Isabelle Moreira Lima
Vinho na promoção? Eis a questão
Uma análise minuciosa da oferta com base na sua própria demanda pode levá-lo a uma adega cheia e feliz para todo o verão
Fim de novembro chega aquela temporada em que as caixas de e-mail ficam inundadas de avisos de promoções de toda sorte. Sem o devido cuidado, os cartões de crédito acabam tão utilizados que praticamente ganham vida própria — é como se pulassem das mãos dos consumidores para digitar, eles mesmos, seus números de identificação na tela. Pode ser uma delícia, pode ser uma catástrofe. Há de se fazer alguns questionamentos: tudo o que é oferecido e captura o olhar terá utilidade ou, como diria Marie Kondo, trará felicidade? Os descontos são reais? É tentador, mas é possível pagar? Se você é um bebedor de vinho como eu e está de olho nas promoções de rótulos, incluo aí um complicador: estarão esses vinhos em boa forma? Como escolher com segurança?
Segurança-segurança é algo que talvez não exista mais sobre a Terra, mas há maneiras de evitar ciladas e, quem sabe, fazer estoque para o fim de ano e até o verão. A primeira (e mais óbvia) delas é a pesquisa, fazendo um cruzamento entre a sua própria demanda com a oferta das lojas. O que você gosta de beber? Quando quer beber? De que estilo gosta mais?
O próximo passo é analisar o que está em oferta e derrubar o que não está dentro do seu perfil de bebida. Do que sobrar, é hora de ver se o preço é justo. Infelizmente virou tradição que antes da Black Friday as lojas aumentem o valor cobrado pelos produtos. Não é teoria da conspiração, mas uma pesquisa do Instituto Brasileiro de Executivos de Varejo (Ibevar) que mostrou reajuste para todas as classes de produtos pesquisados na primeira quinzena de novembro. Vale então fazer o básico: jogar o nome do vinho com safra no buscador e comparar o preço cobrado em diferentes canais.
Comprar vinho na promoção é como um bom jogo de xadrez — o único perigo é levar um xeque-mate financeiro
É importante também analisar seu orçamento e ver se um desconto real de 60% é um achado para você ou se vai te fazer desembolsar uma quantia que normalmente você não gastaria (e aqui falo por mim, que facilmente caio no conto do Chablis). Se o final da análise for feliz e o preço for viável, veja as safras, afinal, essa é a hora em que as lojas e importadoras querem livrar-se dos vinhos já cansados, que já estão longe de seu auge e quando se vê o walking dead da enofilia, quando os que “já morreram” (no jargão de quem trabalha na área) saem para passear. Descarte os brancos com mais de três anos de idade (a não ser que você esteja gastando algumas centenas de reais com um Riesling Grand Cru, por exemplo, ou um Alvarinho de alta gama) e os tintos com mais de quatro (mais uma vez, a não ser que seja um vinho de guarda). Quanto mais barato, mais jovem deve ser o vinho.
Se alguma região desconhecida chamou atenção e você quer explorá-la, sugiro uma busca no nome do produtor e nas castas mais bem sucedidas no local para ter certeza de que será uma surpresa agradável. Muitos sommeliers sugerem a ousadia para experimentar novas variedades de uva, novas regiões. Eu talvez seja um pouco conservadora: com medo da frustração e com pena do meu bolso acabo levando vinhos feitos com castas que são típicas de suas regiões. No Chile, por exemplo, prefiro o Pinot Noir de Casablanca ao de Maule; na Argentina, dou preferência ao Pinot da Patagônia, não de Mendoza.
Como toda regra tem sua exceção, acredito que os naturais permitem mais aventura. Geralmente são produtores impetuosos e que experimentam diferentes estilos com castas pouco conhecidas. Luis Henrique Zanini, por exemplo, faz um belíssimo Peverella, o Era dos Ventos.
Há uma semana tenho mais de dez abas constantemente abertas no meu navegador com diferentes lojas que me atacam diariamente na caixa de entrada, e outras dez com publicações que resenham vinhos, além dos meus guias de mesa, como o do Hugh Johnson e o Oxford Companion to Wine, para checar castas e regiões. Talvez esse método seja cabeçudo demais pra você, e você já esteja cansado. Mas, para mim, é como um fascinante quebra-cabeças de mil peças, um bom jogo de xadrez. O perigo é levar um xeque-mate financeiro, afinal, quanto mais descubro, mais quero provar.
Por fim, chego à última questão, se é melhor comprar várias unidades de um mesmo rótulo conhecido e aprovado, ou uma seleção variada de vinhos. A depender do orçamento, eu diria, um mix dos dois, mas sem exageros. Como sugere a sommelière Maria Senna, com quem troco infinitas mensagens a cada vez que preciso comprar algo, tem que investir na variedade. O que ela diz é que se você só toma seu favorito, uma hora ele perde o brilho. “Não vai ter mais o dia em que você diz ‘não acredito que estou vivendo isso!’”, ela afirma. Segundo ela, o segredo é beber os vinhos nos quais pira de vez em nunca e aí ter uma experiência que transcende tudo.
Saca essa rolha
PARA GASTAR MENOS DE R$ 40
O Salton Paradoxo Chardonnay 2019 pode ser um desses para comprar de volume. É simples, mas honestíssimo.
PARA GASTAR MENOS DE R$ 60
Um corte de Grenache 54%, Mourvèdre 20%, Carignan 26%, o Las Veletas Tradition GMC 2017 é aclamado pela crítica, feito por uma vinícola que preza pela elegância e pelo frescor. Da mesma vinícola, o Sauvignon Blanc está com preço camarada.
PARA GASTAR MENOS DE R$ 80
Não é vinho, mas é como se fosse da mesma família, uma prima, a sidra Eric Bordelet Sidre Brut é divina. Os vinhos Bojador são incríveis, então vale investir no Bojador Rosé 2017 , mas, pela idade, tem que ser bebido imediatamente.
PARA GASTAR MENOS DE R$ 100
Essa é a faixa de preço com coisa mais interessante. O Ombu Sauvignon Blanc é um vinho para acompanhar o ceviche do dia mais quente, ou pra levar à piscina. Um branco mais chique, para uma noite especial, é o Basilisco Vino Bianco Sophia 2018. O Cava Pere Ventura Cava Tresor Brut Rosé é elegante e vale para celebrar o fim do ano, lavar a boca entre uma garfada e outra e lavar a alma desse ano doido. O Krohn Porto Ambassador Ruby vai melhorar muito as sobremesas do Natal.
Isabelle Moreira Lima é jornalista e editora executiva da Gama. Acompanha o mundo do vinho desde 2015, quando passou a treinar o olfato na tentativa de tornar-se um cão farejador
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