Trecho de Livro: O Guia da Grávida Bem Informada, de Emily Oster — Gama Revista

Trecho de livro

O Guia da Grávida Bem Informada

A partir de pesquisas e dados científicos, livro da economista Emily Oster questiona restrições impostas a gestantes, da necessidade de repouso à proibição de tomar café

Leonardo Neiva 02 de Fevereiro de 2024

Para além dos inúmeros desafios e dificuldades inerentes à gravidez, praticamente toda gestante também precisa lidar com um obstáculo extra: uma enorme lista de regras e restrições impostas a ela de todos os lados. E o pior, a incerteza e a falta de confirmação se aquele “manual” de fato tem fundamento ou não passa de uma série de mitos. Para de fato se aprofundar em ordens que parecem comuns nesse momento da vida, como “evite tomar café”, “faça repouso” ou “não ganhe peso”, a economista e escritora norte-americana Emily Oster, que vem publicando com frequência sobre a intersecção entre ciência e parentalidade, acaba de lançar “O Guia da Grávida Bem Informada” (Sextante, 2024), com tradução de Ana Beatriz Rodrigues.

MAIS SOBRE O ASSUNTO
Manifesto Antimaternalista
6 perguntas para quem pretende ter filhos
Além do barrigão

Acostumada a lidar com fatos, números e evidências no dia a dia profissional, a autora decidiu colocar para teste muitas das orientações com que ela mesma precisou lidar na primeira gestação. E alguns dos resultados que obteve foram nada menos que impressionantes. Ainda que certas proibições guardem um fundo de verdade, boa parte delas se baseia em premissas não comprovadas pela ciência. É verdade que a fertilidade vai diminuindo com o passar dos anos, por exemplo, mas pesquisas mostram que a chance de ter filhos cai muito pouco dos 20 aos 39 anos. E, se não há comprovação científica nem de que o consumo leve de bebidas alcoólicas afete negativamente o bebê, grande parte das evidências mostra que consumir até quatro xícaras de café por dia não deve fazer mal à gestação.

Apesar de a gravidez e o parto estarem entre os momentos mais importantes da vida de muitas mulheres, na introdução da obra Oster discorre ainda sobre a falta de oportunidades de refletir a respeito das decisões tomadas nesse período. “Ao contrário, a expectativa é que sigamos um roteiro basicamente arbitrário, sem questionar nada”, escreve. Ao usar seu talento natural para números e estatísticas, a economista traz informações mais precisas e assertivas para que as leitoras possam agir da maneira mais adequada para elas mesmas e seus bebês. “É hora de assumir o controle”, reforça a autora.


Preparação

Para algumas pessoas, a gravidez é uma surpresa. Se você acordou enjoada, fez um teste de gravidez por impulso e ficou chocada ao ver a segunda linha rosa aparecer, parabéns! Pode pular esta parte.

Mas muitas mulheres, como eu, pensam em engravidar muito antes de a gravidez de fato acontecer. Conheci meu marido na faculdade, em 2001. Nós nos casamos em 2006. Nossa filha nasceu em 2011. Não vou dizer que passei esses 10 anos inteiros pensando em engravidar, mas muitas das minhas (mais tarde, nossas) escolhas se basearam no plano de ter uma família.

Quando fui me aproximando dos 30 anos e minhas amigas começaram a engravidar, passei a considerar a possibilidade mais a sério. Eu me perguntava se havia algo que deveria estar fazendo para me preparar, mesmo antes de começarmos a tentar. Deveria mudar a alimentação? Minha médica chegou a sugerir que eu reduzisse o consumo de café só para não sentir tanto quando eu realmente engravidasse. Seria mesmo necessário?

O que mais me preocupava era minha idade.

Tecnicamente, uma mulher de 30 anos ainda não é considerada velha para engravidar. A expressão “idade materna avançada” é reservada para mulheres com mais de 35 anos, e ninguém poderia culpá-las por pensar que 35 constitui um limite rígido demais. Certa vez, li em um artigo que era melhor usar os óvulos até os 35. Obrigada, é muito útil saber a data de validade dos meus óvulos. Mas, claro, 35 não é um número mágico. Os processos biológicos não funcionam assim. Seus óvulos não acordam na manhã do seu aniversário de 35 anos e começam a planejar a festa de aposentadoria.

Praticamente a partir do primeiro dia da primeira menstruação nossa fertilidade começa a diminuir. O momento mais fértil é na adolescência; a partir daí é ladeira abaixo — 30 é pior do que 20, e 40 é pior do que 30. Existem, é claro, outros fatores que mudam o cenário. Eu certamente não estava pronta para ter um bebê no primeiro ano da pós-graduação, aos 23 anos, e a verdade é que provavelmente estaria mais preparada aos 35 do que aos 30.

Essa não era minha única preocupação, mas eu me questionava com que velocidade a fertilidade diminuía. Minha médica não pareceu preocupada: “Você ainda não chegou aos 35!”, dizia — mas essa não era exatamente a garantia que eu buscava.

