exercícios à rotina de mãe de um bebê – até investir US$ 2.245 na bicicleta mais US$ 39 mensais pelas aulas. Hoje ela pedala todo dia. “Meus pais, minha melhor amiga, de outro estado, três tias – todos têm uma”, explica. “Pedalamos ao mesmo tempo e trocamos mensagens sobre treinos e dietas.” O spinning aproximou a família. “Nesse verão, eu e meu pai fizemos um ‘desafio’ juntos.”
Meus pais, minha melhor amiga, minhas tias – todos têm a bicicleta. Nós pedalamos ao mesmo tempo e trocamos mensagens sobre nossos treinos
Quando a empresa (avaliada em cerca de US$ 9 bilhões, apesar de alguns altos e baixos, como um anúncio considerado sexista meses atrás) começou a vender suas caríssimas bicicletas em 2014, muitos imaginaram um fracasso. Mas não se tratava apenas de uma ergométrica. Era um estilo de vida – e repleto de tecnologia.
A bicicleta tem wi-fi e uma enorme tela touch screen, pela qual o usuário acessa um universo de outras pessoas pedalando, sabe quem está fazendo que treino, com quais resultados, ao vivo. Com mais de 450 mil unidades vendidas, a rede de contatos é imensa. No Facebook, no Instagram e até no Twitter, as pessoas se reconhecem, se curtem – e até se encontram ao vivo. E é aí que mora o must. O segredo é social.
Dias atrás, a nova concorrente do Peloton, a SoulCycle, lançou sua versão, bem similar. O timing foi perfeito. Com a pandemia de coronavírus fazendo do isolamento social e da quarentena o novo normal, o que antes parecia uma forma estranha e antissocial de se exercitar em comum cai como uma luva. “Aposto que a senhora está doida para ter um Peloton agora”, já ironizam os adeptos nas redes sociais. O grande luxo dos dias de hoje, quem diria, é ter ter condições (e ânimo) de se exercitar em casa.
Tão longe, tão perto
Basta uma olhada no site para ter uma ideia da amplitude social da geringonça. Dividida em “tribos”, há grupos de Facebook para quem amamenta, iniciantes e pais solteiros, para quem madruga, quem é grande (este se chama XXL), quem faz crossfit ou ioga; há clubes de livros para mães, grupos para quem tem mais de 50 e para millennials; há ainda separação por profissão, por cidade, tribos de judeus e cristãos, grupos para a comunidade LGBTQ+… e até para fumantes e bebedores de Bourbon.
“Esses grupos pedalam com os instrutores ao vivo. Se não der, escolhem uma sessão gravada e todos fazem ao mesmo tempo”, afirma a Gama a entusiasta Crystal O’Keefe. “Um dos meus passatempos favoritos é logar numa pedalada ao vivo, ver meus amigos e mandar e receber high fives. Eu posso sentir o amor e o apoio virtualmente. É maravilhoso!”
O Peloton virou um lifestyle, em parte baseado nos instrutores influencers (ou “talentos”, como a empresa os chama): homens e mulheres de corpos esculpidos e vidas meticulosamente buriladas no Facebook e no Instagram que, no tempo livre, fazem transmissões ao vivo de treinos a partir de estúdios e, em tempos de pandemia, de suas próprias casas.
Como Robin Arzón, que, segundo o New York Times, está mais para líder de um culto do que para uma coach. Com 256 mil seguidores no Insta, a instrutora e autora do livro “Shut Up and Run” dá dicas e interage com seguidores. Um high five dela vale o dia para muita gente.
Pedalando para a vida real
E os usuários têm saído de casa, quem diria, e partido para o mundo real. Crystal, por exemplo, vai uma vez ao ano ao Peloton Homecoming, “fim de semana inteiro dedicado a encontrar outros riders e instrutores”, explica. No último, foram 3.000 pessoas. “Não consigo contar o número de amigos que já fiz. Um grupo que conheci me inspirou a fazer minha primeira maratona.”
Este ano, ela deve ir a Nova York participar de um acampamento – o convite veio de uma agente de viagens que ela conheceu, claro, num grupo de aficionados da bicicleta. “Nós amamos o Peloton e isso basta, mesmo quando não há mais nada em comum.”
No universo da sociabilidade regada a endorfina, o céu é o limite
Há também casos de generosidade ímpares. Um filho, preocupado com a mãe, que não podia sair na rua, criou um grupo para idosos com Parkinson. E uma praticante fiel, mas que teve de vender sua bicicleta para pagar o tratamento de câncer do marido, acabou ganhando outra de graça – a vaquinha feita por outros membros a manteve na comunidade.
Quando o cachorro da filha de Crystal morreu, por exemplo, uma amiga do Peloton fez um colar com as cinzas do bichinho. Sem falar nos inúmeros casais que surgiram das relações nos grupos. No universo da sociabilidade regada a endorfina, afinal, o céu é o limite.