Vinho: como começar — Gama Revista
COLUNA

Isabelle Moreira Lima

Vinho: como começar

Essa coluna é uma carta endereçada a quem começa a desbravar os prazeres fermentados da bebida milenar, com dicas de cursos, livros, filmes

08 de Setembro de 2021

Vinho em lata, vinho em caixa, vinho em growler. Não há dúvida de que o vinho finalmente conseguiu quebrar as fronteiras de sua tradicional sisudez no Brasil e atingir um público maior e mais jovem. Era, afinal, a grande preocupação de produtores e importadores: como manter negócios prósperos através dos tempos se seus consumidores envelhecem e, inescapavelmente, morrem? Agora o setor deve respirar um pouco mais aliviado com o empurrão que ganhou da pandemia e elevou os índices de consumo.

Por mais tentador que seja, uso a máxima “não julgue o livro pela capa”, nem o vinho pelo rótulo

Esse rejuvenescimento do vinho pode ser visto a olhos nus em qualquer loja especializada ou até mesmo nas prateleiras de supermercado, onde rótulos tradicionais cada vez mais dividem espaços com etiquetas estampadas pela estética do nosso tempo — e aqui, por mais tentador que seja, uso a máxima “não julgue o livro pela capa”, nem o vinho pelo rótulo. E é por isso que esta coluna é, não só dedicada, mas uma carta endereçada a quem está começando a beber agora.

*

Querido jovem bebedor,

Começo esta mensagem a você pedindo licença a meu colega Eric Asimov, jornalista de vinhos do New York Times. Quero compartilhar aqui a sua lista de utensílios fundamentais para quem quer começar a beber vinho: um saca-rolhas, taças, um decanter e a bebida. O saca-rolhas não requer muito investimento: o melhor é talvez o mais barato, o abridor em duas etapas, conhecido como amigo do garçom. Uma vez que se domina a técnica, com ele, é possível abrir garrafas de olhos fechados.

Taça é um assunto mais polêmico, rende doutorado. Mas, para começar, uma do modelo Bordeaux, incolor e com haste, dará conta do recado. E por que tem que ser invariavelmente com haste? Porque é nela que você vai segurar para não alterar a temperatura da bebida. Ela também vai ajudar a treinar giros com o braço firme e o pulso flexível para que, no movimento e em contato com o oxigênio, o vinho libere mais aromas. A escolha pelo formato Bordeaux também está ligado a essa atividade (o giro) e à capacidade aromática da bebida, por oferecer espaço suficiente para que a bebida evolua. Ser incolor é importante para se ver bem a cor do vinho — que diz muito sobre ele: tintos vão ficando claros com a idade, enquanto brancos escurecem com o tempo.

Um decanter vai ser útil sim. Não é que você vai jogar tudo no decanter — embora eu me veja com essa vontade ultimamente –, mas ele pode ajudar vinhos jovens cheios de acidez e taninos ainda duros a ficarem mais palatáveis. Também é bom para separar sedimentos do fundo da garrafa. E, finalmente, para “abrir” vinhos que estão “fechados”. Traduzindo, é a mesma lógica do giro da taça, mas de forma mais radical: ao possibilitar o maior contato do oxigênio com a bebida, enaltecer aromas que podem estar ocultos num primeiro momento. Há decanters caríssimos, de todo tipo, mas até uma jarra de suco pode fazer suas vezes.

Por fim, a bebida. Nos dias de hoje, com o dólar a mais de R$ 5,20, beber vinho ficou caro. Por isso é preciso pesquisar. Se a sua ideia é conhecer os vinhos por região ou por uvas, sugiro um plano estratégico baseado em pesquisa. Não compre vinho só em supermercado ou em uma única importadora; não escolha só pelo preço. Procure lojas “multimarcas” e se informe também sobre a produção nacional, que tem crescido e feito coisas cada vez mais diferentes. Para quem quer o serviço mastigado, os clubes de vinho podem ser um bom jeito de começar. Há muitos por aí, alguns muito bons. Mas os mais legais são os menores, que tem uma curadoria bem dirigida, como Winet Club ou o da Sede 261.

Minha lista para você, companheiro bebedor iniciante, no entanto, vai além do que diz o Asimov. Sugiro que tenha um caderninho e que esteja com ele toda vez que sacar uma rolha. Anote o nome do vinho e a safra, as uvas que o compõem e qualquer outra informação sobre produção. Mais importante ainda: escreva suas impressões, o que gostou, o que não gostou. Com o passar do tempo (e das páginas), vai ser fácil entender melhor seu próprio paladar e relacionar escolhas da vinificação ao efeito na taça.

