Já começou a pensar na sua aposentadoria?
Tarefa difícil para muitos, se preparar financeiramente para envelhecer é um desafio que não podemos adiar
Qual a hora certa de começar a poupar dinheiro e se planejar financeiramente para o futuro? Se perguntar a diferentes economistas ou especialistas em finanças pessoais, o mais provável é que você receba respostas semelhantes: o quanto antes. E eles não estarão brincando.
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Hoje já é consenso que, quanto mais cedo você começa a se planejar para uma velhice confortável, melhor. Ou seja, o ideal é lá no estágio ou mesmo no primeiro emprego já ir pensando em poupar uma graninha para começar a juntar dinheiro de forma constante. Mas, é claro, a realidade nem sempre corresponde a esse modelo um tanto utópico.
Uma prova é que cerca de 61% dos brasileiros não conseguem guardar nenhum dinheiro para poupança ou investimentos, segundo a pesquisa Pulsos 2023, da Ipsos. E trata-se de um desafio ainda mais premente considerando que a população brasileira está envelhecendo — a expectativa de vida chegou a 76,4 anos por aqui em 2023, segundo o IBGE, ultrapassando os índices pré-pandemia.
Para a consultora de comportamento financeiro Ana Leoni, colunista do Valor Investe, o jovem hoje se sente muito distanciado desse seu eu futuro. “E a longevidade está colocando essa referência ainda mais distante”, afirma Leoni, que também apresenta o podcast de finanças “Pod Isso, Meninas?” e é CEO da Planejar, associação especializada em planejamento financeiro.
Outro fator que se precisa levar em conta é que vivemos uma realidade diferente da de nossos pais e avós. Em primeiro lugar, o poder de compra em alguns casos está longe de ser como era. Aquela história que muitos estão cansados de ouvir, de que “na sua idade eu já tinha casa própria”, não é só culpa de quem está entrando no mercado de trabalho nas condições atuais. Basta dar uma olhada nos números para perceber que os valores dos imóveis estão incompatíveis com os ganhos da grande maioria da população.
Ao mesmo tempo, também temos uma infinidade de incentivos ao consumo que nem sempre conseguimos driblar. A psicóloga, economista e planejadora financeira Maria Helena Manso lembra que vivemos uma lógica extremamente imediatista, que encontra uma dificuldade enorme de pensar no futuro. “A gente tem uma sociedade mais consumista e perigosa”, afirma a especialista. “É uma sociedade que faz mais dinheiro, mas que gasta mais também.”
A gente tem uma sociedade mais consumista e perigosa, que faz mais dinheiro, mas que gasta mais também
Manso exemplifica com o caso de um paciente que começou a receber um salário maior. “Mudou de profissão, o salário dobrou e pouquíssimo tempo depois as despesas triplicaram”, conta. Segundo a psicóloga, esse é um dos quadros mais comuns. Quando sentimos que nossa situação financeira está melhor, mesmo que só ligeiramente, diz a especialista, já fazemos uma conta mental: posso gastar com isso e aquilo, passando a assumir vários compromissos sem nenhum planejamento.
Ontem, hoje e amanhã
Para muita gente das novas gerações, já caiu no limbo a ilusão de que será possível viver de forma razoável até uma idade avançada apostando apenas num INSS que vive em eterna crise. Ainda assim, de acordo com um levantamento da Anbima (Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais), apenas duas em cada dez pessoas estão se preparando financeiramente para a aposentadoria. E metade da população ainda acredita que o INSS vai compor a maior fatia da sua renda lá na frente.
“Antes, você tinha uma expectativa de vida menor, e a previdência social, de fato, garantia uma aposentadoria”, aponta Leoni. “Agora a gente não vai mais conseguir depender do governo para isso. Essa nova geração tem o desafio da longevidade e também um desafio econômico.”
Esse último ponto tem a ver com a própria estruturação atual do mercado de trabalho, com o desemprego entre os jovens pontuando acima da média nacional. Esses mesmos jovens também recebem uma renda menos constante do que a das gerações anteriores e enfrentam uma fluidez muito maior nas vagas de emprego.
