Etarismo e diversidade no mercado de trabalho — Gama Revista
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Isabela Durão

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Reportagem

Etarismo e diversidade no escritório

Apesar do envelhecimento dos brasileiros, profissionais com mais de 50 anos seguem encontrando barreiras no mercado de trabalho

Leonardo Neiva 24 de Setembro de 2023
Isabela Durão

Etarismo e diversidade no escritório

Apesar do envelhecimento dos brasileiros, profissionais com mais de 50 anos seguem encontrando barreiras no mercado de trabalho

Leonardo Neiva 24 de Setembro de 2023

Quando deixou o cargo de supervisora administrativa na Editora Abril, onde trabalhou por 26 anos, a paulistana Rosely Queiroz saiu à caça de emprego. Então com 42 anos, chegou a ser chamada para uma entrevista numa agência onde tinha interesse em trabalhar. O que parecia ser uma grande oportunidade, no entanto, acabou se mostrando uma decepção.

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“A recrutadora me ofereceu um terço do salário que eu ganhava na época, justificando que, naquela idade, era o máximo que poderia ganhar”, conta Queiroz, que na época já tinha pós-graduação em administração de empresas. “Saí dali me sentindo humilhada e extremamente desvalorizada. Tanto que fiquei totalmente desencorajada para buscar uma nova recolocação.”

O impacto foi tanto que a profissional, hoje com 67 anos, acabou optando por uma transição na carreira: engatou uma nova pós, dessa vez num curso de psicoterapia transpessoal. “Mesmo tendo experiência e qualificação, isso praticamente em nada modifica as situações de etarismo que já passei”, afirma.

A história de Rosely não é nenhuma raridade no mercado de trabalho. Se 56 milhões de brasileiros já ultrapassaram a linha dos 50 anos, segundo estimativa do site Longevidade, a faixa etária representa menos de 5% dos funcionários das empresas no país, de acordo com o IBGE. E 78% dos profissionais já vivenciaram discriminação por conta idade no ambiente de trabalho, segundo estudo da organização estadunidense AARP.

“Há várias contradições”, declara o jornalista e publicitário Mauro Wainstock, que é consultor em diversidade etária. “Se o profissional 50+ pode liderar as principais empresas brasileiras e pertencer inclusive ao conselho delas, por que não pode exercer cargos em outras hierarquias nessas próprias organizações?”

Além disso, segundo Wainstock, ao deixar de lado essa parcela relevante da população, as empresas ignoram um diferencial que tem a ver principalmente com a experiência, seja em décadas de aprendizado ou vivências como a passagem por crises financeiras, bagagem que jovens profissionais ainda estão longe de carregar.

À frente da Maturi, agência focada em diversidade etária e oportunidades para profissionais acima de 50 anos, o engenheiro de software Mórris Litvak reconhece que as empresas brasileiras ainda têm um longo caminho a percorrer dentro do tema. Segundo ele, os mais velhos seguem sendo vistos como menos adaptáveis ou mais caros para manter no ambiente corporativo. “Nossa cultura ainda é jovem-cêntrica devido a um estereótipo antiquado e errôneo sobre o envelhecimento”, considera.

Nossa cultura ainda é jovem-cêntrica devido a um estereótipo antiquado e errôneo sobre o envelhecimento

Apesar dessa disparidade no mercado atual, a professora e pesquisadora Maria José Tonelli, do Departamento de Administração Geral e Recursos Humanos da FGV, lembra que etarismo vale para todas as idades. “Também existe um preconceito dos mais velhos contra os mais jovens”, aponta a pesquisadora. “A gente escuta de muita gente que o jovem é preguiçoso ou não quer trabalhar, um estereótipo que surge de várias formas.”

Muitas empresas hoje lançam programas de treinamento voltados para jovens, especialmente da periferia, como uma porta de entrada para o ambiente corporativo. Apesar da proposta, ainda é comum gestores esperarem que o profissional chegue pronto, independentemente da idade, diz a consultora e antropóloga especializada em consumo Hilaine Yaccoub. Até por isso, ela aponta, é raro um lugar onde os mais jovens se sintam à vontade para dar suas opiniões.

“Então como falar de forma a ser escutado? Mais do que lugar de fala, é um poder de escuta. Mesmo sem a pessoa ter certeza, será que essa ideia não pode ser jogada em terra fértil para ser julgada por todos?”, questiona a especialista. De acordo com Yaccoub, ninguém quer ser diminuído, ainda mais no ambiente profissional, vergonha que atinge mais fortemente os jovens recém-chegados ao ambiente corporativo. Esse temor e a falta generalizada de um ambiente convidativo acaba impedindo que as trocas ocorram de forma mais frequente e natural, diz.

O impacto da diversidade

Mas afinal, como a diversidade etária pode impactar uma empresa? Um estudo da SHRM Foundation concluiu que compartilhar o conhecimento entre profissionais de diferentes idades e backgrounds gera um ambiente mais acolhedor, aumentando a motivação e produtividade. “Estudos globais apontam que empresas que valorizam e promovem a convivência harmoniosa entre trabalhadores de várias idades alcançam resultados financeiros melhores em comparação com as que não investem neste quesito”, afirma Wainstock.

Outra pesquisa da Fundação AARP mostra que os próprios líderes de empresas concordam com essa visão. 85% deles consideram que forças de trabalho multigeracionais são cruciais para o crescimento e sucesso a longo prazo de seus empreendimentos.

