Coluna do Marcello Dantas: "Aprendendo com os outros" — Gama Revista
COLUNA

Marcello Dantas

Aprendendo com os outros

Uma mudança do ponto de vista antropocêntrico para um mundo mais biocentrado, onde a vida é mais importante do que a humanidade, seria um caminho para uma passagem mais agradável por este planeta

08 de Junho de 2022

Um dos maiores desafios em que podemos nos engajar como espécie é a observação de como as outras enfrentam seus próprios desafios. A curiosidade humana, aliada à nossa capacidade de nos inspirarmos por modelos de diferentes reinos, pode ser um caminho para uma passagem mais agradável por este planeta. Uma mudança do ponto de vista antropocêntrico para um mundo mais biocentrado, onde a vida é mais importante do que a humanidade, seria um caminho.

Lonneke Gordjin, artista fundadora do Studio Drift, de Amsterdã, conta que um grupo de pesquisadores estudou durante anos o comportamento dos pássaros voando em revoada que formam curvas visuais muito fortes. É uma visão fascinante: milhares de pássaros se movem em uníssono pelo céu, girando e mergulhando como se estivessem realizando um balé altamente sincronizado. Apesar das formas sublimes, os estudiosos nunca encontraram um padrão. Depois de constantes observações eles concluíram que não existia padrão algum. A descoberta foi que, simplesmente, os cientistas paravam de observar a gravação do experimento depois de alguns minutos. Até que um dia, a equipe do Studio Drift, buscando inspiração para os seus voos de drones sincronizados, passou a observar o que acontecia depois desse periodo inicial e detectaram que, sim, havia um padrão se desenhando só que o padrão acontecia depois de evoluções mais demoradas. Pelo visto, a paciência de observar a outra espécie se esgotava antes dela poder se manifestar. Se estamos falando de um laboratório cientifico do nivel da University of Groningen, na Holanda, imagina quantas coisas deixamos de entender por não observar suficientemente os fenômenos que acontecem diariamente ao nosso redor.

Precisamos observar caminhos inusitados para regenerar a vida num mundo que urge em ser repensado

Ainda no tópico das aranhas, existem mais de 47 mil tipos delas no planeta e praticamente todas são carnívoras. Mas o pesquisador Christopher Meehan, da Villanova University, da Filadélfia, descobriu no Mexico uma exceção. Uma aranha chamada Bagheera kiplingi, que, desafiando milhões de anos de determinação do seu DNA, se tornou vegetariana. Esse movimento radical é fruto de uma simbiose entre uma árvore de acácia e uma formiga que se abriga em seus pequenos brotos. A formiga ativa algum elemento químico no broto que atrai a aranha. Essa passa a se viciar na substância e praticamente abandona sua dieta de outros insetos. Um rito de transformação fascinante que muda a identidade alimentar de um animal e que, consequentemente, afeta toda uma cadeia de inter-relações. Se uma aranha em colaboração com uma formiga pode, o que impede que os humanos se inspirem em alguma nova dieta?

Outro exemplo fascinante é o de um estudo do renomado micólogo americano Paul Stamets sobre o uso medicinal que as abelhas fazem de cogumelos. Para previnir infestações virais, inflamações e produzir efeitos antixoxidantes elas se alimentam de cogumelos das famílias Reishi e Psilocybe (alucinógeno). Além de aumentar imunidade na população de suas colmeias, as abelhas aprenderam que essas substâncias podem, de fato, aliviar as pressões ambientais que sentem. O consumo de cogumelos habilita as abelhas a se protegerem dos impactos de saúde que elas sofrem no seu habitat. O mel produzido por elas armazena as substâncias psicodélicas e anti-inflamatórias que as abelhas precisam. Se os humanos observassem mais esses sinais, muita dor poderia ser reduzida da nossa existência.

As senhas se multiplicam no universo ao nosso redor. Precisamos observar caminhos inusitados para regenerar a vida num mundo que urge em ser repensado. O maior entrave na adoção de um modelo biocêntrico é a necessidade de expansão da consciência humana, seja na mudança do centro simbólico, seja na ampliação dos instrumentos de percepção. Isso nos capacitaria a observar e entender melhor os outros seres que nos cercam e as inter-relações que existem entre eles.

Marcello Dantas trabalha na fronteira entre a arte e a tecnologia em exposições, museus e projetos que enfatizam a experiência. É curador interdisciplinar premiado, com atividade no Brasil e no exterior

Os artigos publicados pelos colunistas são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam as ideias ou opiniões da Gama.

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