“Antes, você entrava numa empresa e saía depois de 30 anos já aposentado. Essa geração tem que entender o senso de urgência da previdência, da garantia de um futuro com uma renda possível de se sustentar. É algo de que tem que correr atrás, eles não podem delegar isso para ninguém”, declara a consultora.
Por outro lado, também é natural que os jovens tenham uma série de outras prioridades, desde contas a pagar até planos mais ambiciosos como deixar a casa dos pais, que simbolizam o início da vida adulta. É o que traz à tona o especialista em planejamento Gabriel Silva, da empresa de educação financeira Investindo Grana: “Quando jovem, a gente foca muito no que está em primeiro plano. O que está em segundo, naturalmente, fica borrado.”
Até por essas prioridades e momentos diferentes que cada um vive, a planejadora financeira Marcia Dessen aponta que qualquer plano relacionado a dinheiro precisa estar associado a um plano maior para a vida. “Não tem receita de bolo nem tamanho único. Cada caso é um caso e depende de vários fatores”, afirma.
Por isso, cada um precisa identificar as prioridades, o custo de cada uma e tomar decisões de acordo com elas. E, para fazer esse cálculo, é importante manter uma consciência e um controle das próprias finanças que pouca gente de fato tem, diz Dessen. “Você precisa estabelecer percentuais da renda familiar que serão destinadas às coisas em ordem de prioridade.”
Silva também enfatiza que é crucial buscar um planejamento que alcance o delicado equilíbrio entre presente e futuro. “Senão, você vai tendo cada vez mais urgências e o que é importante, de fato, que é pensar no futuro sem deixar de viver o hoje, vai ficando de lado”, afirma.
Por uma educação financeira
De acordo com a jornalista e coach financeira Mônica Costa, CEO da startup Negrana e especialista em finanças para mulheres negras, a maioria das pessoas começa a se preocupar de fato com o futuro financeiro por volta dos 35 anos. O que, veja bem, não significa que elas vão imediatamente começar a poupar ou investir.
“Eu atendo muitas pessoas que se preocupam com isso há um tempo considerável, mas que ainda não conseguiram iniciar efetivamente esse processo”, conta Costa, que atua exclusivamente com a população negra.
Para ela, as condições financeiras nem são o maior empecilho para iniciar esse planejamento, mas sim a falta de uma educação sobre o tema no país — no ranking de países da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), ocupamos a antepenúltima posição quando o assunto é educação financeira. Além disso, diz a especialista, o estímulo ao parcelamento e ao uso extensivo do cartão de crédito cria uma lógica que estimula as pessoas a gastarem o que não têm, com a intenção de pagar sempre lá na frente — esquecendo que esse momento sempre chega.
“Eu tenho muitos alunos e alunas que recebem três mil reais, dois salários mínimos, e conseguem guardar parte do que ganham para começar a pensar nessa aposentadoria. Em contrapartida, outros que ganham mais de 100 mil reais não têm um centavo guardado. Porque tem a ver com a organização e não com o montante de recurso que você acessa”, reforça Costa.
O acesso a uma educação financeira de qualidade é também necessário para a autoproteção de uma parcela da população que vive com somente um salário mínimo — que já é cinco vezes menor que o ideal, diz a especialista em finanças para mulheres negras. “Então organização financeira significa ter a tranquilidade de saber que qualquer tipo de imprevisto pode ser resolvido, porque existe um recurso pensado para isso. E possibilita reduzir essa ansiedade que atravessa a maioria de nós com medo do amanhã.”
O melhor momento
Outro ponto que grande parte dos especialistas em finanças reforça é que nunca é tarde demais para começar a se planejar. Portanto, mesmo que tenha demorado, não desanime desse processo. Mas é preciso ter consciência de que, se você só passou a se preocupar com o assunto aos 45 do segundo tempo, tanto o desafio quanto os pequenos sacrifícios cotidianos serão maiores.