Achar sua turma do vinho também é bom demais. Hoje, troco ideias com meu grupo pelo WhatsApp — mandamos fotos de garrafas, dicas de preço e promoções, e nossas notas de degustação. À medida que os números dos vacinados aumentam é possível voltar a sonhar (planejar?) encontros em que cada um leva uma garrafa e todos provam de tudo. Nesses casos, minha dica é escolher um tema e cada um leva algo que enaltece uma característica da bebida.

Acredito também que os livros são fundamentais para um bom começo. O primeiro que li e que considero um excelente panorama para iniciantes é o do Ciro Lilla, dono da importadora Mistral e uma lenda no mercado de vinhos brasileiro. “Introdução ao Mundo do Vinho” (Editora Martins Fontes, ) saiu no ano passado na quinta edição revista e ampliada, traz noções das principais regiões e uvas, além de dicas do que prestar atenção na hora de degustar. Mais recente é o “Expert em Vinhos em 24 Horas” (Ed. Planeta) da Jancis Robinson, que com humor e informação precisa traça um panorama ainda mais rápido. Guarde o nome dela.

Beber vinho é uma delícia. E quando começamos a entender o porquê daquele prazer, ele ganha proporções ainda maiores

Mas se a sua sede de aprender é ainda maior, encorajo a matrícula em algum dos muitos cursos oferecidos em escolas especializadas e plataformas online. A Associação Brasileira de Sommeliers (ABS-SP) tem o mais tradicional; a Enocultura tem os badalados e ultratécnicos WSET (Wine and Spirits Education Trust), que conferem certificados internacionais. Eles também dão cursos mais específicos e rápidos (alguns são aulas avulsas) sobre uvas e regiões, assim como acontece no Ciclo das Vinhas, da sommelière Alexandra Corvo, tem desde as básicas até as mais avançadas, passando por aulas temáticas.

Por fim, para entender uma das regiões mais maravilhosas e, consequentemente, cultuadas, recomendo o documentário “Um Ano na Borgonha”, que vai iluminar a ideia sobre o que é terroir e como centímetros de distância de um lugar a outro, em um vinhedo, podem fazer diferença no que vai na garrafa.

Beber vinho é uma delícia. E quando começamos a entender o porquê daquele prazer, ele ganha proporções ainda maiores.

Saca essa rolha

UM TINTO, MUITOS PAÍSES
Uma uva excelente para se provar diferentes terroirs é a Syrah. Estrela da região do Rhône, na França, e com o aroma de pimenta do reino como principal característica, ela pode mostrar muitas outras características a depender do lugar de produção. Do Rhône, vai pedir um investimento de algumas centenas de reais. Se estiver disposto, procure por Croze Hermitage. No Brasil, temos larga produção no sudeste. Minha dica é provar o Primeira Estrada, que é um dos pioneiros na região. Do Chile, o Emocion Starry Night e o Odjfell Syrah, que é orgânico, podem mostrar bem do que o país é capaz com a casta. Da África do Sul, vem o Robertson Shiraz (lá ela muda de nome) e, da Austrália, onde a casta adquire uma volúpia inimaginável, vem os vinhos da Penfolds, que conseguimos encontrar com muito garimpo, no Brasil. A brincadeira pode sair cara, então vale esperar a possibilidade de reunir outros amigos interessados.

DOIS BRANCOS, MUITOS TERROIRS
Estou convencida que há duas castas brancas maravilhosas para verificar o poder do terroir: a Riesling e a Sauvignon Blanc. Para a primeira, procure por Chile, EUA e Alemanha. Para a segunda, vale Chile (vale de Leyda, especialmente), Brasil, França e Nova Zelândia.

UM TERROIR PARA SE EXPLORAR
Outro jeito de se jogar nos estudos é escolher uma região clássica e provar, de uma vez, mais de um rótulo da região. Começaria pelo Velho Mundo, como são chamados os países produtores da Europa. Bordeaux, Borgonha, Rioja, Douro, Alentejo são alguns bons pontos de partida.

Isabelle Moreira Lima é jornalista e editora executiva da Gama. Acompanha o mundo do vinho desde 2015, quando passou a treinar o olfato na tentativa de tornar-se um cão farejador

Os artigos publicados pelos colunistas são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam as ideias ou opiniões da Gama.

Quer mais dicas como essas no seu email?

Inscreva-se nas nossas newsletters

  • Todas as newsletters
  • Semana
  • A mais lida
  • Nossas escolhas
  • Achamos que vale
  • Life hacks
  • Obrigada pelo interesse!

    Encaminhamos um e-mail de confirmação