A noite encantada de Johnny Hooker
Gravado em 2016, novo DVD do cantor pernambucano é uma visita a um passado alegre, esperançoso e com muita aglomeração
O ano era 2016 e o álbum “Eu Vou Fazer uma Macumba pra Te Amarrar, Maldito!” estourava nas paradas brasileiras. Em Recife, no Baile Perfumado — uma das maiores casas de show da cidade –, o cantor pernambucano Johnny Hooker encerrava a turnê do seu primeiro disco em uma apresentação ao lado de nomes como Fafá de Belém, Otto e Karina Buhr. Isso um ano depois de ter levado o 26º Prêmio da Música Brasileira como melhor cantor na categoria canção popular. A performance de 2016, que reuniu mais de de 4 mil pessoas, foi gravada pelas câmeras de sua equipe, mas o material se tornou uma lenda urbana em meio aos fãs de Hooker — o DVD do show jamais foi lançado e, durante cinco anos, as memórias daquela noite ficaram resguardadas apenas aos que estavam presentes em Recife para a apresentação. Isso, até agora.
Com a chegada da pandemia e com isolamento social, Hooker teve um merecido descanso da sua agitada agenda e pôde voltar sua atenção para aquela distante noite em 2016. O resultado pode ser visto em um novo DVD e escutado em um novo álbum intitulado “Macumba Ao Vivo em Recife”, que será lançado no mês de abril. O álbum/DVD apresenta versões inéditas das canções de “Eu Vou Fazer uma Macumba pra Te Amarrar, Maldito!”, além de um cover da música “Abandonada”, cantada em conjunto com Fafá de Belém e de “Garçom”, acompanhada por Otto. “Você pode conhecer o meu primeiro álbum de começo ao fim, ter ouvido só algumas partes dele ou sequer saber quem eu sou. Qualquer que seja sua situação, vale muito a pena ver o DVD e ouvir o álbum — está lindo, com muita coisa inédita”, afirma Johnny Hooker.
Em conversa com Gama, o artista de 33 anos relembrou uma das noites mais estressantes de sua vida, refletiu sobre as mudanças ocorridas nos últimos cinco anos e detalhou os próximos passos de sua jornada musical.
O melhor dos tempos
A noite da apresentação foi uma loucura. Hooker, que ainda estava em seu primeiro disco, sequer tinha certeza se a casa de show iria lotar e se as contas seriam pagas. Apesar das preocupações, o show foi um sucesso, mas a marca emocional deixada pela apresentação beirou o traumático. As preocupações e a entrega física exigiram tudo de Hooker, que só conseguiu se desvencilhar emocionalmente do momento após alguns anos. “A demora foi boa, quando resgatei o material já não me lembrava de como havia me sentido no palco. Vi que estava lindo de morrer, só senti as coisas boas daquele dia.”
Além do estresse causado pelo show, a demora para concluir o DVD também ocorreu devido ao sucesso meteórico do cantor. Quando a turnê de “Macumba” acabou, Hooker foi direto para o estúdio gravar seu novo álbum, “Coração” (2017). Some isso a uma apresentação no Rock In Rio, outra turnê nacional e duas turnês internacionais e não havia tempo para se dedicar ao antigo projeto. “Saímos de um furacão e entramos em outro. Várias coisas acabaram entrando na fila.”
Consegui focar em outra coisa além do coronavírus, pude passar dias mergulhados naquele universo. De alguma forma, foi uma maneira lúdica de retornar aos palcos durante a pandemia
Com a chegada da pandemia, da quarentena e do fim do mundo, como o próprio cantor define, Hooker encontrou o tempo necessário para revisitar o seu eu do passado. “Consegui focar em outra coisa além do coronavírus, pude passar dias mergulhados naquele universo. De alguma forma, foi uma maneira lúdica de retornar aos palcos durante a pandemia.” Revisitando seu passado, o cantor descobriu que aquela noite de 2016 não era apenas um show, mas um registro importante de um momento fundamental em sua carreira. “Revisitar é também uma maneira de dizer que eu tentei, dei a cara e realizei um show lindo na minha cidade natal. Se as coisas não voltarem ao normal, pelo menos eu tenho isso.”
“O show é como uma cápsula do tempo, quase uma viagem para outro Brasil”, afirma o cantor. Hooker divide a visita à 2016 em duas partes — a primeira é repleta de alegria, um retorno ao tempo onde todos estavam juntos, agarrados e aglomerados, ainda com esperança no Brasil. “Naquela época, o golpe [referindo-se ao impeachment de Dilma Roussef] ainda não havia ocorrido. Havia esperança de que poderíamos dar a volta por cima.” A segunda parte, entretanto, é mais angustiante. “Fico pensando se algum dia vamos ter isso de novo — será que teremos shows ao vivo de novo? Será que teremos um estado democrático de direito de novo?”
Apesar dos sentimentos contraditórios, Hooker é capaz de observar sua evolução enquanto artista e, cinco anos depois, enxerga uma outra pessoa nos palcos do Baile Perfumado. “Evolui muito desde então, em termos musicais, de performance e de segurança no palco. Ali, me vejo mais jovem e mais rebelde.” O cantor sabe que hoje faria aquele show de forma mais segura, mas não consegue evitar de sentir um orgulho por sua ousadia do passado, capaz de enfrentar tudo e todos logo no primeiro álbum. “Não que eu não seja essas coisas hoje em dia, mas existe uma explosão antes dos 30 que é muito característica da juventude. Tudo tem que ser naquele momento, imediato. Admiro o meu outro eu, sei que aquilo foi um ato de ousadia.”
O pior dos tempos
Apesar do futuro incerto do Brasil e do mundo, Johnny Hooker tem planos. Seu segundo disco foi lançado em 2017 e, quase quatro anos depois, o terceiro está prestes a nascer. “Meu último disco é bem mais politizado e político, mas esse terceiro é totalmente niilista. Sei que o mundo acabou, quero resgatar o que importa — nossos corpos e nossos prazer.” Em um mundo cada vez mais autoritário, o cantor entende que explorar a maneira com que amamos e sentimos também é uma forma de resistir ao autoritarismo.
O próximo disco de Hooker, que ainda não tem data de lançamento, é inspirado no livro “Orgia: os diários de Tulio Carella, Recife 1960” (Opera Prima, 2011). Carella era um dramaturgo argentino que foi convidado para lecionar na Universidade Federal de Pernambuco na década de 1960. “Ao chegar em Recife, longe de casa, ele se encanta e se entrega aos prazeres da noite — a luxuria, ao sexo e ao romance de uma cidade portuária dos anos 60”, explica Hooker.
“Quis fazer um paralelo entre a minha vida e a vida dele, então compus o meu próprio diário afetivo e sexual do fim dos tempos.” O cantor enxerga paralelos à política atual na situação vivida pelo autor argentino, que chegou a ser preso e deportado para Argentina controlada por uma ditadura militar. “A nuvem negra do autoritarismo também se aproximava enquanto Carella escrevia seu diário. É como se a história se repetisse: um momento progressista, de diversidade e empoderamento dos corpos é interrompido por essa nuvem negra.”
Além dos temas mais sombrios, o disco também busca uma sonoridade mais dark. “Ela é menos tropical, mais eletrônico. A sonoridade vai para outros lugares se comparado aos meus trabalhos anteriores”. Hooker acredita que seu terceiro álbum será lançado no último trimestre do ano, mas admite que tudo dependerá do estado político e pandêmico do país. Enquanto o novo disco não vem, “Macumba Ao Vivo em Recife” deve sanar os fãs de Hooker por mais algum tempo.