Dependendo da fase da vida que está vivendo, é provável que você tenha mais responsabilidades — com família, aluguel etc. —, e a fatia do bolo que vai precisar poupar ou investir “tende a ser maior quanto menos tempo você tiver”, reforça Costa.
Apesar de termos um caminho financeiro menos definido a percorrer do que as gerações anteriores, ela aponta que também existem mais ferramentas e conteúdos disponíveis, onde é possível aprender sobre temas como previdência privada e outros tipos de investimentos. “Claro que você tem que tomar cuidado com o que está sendo dito, para que aquilo se aplique à sua realidade”, alerta.
Às vezes a gente deixa de colocar 100 reais em investimento porque parece pouco, mas isso faz muita diferença ao longo do tempo
Para a psicóloga e economista Maria Helena Manso, não tem segredo: se a pessoa já tiver aos 20 anos a meta de guardar e investir dinheiro, as ações necessárias ficam muito mais leves. O que não pode é ir adiando esses planos indefinidamente, o que acaba acontecendo com frequência. “Quanto mais cedo você começa a construir o futuro financeiro, mais barato ele fica”, pontua.
Como exemplo disso, a planejadora financeira Marcia Dessen dá como exemplo o RendA+, título público do Tesouro Nacional criado para complementar a aposentadoria. Num cálculo simples feito na página do projeto, uma pessoa hoje com 30 anos precisa investir apenas R$ 133 ao mês para garantir uma renda extra de R$ 5 mil mensais caso se aposente aos 65.
Porém, se começar a poupar só aos 40, essa cifra praticamente triplica, saltando para cerca de R$ 375. “Então esse é um dos maiores argumentos que provam que, quanto mais cedo você começar a pensar em aposentadoria, menor será o seu esforço.”
“O melhor momento é quando você percebe que precisa, quando cria uma autoconsciência em relação a isso”, afirma o planejador financeiro Gabriel Silva. Para alguns, segundo ele, significa buscar uma orientação financeira; para outros, estruturar uma reserva ou até contratar uma previdência privada. “Às vezes a gente deixa de colocar 100 reais em investimento porque parece pouco, mas isso faz muita diferença ao longo do tempo.”
As fatias do pudim
Nessas horas, um discurso que reforce apenas a privação no presente acaba não sendo o melhor caminho, diz Leoni. Para sensibilizar as pessoas sobre a importância do planejamento, ela prefere fragmentar em diversos pedaços esse horizonte que ainda pode parecer distante.
“As pessoas só falam de superação, mas independência financeira não é um lugar em que você chega, como se estivesse escalando uma montanha. Descer pode ser tão difícil quanto subir”, destaca a consultora de comportamento financeiro. “Quando a gente coloca a independência financeira como uma questão cotidiana de liberdade de decisões, consegue seduzir mais os jovens. Porque independência é a viagem que ele quer fazer no ano que vem, mas também uma escolha para daqui a dois ou cinco anos.”
Leoni destaca que cuidar da saúde financeira não é muito diferente de dar atenção à saúde física: “Não adianta só fazer atividade física se você não cuida da alimentação, e não adianta comer bem se você é sedentário.” Por isso uma recomendação é diversificar os investimentos: não colocar todos os recursos em imóveis, por exemplo, que mais tarde serão mais difíceis de transformar em patrimônio líquido para alguma necessidade.
Além disso, tentar prever o quanto vamos viver pode ser até perigoso, já que é uma variável sobre a qual ninguém tem controle e que pode levar a erros de cálculo importantes. A CEO da Planejar frisa que o ideal é sim fazer algum tipo de planejamento desde o marco zero da vida financeira. E, para fazer isso da melhor maneira, buscar profissionais da área pode ser a melhor escolha.
“Falar de organização financeira para muitas pessoas é como sugerir um regime”, afirma Mônica Costa. Ou seja, muita gente fica achando que nunca mais vai poder comer pudim na vida. Por isso é tão complicado convencer alguém a abrir mão de um prazer hoje para garantir um futuro confortável. “O que a gente está dizendo é que você vai poder continuar comendo pudim. Só precisam ser fatias menores, para que possa comer por mais tempo.”