Emoções que contagiam
Na vida real ou na virtual, na alegria ou na tristeza, sentimentos e sinais corporais dos outros influenciam na maneira como agimos e no nível da nossa ansiedade
Todos os dias, somos influenciados pelo que de melhor e de pior os outros despertam em nós, e vice-versa. Mesmo os sentimentos mais íntimos têm sua dimensão social: experimente estar rodeado de crianças pequenas quando uma delas começa a chorar e verá como as emoções podem ser contagiosas.
Em um cenário de incertezas com relação ao futuro e de privação de convívio social, o entorno nos afeta ainda mais. O confinamento da quarentena intensifica o contato com nossas emoções e viagens internas, diz o psicanalista Hélio Deliberador, professor do departamento de psicologia social da PUC-SP. Ao mesmo tempo, ficamos ainda mais expostos a notícias e redes sociais — é nossa ponte com o mundo exterior. Ambos os fatores, somados, impactam intensamente a administração de nossas emoções e a preservação da saúde mental durante a pandemia.
“No início do isolamento, houve uma exacerbação da ideia de que haveria uma restrição absoluta, um locaute, a necessidade de estocar itens de higiene, alimentos, o que é típico de situação de guerra”, diz Deliberador. “Temos visto muito o uso de palavras como ‘guerra’, o que faz com que as pessoas se desesperem, tenham condutas como a de fazer reservas de coisas que muitas vezes nem são diretamente ligadas ao combate ao vírus, como o papel higiênico”, explica.
“Palavras de medo são como um espirro pousando diretamente em nosso cérebro, infectando emocionalmente nosso córtex pré-frontal e deixando-o fora de controle”
A incerteza favorece o “efeito manada”: quando acompanhamos uma conduta de grupo mesmo que ela seja irracional, afirmou o psicólogo Steven Taylor, autor do livro “Psicologia de Pandemias” (tradução livre). “As pessoas observam as outras para saber como devem responder, é mais instintivo do que racional. É como fogo dentro do cinema — as pessoas não fogem por causa da fumaça, mas porque veem outras correndo. O medo é contagioso”, disse em entrevista à BBC.
Não apenas a ansiedade se alimenta da incerteza como é transmissível: pode ser desencadeada simplesmente a partir de um diálogo com alguém que está ansioso. “Palavras de medo são como um espirro pousando diretamente em nosso cérebro, infectando emocionalmente nosso córtex pré-frontal e deixando-o fora de controle, já que se preocupa com tudo, desde se nossos familiares ficarão doentes até como nossos empregos serão afetados”, diz o neurocientista americano Judson A. Brewer, num artigo em que explica alguns truques para ajudar o cérebro a diminuir a ansiedade e sua reação em cadeia neste período de incerteza.
Um pessoa influencia muita gente
Se o medo contagia, felicidade também. Ao longo de 20 anos, cerca de 5 mil cidadãos americanos de uma mesma cidade tiveram suas interações mapeadas por pesquisadores da Universidade de Harvard. A oscilação de emoções do grupo mostrou que uma pessoa é capaz de influenciar toda sua rede de contatos, e também a rede de contatos dos seus contatos. A pesquisa sugere que, se você for mais feliz, um amigo que mora perto tem 25% mais chance de ser feliz também, e assim por diante.
Uma pessoa é capaz de influenciar toda sua rede de contatos, e também a rede de contatos dos seus contatos
O jeito como agimos com alguém e nossa linguagem corporal nessa interação também têm impacto sobre como os outros vão se dirigir a essa pessoa. É o que mostra um experimento feito por pesquisadores da Northwestern University, nos Estados Unidos, publicado em 2019. A pesquisa mostra que, às vezes, achamos que gostamos menos de uma pessoa porque ela não parece ser amigável, quando, na verdade, os outros é que não estão sendo amigáveis com ela.
Um feed, muitos sentimentos
Não é só no tête-à-tête que repassamos sensações boas ou ruins. Existem evidências de que as emoções se espalham também pelas interações digitais, seja a partir de uma mensagem de texto privada ou mesmo passeando pelas timelines: um estudo feito com 700 mil usuários do Facebook sugere que absorvemos algo dos sentimentos do nosso feed.
Na pesquisa, os feeds dos usuários foram alterados: algumas pessoas tinham acesso a posts mais positivos, enquanto outras viam publicações negativas. “Nós descobrimos que quando coisas boas estão acontecendo no feed para amigos e família você também tende a escrever mais positividade e menos negatividade”, disse Jeff Hancock, pesquisador da Universidade de Stanford, à NPR. O inverso também se confirma: impulsos negativos estimulam publicações raivosas ou tristes.
E quanto mais alto ou forte você grita, maior a reverberação. Usuários são mais impactados em suas redes por posts carregados emoções intensas do que por reações mais calmas ou suaves, e buscam corroborar essas sensações mais barulhentas ao compartilhar os posts. É o que mostra uma pesquisa norte-americana que analisou quase 19 milhões de tuítes relacionados ao assassinato do jovem negro Michael Brown por um policial, no estado de Missouri, em 2014.
Proteja suas emoções
A pandemia do novo coronavírus também já ganhou suas histórias cabeludas e post revoltosos ou alarmistas nas redes sociais, que agravam as sensações de medo e insegurança em um cenário já muito incerto. Por isso a própria OMS sugere que os usuários evitem mergulhar na enxurrada de informações na internet para preservar a saúde mental. O estresse pode ser evitado por uma curadoria de notícias mais criteriosa, a partir de fontes de informação confiáveis. Esse é o passo básico para evitar sofrer e ser vetor do medo enquanto seguimos isolados.
Para o professor Hélio Deliberador, evitar o medo compartilhado também requer empenho na convivência fora da internet, no entretenimento, na arte e na organização do tempo de uma forma mais tranquila e não integralmente ligada à crise sanitária.
O estresse pode ser evitado por uma curadoria de notícias mais criteriosa, a partir de fontes de informação confiáveis
E ainda que sejamos influenciados pelo entorno, não somos reféns das manifestações alheias. Na verdade, temos relativo controle da influência das emoções dos outros sobre as nossas, segundo pesquisadores da Northwestern University. Eles descobriram, por meio de um experimento com 107 participantes, que quando as pessoas querem ficar calmas, elas se mantêm relativamente indiferentes a pessoas raivosas, por exemplo. Mas se querem se sentir raivosas, aí então são altamente influenciadas por quem está na mesma vibração.
“Nossas emoções não são tão passivas ou automáticas“, disse Amit Golbenberg, autor do estudo, ao site Futurity. “Elas são um pouco como uma ferramenta, temos a habilidade de usá-las para atingir certos objetivos, como convencer outras pessoas a se juntar às nossas causas coletivas.” Lembrar disso é um passo importante frear o contágio da ansiedade, dentro e fora da internet. Enquanto seu estado de espírito influencia e é influenciado, o ditado segue forte: diga-me com quem andas…