Coluna da Isabelle Moreira Lima: Chegou dezembro, o sábado do ano — Gama Revista
COLUNA

Isabelle Moreira Lima

Chegou dezembro, o sábado do ano

Como acertar no vinho que vai levar a um dos muitos eventos da estação? E o que comprar de presente para o amigo que ama a bebida? Esses e outros dramas esmiuçados aqui

01 de Dezembro de 2021

Dezembro é o sábado do ano. Cresci ouvindo essa máxima da minha sábia mãe, que, com tino para os negócios, focava em roupas de festa e, no fim do ano, invariavelmente garantia o melhor mês de sua butique neste imenso sabadão baladeiro. Com o mesmo ímpeto, curtia as festas. Eu, por minha vez, me sinto oprimida pelos afazeres, cansada pelos prazos que se apertam como paredes movediças de um filme de terror, e, logo, vejo qualquer oportunidade de curtição e relaxamento como algo muito bem vindo. Sem falar que filha de peixe peixinho é e jamais desperdiçaria qualquer possibilidade de celebração. Na minha cabeça, funciona mais ou menos assim: celebração = encontro = amigos ao redor da mesa = comida + bebida.

Adapto o aforismo de minha mãe e digo que dezembro, além de ser o sábado do ano, pode ser uma imensa feira de vinhos. São muitas as chances de se abrir garrafas. Você é convidado para um jantar? Um tinto ou um branco. Tem um piquenique e não preparou nada? Por que não um rosé? Vai a uma festinha? Um espumante sempre cai bem. Além disso, as garrafas quebram o maior galho como presentes, seja de improviso, algo legal que se tem em casa, ou de caso pensadíssimo, eleito especialmente para um amigo — e quantos amigos secretos e explícitos presenteamos em dezembro, não é mesmo?

Tá tudo muito lindo na teoria. Mas uma amiga me perguntou: “Como acertar? Queria uma lista de vinhos para inovar nas festinhas de fim de ano sem parar no cheque especial. Por exemplo, adoraria saber um vinho esperto, com esses rótulos modernos que a gente vê no Instagram”. Elementar, minha cara amiga. Mentira, no vinho nada é exatamente elementar, tudo é meio… depende.

Dezembro, além de ser o sábado do ano, pode ser uma imensa feira de vinhos. São muitas as chances de se abrir garrafas

Esses rótulos existem. E ao ler meu grande amigo (que infelizmente não tem conhecimento dessa relação pois trata-se de algo parassocial como a Gama explicou aqui) Eric Asimov mais cedo solidifiquei a ideia de que a ocasião é que faz um vinho ser “o vinho certo”. Há casos em que um Pinot Noir chileno é melhor que um grand cru (as parcelas mais especiais de um vinhedo) da Borgonha (a região onde esta uva se expressa melhor). Afinal, nem sempre a bebida deve estar no palco, ela pode ser um acessório para uma noite agradável, e não é todo dia que queremos fazer do ato de beber vinho um exercício solene ou cerebral — às vezes, a gente só precisa se divertir.

Esmiuçando a dúvida da minha amiga: inovar nas festinhas. Aí há alguns caminhos, mas todos eles levam à descomplicação, vinhos mais alegres, pouco complexos, com mais fruta e menos corpo. Entre as tintas, uvas como Gamay, Pinot Noir, Garnacha, Sangiovese; dos brancos, os vinhos verdes (ainda mais nesse calor!), Alvarinhos, Muscadets, Pinot Gris (ou Grigio, como é mais chamado por aqui) e Vermentinos; os rosés espanhóis, que não tentam emular a tonalidade clarinha e elegante da Provence; os pét-nats que deixam claro seu parentesco com a Kombucha para os eventos mais descolex; e os jerezes Fino e Manzanilla, que deram a volta e de coisa de vovô passaram a último grito dos modernos. É possível ainda inovar na forma, uma vez que hoje há caixas, growlers e latas de vinhos (procure os Vinhos de Combate e as latas Arya).

Minha amiga diz ainda “sem parar no cheque especial”. Aí, brasileiras e brasileiros, tem que ter garra e criatividade. Garra para pesquisar muito, ver que vinho dentro do que você deseja cabe no seu bolso. É difícil, mas não impossível. Há produtores nacionais com coisa boa e barata, e a dica aqui é focar neles. A criatividade fica por conta do que é possível fazer para conseguir desconto: comprar uma caixa em conjunto com amigos pode garantir boa porcentagem em determinadas lojas ou mesmo direto nas vinícolas.