Fui em busca de segurança (ou, pelo menos, de informação) no mundo dos dados, na literatura médica acadêmica. Como eu esperava, havia uma resposta. Só não era bem o que a história dos óvulos aposentados após os 35 anos teria sugerido.

A principal pesquisa sobre o assunto utiliza dados do século XIX (é antiga, mas a tecnologia não mudou muito!). A ideia é a seguinte: antes da era moderna, os casais praticamente começavam a colocar a mão na massa logo após o casamento, e havia opções limitadas de controle de natalidade. Assim, é possível descobrir como a fertilidade varia com a idade analisando a chance de ter filhos entre mulheres que se casam em idades diferentes.

Seus óvulos não acordam na manhã do seu aniversário de 35 anos e começam a planejar a festa de aposentadoria

Os pesquisadores descobriram que a chance de ter filhos era muito semelhante entre mulheres que se casaram em qualquer idade entre os 20 e os 35 anos. Depois, começava a diminuir: as que se casaram com 35 a 39 anos tinham cerca de 90% de probabilidade de ter filhos quando comparadas com aquelas que se casaram com menos de 35; as que se casaram com 40 a 44 anos tinham apenas 62% de probabilidade; e as que se casaram com 45 a 49 anos tinham somente 14% de probabilidade. Em outras palavras, quase todas as que se casaram entre 20 e 35 anos tiveram pelo menos um filho, em comparação com apenas cerca de 14% daquelas que se casaram depois dos 45.

Você pode ou não gostar de tirar conclusões com base em dados antigos. As pessoas vivem mais hoje e são mais saudáveis. É possível que, à medida que a longevidade aumente e a saúde melhore, as mulheres permaneçam férteis por mais tempo. Mesmo que aceite esses dados, a redução da fertilidade não é tão drástica quanto se poderia temer. O grupo na faixa etária de 35 a 39 anos tem apenas uma probabilidade um pouco menor de ter filhos; a maior queda na fertilidade só ocorre depois dos 40, e pelo menos algumas mulheres com mais de 45 anos engravidaram — isso em uma época bem anterior à fertilização in vitro.

Os dados atuais parecem bastante semelhantes, talvez até um pouco mais animadores. Pesquisadores na França estudaram um grupo de cerca de 2 mil mulheres que estavam sendo submetidas à inseminação com espermatozoides de doadores. Um aspecto bom do estudo é que não foi preciso se preocupar com a diminuição da frequência das relações sexuais entre as pessoas mais velhas, porque todas no estudo estavam tentando engravidar no momento certo do mês, em um ambiente controlado. Após 12 ciclos, a taxa de gravidez foi de cerca de 75% para mulheres com menos de 30 anos, 62% para mulheres entre 31 e 35 anos e 54% para mulheres com mais de 35 anos. No grupo das mais velhas, a situação foi semelhante para mulheres entre 36 e 40 anos e acima de 40. Mais da metade das mulheres com mais de 40 anos engravidou no intervalo de um ano.

No final, minha médica tinha razão ao menosprezar minhas preocupações. Para mim, porém, ver os números assim, preto no branco, foi muito mais reconfortante. Pude ver em detalhes que começar a tentar engravidar aos 30, e não aos 28, não faria tanta diferença. Eu poderia pensar no momento mais adequado se quiséssemos, por exemplo, ter mais de um filho. E constatei que os números eram todos muito altos — para mim, ler “75% das mulheres engravidaram dentro de um ano” era muito mais útil do que ouvir coisas como “funciona para a maioria das mulheres”. Afinal, como vou saber se “a maioria” tem para você o mesmo sentido que tem para mim?

Vivenciei essa sensação diversas vezes. A melhor parte de trabalhar com números — com dados — é que eles não estão sujeitos à interpretação de outra pessoa. São apenas números. Você pode decidir o que significam para você. Neste caso, é verdade que, quanto mais o tempo passa, mais difícil é engravidar. Mas não é impossível, não mesmo.

Quando comecei a pensar mais seriamente em ter um filho, parei de me concentrar tanto na idade. (Afinal, o que eu poderia fazer? Não envelhecer não era exatamente uma opção.) Mas eu me perguntava sobre outras coisas que eu poderia fazer para me preparar. Perguntei à minha médica na consulta anual se havia algo que eu deveria saber. Além de alguns conselhos genéricos para relaxar (coisa que não faço muito bem), ela se concentrou na importância da atividade física: se quiser engravidar, se exercite.

Evidências sugerem que a obesidade, em particular, está associada a gestações mais difíceis

Conversando com outras mulheres, percebi que isso fazia parte de um tema mais geral — parecia uma boa ideia estar em boa forma física antes de engravidar. Independentemente de qualquer conselho médico, há muito tempo eu nutria a fantasia de chegar ao meu “peso ideal” antes da gravidez. Eu tinha alcançado esse peso exatamente uma vez na vida, antes de me casar, fazendo exercícios aeróbicos durante 90 minutos às cinco da manhã quatro vezes por semana. Imaginei que, se eu chegasse a esse peso novamente antes de engravidar, seria uma daquelas mulheres que quase não engordam na gravidez e dois meses depois do parto já estão em forma novamente.