Mulheres sofrem mais que os homens com o preconceito etário, e mulheres negras ainda mais

E existe uma questão prática que torna essa demanda ainda mais urgente. “A estimativa é que, em 20 anos, a maior parte da população brasileira tenha mais de 50”, pondera Tonelli. “Então você precisa passar a ter profissionais mais velhos, porque não haverá mais tantos jovens disponíveis no mercado.”

Segundo a professora, hoje é possível que quatro gerações diferentes convivam num mesmo escritório. A junção pode ser enriquecedora tanto em termos de idade quanto de gênero e raça, ajudando a ampliar os horizontes dos profissionais, diz Tonelli. E toda essa diversidade também pode se traduzir em oportunidade de negócio. “Existe uma população mais velha que quer ser consumidora. Esse público precisa ser compreendido por pessoas nessa mesma condição.”

Um elo entre preconceitos

Em junho, um grupo de pesquisadores chegou a uma conclusão preocupante: ao contrário dos homens, as mulheres sofrem com o etarismo em todas as idades no mercado de trabalho. No artigo publicado na Harvard Business Review, estudiosos apontam que as jovens em posições de liderança costumam ser diminuídas no dia a dia da empresa, como se não tivessem a experiência necessária para ocupar o cargo. Por outro lado, o estudo mostra que mulheres acima de 40 ou 50 anos também não têm sua experiência profissional valorizada como a de homens dessa mesma faixa etária.

“Quando é jovem, é por ser muito nova; quando tem de 25 a 30 anos, é porque vai querer ter filhos; e, depois dos 40, por ‘estar muito velha’. Então a mulher sofre preconceitos por diferentes condições etárias ao longo da vida”, resume Tonelli. Essa realidade, segundo a professora, faz parte da interseccionalidade entre preconceitos, que significa que questões como racismo, sexismo e etarismo estão profundamente conectadas. “Mulheres sofrem mais que os homens com o preconceito etário, e mulheres negras ainda mais.”

A gente escuta de muita gente que o jovem é preguiçoso ou não quer trabalhar, um estereótipo que surge de várias formas

Durante a árdua jornada para encontrar um novo emprego aos 42 anos, por exemplo, a administradora Rosely Queiroz chegou a conseguir uma colocação numa empresa de tecnologia onde era a funcionária de idade mais avançada. Ela conta que, nos 11 anos que passou na empresa, embora tivesse bom relacionamento com os colegas de trabalho, era comum ouvir questionamentos sobre sua aposentadoria.

“Me perguntavam se não estava na hora de eu me aposentar”, conta Queiroz. “Será que, por que você está mais velho, emburreceu? Jogou fora ou esqueceu a experiência adquirida em tantos anos de trabalho?”

Caminhos possíveis e ruas sem saída

Como boa parte das empresas brasileiras hoje ainda não tem programas específicos para ampliar sua diversidade etárias, especialistas no assunto sugerem formas relativamente simples de lidar com o tema no dia a dia corporativo.

Para Mauro Wainstock, o ideal é começar aplicando treinamentos e guias sobre diversidade, incorporando esses conceitos aos valores da companhia. Construir um ambiente acolhedor para todas as necessidades, com a possibilidade de trabalho remoto, horários flexíveis e programas personalizados de bem-estar, segundo o consultor, é outra ação importante.

Além disso, Wainstock também sugere programas que promovam o intercâmbio geracional, a valorização dos diferentes tipos de conhecimento e experiência, além de cursos para aprimorar as habilidades comportamentais dos colaboradores. “Implemente a escuta ativa através de constantes pesquisas, canais amigáveis de comunicação e ferramentas de denúncias. Ouvir e atuar concretamente faz a diferença”, conclui.

Atuando diretamente com o público 50+, a Maturi costuma promover palestras, programas de conscientização e consultorias para tornar as empresas mais inclusivas — processo que, segundo o CEO Mórris Litvak, vai do RH aos gestores e membros das equipes. A empresa também participa de todo o processo de divulgação de vagas, atração de candidatos e contratação.

Para Tonelli, em processos seletivos, pode ser uma boa ideia implementar a mesma política que muitas empresas adotam para questões de gênero e raça, evitando que a idade do candidato conste no currículo. A especialista sugere também programas de mentoria em que profissionais mais jovens e mais velhos se apoiem e troquem conhecimento mutuamente.

Ela admite que o etarismo ganhou visibilidade e interesse ao longo da última década. No entanto, esse segue sendo um tipo de preconceito muito menos abordado do que o racismo ou o machismo. “E é algo sentido por todo mundo. Vamos todos ficar velhos um dia, se tivermos sorte. Precisamos de políticas públicas para mudar esse quadro”, afirma.

Se teve dificuldade no final dos anos 1990 para encontrar um novo trabalho, Rosely Queiroz não enxerga hoje, aos 67, um panorama muito diferente do que enfrentou na época. “O mercado diz que está em busca de profissionais da terceira idade, mas vejo somente como marketing do politicamente correto. Na realidade, as ações são tão mínimas que não faz diferença”, declara.

Atualmente, a profissional trabalha de forma autônoma como administradora numa empresa de eventos. “Hoje me sinto útil, tenho minha importância dentro da empresa, mas ainda sei que posso mais. O que falta é a oportunidade.”