Para um vinho inovador, a chave é o produtor: alguém siga uma agricultura amiga do meio ambiente e cuja filosofia de trabalho seja pautada pela ética

Por fim, como buscar “esses rótulos modernos que a gente vê no Instagram”? Bem, chegamos à parte mais arriscada. Rótulos modernos me dão medo. Isso porque eles são indicativos de absolutamente nada. É claro que há vinhos excelentes com rótulos lindos, maravilhosos, que você e eu temos vontade de enquadrar. Mas tem outros que trazem apenas essa estampa e decepção na taça. Talvez o rótulo seja como uma espécie de maquiagem justamente para esconder a mediocridade da bebida. Deixar de comprar um vinho porque seu rótulo é antiquado pode ser uma tremenda cilada também — um dos meus vinhos favoritos tem o rótulo mais careta do mundo ocidental, o Soave Brigaldara, já falei dele aqui algumas vezes, que é apenas o suprassumo da delícia italiana.

Volto à ideia da ocasião. Se o que se quer é ter algo inovador, moderno, a inovação e a modernidade estão, na verdade, no produtor. Ser moderno — contemporâneo talvez fosse uma palavra mais apropriada –, hoje em dia, tem a ver com estar ligado às preocupações do mundo. No vinho, o meio ambiente é central e é preciso ver o método de agricultura (o menos agressivo ambientalmente), com o processo de vinificação (quanto menos química for possível), com a filosofia de vida e de trabalho, que vão até as relações trabalhistas da vinícola. É claro que você não vai dar um Google de seis horas em frente à prateleira do supermercado, mas ficar minimamente ligado nessas informações e registrá-las na cabeça pode ser um jeito de comprar algo que tenha mais a ver com você, algo mais inovador e mais contemporâneo.

Saca essa rolha

VINHOS PARA UMA FESTINHA
O La Posta Rosé Malbec 2021 tem corpo, fruta e frescor para festa. Traz um lance meio iogurte, meio bala que o deixa mais divertido no nariz, e que é equilibrado pela acidez na boca. O Bodega Sossego Tinto é simples, um pouco funky, mas macio, com fruta boa na boca e acidez correta. Feito com três variedades de três origens do RS, e tem um rótulo lindinho. Se é piquenique, leve o Esporão Bico Amarelo geladinho e aproveite os aromas cítricos, o corpo levíssimo, uma doçurinha resitual e a gradação alcoólica baixa.

VINHOS PARA UM FESTA MODERNA
Natal descolado tem que ter vinho de pequeno produtor, quem sabe um laranjinha, como o Aquí Estamos Todos Locos Maticha, ou o italiano Dettori Renosu, que é elegantísso. Penso ainda no Pét-Nat de Glera da Casa Viccas, ou ainda no Velho do Museu Gewurztraminer, uma raridade que tem despertado paixões por aí. Para os amantes dos tintos, um tiro certeiro é o La Part du Colibri Gamay 2020.

VINHOS PARA UM NATAL CLÁSSICO
Para abrir a festa, o espumante 3B da Filipa Pato é lindo, sequinho, tostado e delicioso, vale tanto o brut blanc de blancs (feito com o Chardonnay), quanto o rosé. (Aliás, guarde o nome da produtora, qualquer vinho dela vale!) Um branco maravilhoso que vai com toda a ceia é o Quinta das Carvalhais, que é um corte de Encruzado e Verdelho, e se vc nunca provou a primeira uva, por favor corra para procurar, untuosa e estruturada mas sem perder a acidez jamais. Um tinto esplêndido e com total potencial de harmonização é o Pinot Noir da Alsácia Domaine Rominger. Se o orçamento for menor, o delicioso Niepoort Dão é uma alternativa elegante.

PARA PRESENTEAR UM AMIGO MODERNO
Agora algumas ideias entre os tais rótulos sucesso de Instagram: um pét-nat australiano divertido e espirituoso como o Weeping Juan ou o um branco feito com Chenin Blanc na África do Sul como o Force Celeste, que é chique e elétrico, vão deixar seu amigo grato para sempre.

Isabelle Moreira Lima é jornalista e editora executiva da Gama. Acompanha o mundo do vinho desde 2015, quando passou a treinar o olfato na tentativa de tornar-se um cão farejador

Os artigos publicados pelos colunistas são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam as ideias ou opiniões da Gama.

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