Acabei engravidando logo após nossas férias de verão, que não é exatamente a época do ano mais favorável para emagrecer. Tudo bem, imaginei, aposto que vai ser fácil chegar ao meu peso ideal depois que o bebê nascer. Otimista, não?

Além da realização pessoal, não estava claro para mim por que eu deveria me preocupar com meu peso antes da gravidez. Isso teria alguma importância? Obviamente não, se fossem alguns quilinhos. Mas evidências sugerem que a obesidade, em particular, está associada a gestações mais difíceis em vários aspectos.

Um estudo que demonstra bem isso avaliou cerca de 5 mil partos em um hospital do Mississippi. A vantagem de usar um único hospital é que isso significa que o perfil das mulheres é muito semelhante em termos de renda, grau de instrução e outras características. Um grande percentual delas era de obesas, o que significa que tinham IMC acima de 30. (Calcula-se o IMC, ou índice de massa corporal, dividindo-se o peso em quilos pela altura em metros ao quadrado.)

Os autores do estudo analisaram um grande número de desfechos relacionados às mães: pré-eclâmpsia, infecção do trato urinário, diabetes gestacional, parto prematuro, necessidade de indução do parto, parto cesáreo (cirurgia cesariana) e hemorragia pós-parto (sangramento após o nascimento). Analisaram também algumas ocorrências relacionadas aos bebês: distocia de ombro (quando os ombros ficam presos depois que a cabeça do bebê já saiu), necessidade de ajuda para respirar, o escore de APGAR aos cinco minutos (que avalia as condições do bebê cinco minutos após o nascimento) e se o bebê era anormalmente pequeno ou anormalmente grande.

As mulheres da amostra que foram classificadas como obesas tiveram mais complicações na gravidez. Um exemplo: 23% das mulheres com peso normal precisaram de cesariana, contra quase 40% das mulheres obesas. O risco de pré-eclâmpsia, uma complicação grave da gravidez, foi mais de três vezes maior entre as obesas. Mulheres com sobrepeso ficaram em algum lugar no meio disso — um risco um pouco maior de algumas complicações, mas com pouca diferença em relação às mulheres com peso normal.

Agora, as crianças. O estudo revelou que os bebês nascidos de mulheres obesas também tiveram maior propensão a apresentar complicações, entre elas maior risco de distocia de ombro, baixos escores de APGAR e classificação como “grande para a idade gestacional”. Há também evidências de maior mortalidade entre os recém-nascidos cujas mães eram obesas, embora isso seja muito raro em todos os grupos.

É possível estar na classificação de sobrepeso e ser extremamente saudável, assim como é possível ser magro e muito doente

Esses dados são provenientes de apenas um estudo, mas os resultados são muito consistentes com os dados de outras pesquisas, realizadas tanto nos Estados Unidos quanto em outras partes do mundo. Há também evidências de uma associação entre obesidade, dificuldade de engravidar e aborto espontâneo.

Após o parto, a obesidade materna está associada à “descida” mais lenta do leite materno e a menos sucesso na amamentação. Um artigo de revisão de 2010 resume a literatura sobre o tema com uma simples afirmação: “A obesidade materna afeta a concepção, a duração e o desfecho da gravidez. A prole corre maior risco de implicações imediatas e de longo prazo para a saúde.”

Existem, é claro, questionamentos sobre o papel da obesidade nessas discrepâncias. Elas poderiam refletir outras diferenças entre as mulheres. Podem ser correlações, mas não nexos causais. Nesse caso em particular, há razões biológicas que também sustentam esses nexos causais. Muitas complicações decorrem do fato de as mulheres com sobrepeso serem mais propensas a ter bebês maiores. Esses bebês maiores têm maior risco de ficar presos no canal de parto, o que poderia levar à distocia de ombro e a um escore de APGAR mais baixo.

É importante dizer, no entanto, que as métricas de “sobrepeso” e “obesidade” são rudimentares e não capturam um quadro completo da saúde de cada pessoa. É possível estar na classificação de sobrepeso e ser extremamente saudável, assim como é possível ser magro e muito doente. O que podemos dizer é que, em média, esses dados sugerem que, se você está significativamente acima do peso, talvez seja importante, do ponto de vista da saúde, emagrecer antes de engravidar.

Produto

  • O Guia da Grávida Bem Informada
  • Emily Oster (trad. Ana Beatriz Rodrigues)
  • Sextante
  • 336 páginas

Caso você compre algum livro usando links dentro de conteúdos da Gama, é provável que recebamos uma comissão. Isso ajuda a financiar nosso jornalismo.

Quer mais dicas como essas no seu email?

Inscreva-se nas nossas newsletters

  • Todas as newsletters
  • Semana
  • A mais lida
  • Nossas escolhas
  • Achamos que vale
  • Life hacks
  • Obrigada pelo interesse!

    Encaminhamos um e-mail de confirmação