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ReportagemComo criar um podcast: processos e dicas
Gama consultou podcasters de nichos variados para entender o passo a passo da produção dessa mídia e colheu dicas para quem quer se aventurar
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Como criar um podcast: processos e dicas
Gama consultou podcasters de nichos variados para entender o passo a passo da produção dessa mídia e colheu dicas para quem quer se aventurar
A quem ouve – digamos, o incomparável Mano Brown conversando com o Wagner Moura no Mano a Mano –, fazer um podcast pode passar a impressão de ser coisa rápida: marcar uma entrevista, contar umas histórias, só gravar e postar, certo? Errado.
“Produzir um bom podcast é muito mais trabalhoso do que parece”, conta a publicitária e escritora Camila Fremder, do É Nóia Minha? e do Calcinha Larga, ambos entre os podcasts de bate-papo mais ouvidos de 2021. “Tanto é que vejo muitos projetos que começam e não têm fôlego para continuar.”
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Fremder foi um dos nomes da “podosfera” brasileira ouvidos pela Gama para entender que a aparente simplicidade dessa mídia tem por trás um processo com múltiplas etapas. Para nascer, precisa de planejamento e organização e, uma vez no ar, dedicação e tempo, ainda mais para quem quer tentar gerar alguma renda.
Como produto digital, o podcast é extremamente atraente: ele é mais descomplicado de ser produzido do que um vídeo, por exemplo, e mais fácil de ser consumido. Ele pode vir em uma infinidade de formatos e permite explorar temas com profundidade, em episódios longos.
Fora o grande potencial de criar intimidade com o ouvinte: os entrevistados para esta reportagem comentaram a intensidade de engajamento da audiência, que vira quase amiga (ou assim se sente). E o número de interessados só tem crescido, ainda mais depois da pandemia: a Abpod (Associação Brasileira de Podcasters) estima que existam até 34,6 milhões de ouvintes no Brasil.
Para chegar a eles, porém, o caminho pode ser longo. Veja abaixo relatos de quem já o percorreu.
Vai falar sobre o quê? E como?
“Em 2019 eu percebi que não tinha podcast apresentado por drag queens no Brasil. Eu tinha acabado de descobrir essa mídia e achei que poderia dar certo”, conta o paulistano Duda Dello Russo, que na época trabalhava como estagiário de uma marca de roupas. E deu: hoje ele é parte de três podcasts (dois em contrato de exclusividade com o Spotify): o Santíssima Trindade Das Perucas, um “mesacast” (ou mesa redonda) com outras duas drags sobre cultura pop e vivência LGBT, o Disk Bicha, de música pop, e o Big Big Brasil, que comenta o BBB.
Ele percebe que agora, porém, vários nichos já estão saturados, ainda mais de mesa redonda, o modelo mais fácil de fazer e o mais popular no Brasil. “Se você quer pensar em monetização, seu conteúdo tem que ser original, interessante, único. E o público está se educando para consumir outros formatos, então dá para explorá-los.”
A concorrência de fato aumentou nos últimos anos, levando em conta também que muitos podcasts são feitos por grandes veículos, como a TV Globo e o jornal Folha de S. Paulo, e por produtoras de podcasts já consolidadas, como a B9 e a Half Deaf, ou encomendados pelas próprias plataformas de streaming. Outros vêm de influenciadores, artistas e outros rostos já conhecidos de outras mídias.
Por isso, principalmente para um projeto independente, é importante ter um tema bem definido, que chame o ouvinte pela descrição do programa e os títulos dos episódios. É preciso saber o que se quer comunicar, porque e para quem, além de entender o que faz sua ideia diferente de outros podcasts sobre o mesmo tema e quantos episódios ela pode render.
A escolha do formato depende da proposta, mas também da disponibilidade de tempo: podcasts de histórias ou reportagem, por exemplo, costumam requerer pesquisa, roteiro e edição mais elaborados do que aqueles de bate-papo entre duas ou três pessoas.
“Chegamos a demorar um mês e meio para produzir um episódio”, conta a jornalista Thais Manarini, uma das integrantes do Ciência Suja. Entre os top 10 podcasts lançados em 2021 pelo ranking do Spotify, a primeira temporada, feita com apoio de um edital privado, traz histórias de fraudes na ciência que trouxeram prejuízo para a sociedade. A apuração envolveu diversas entrevistas e leituras e uma checagem de fatos cuidadosa.
Para criar os episódios, feitos como documentários em áudio, eles se inspiraram em podcasts narrativos como Praia dos Ossos e 37 Graus e os americanos Wind of Change e I’m Not a Monster. “É legal analisar os podcasts que você gosta de ouvir para entender o jeito de contar história que mais te cativa.”
Do planejamento ao roteiro
Já deu para perceber que o início de um projeto não pode ser feito no improviso: estabelecidos tema e formato, os podcasters consultados recomendam fazer um plano de médio prazo para pensar pautas para os episódios, decidir qual vai ser a periodicidade e como vai ser a divulgação. “Antes de lançar, é bom ter alguns episódios gravados de ‘gaveta’ e já ir esquentando a audiência nas redes sociais”, diz Camila Fremder.
Se antes era comum podcasts brasileiros postarem conversas longuíssimas de mesa de bar sem pé, cabeça ou edição, hoje a maioria entende a necessidade de um roteiro – mesmo em mesacasts –, que orientem os narradores e a abordagem do assunto tratado.
“O podcast tem, enquanto linguagem de conteúdo, o potencial de criar uma história com começo, meio e fim. E isso requer um roteiro. Se você explora isso bem, consegue fazer com que o ouvinte se engaje”, explica Filipe Speck, professor de produtos digitais na PUC-RS e produtor do Noites Gregas.
O podcast de mitologia grega narrado por Cláudio Moreno, sogro de Speck, foi ao ar em 2019 e hoje tem uma audiência robusta, com apoiadores pagantes (que recebem conteúdo exclusivo) e produtos associados, como um curso online de mitologia na arte. “Fizemos o podcast de maneira didática, o que facilita que o ouvinte novo maratone desde o início e entenda tudo. Cada episódio é dedicado a um personagem e tem seu próprio arco narrativo, com uma apresentação e um arremate”, conta.
O poder do narrador (e da edição)
Filipe Speck também atribui o sucesso do Noites Gregas à habilidade de Moreno como contador de histórias. “Ele consegue manter a naturalidade da oralidade e tem uma voz com timbre muito bom para podcast, tem uma qualidade estética mesmo.”
Um bom narrador é capaz de levar o ouvinte por uma jornada do primeiro ao último segundo do episódio, conduzindo a conversa ou história de modo envolvente. Se for uma entrevista, ele precisa estar bem informado sobre o tema e a pessoa convidada, com perguntas pré-definidas. Se for uma narrativa, deve estar bem treinado no roteiro, quem sabe tendo lido algumas vezes em voz alta antes de gravar.
“A relação com o host é muito definitiva para construir uma audiência em um podcast, porque, no fundo, aquilo é uma conversa. Precisa escolher bem quem vai falar e como vai falar”, completa Speck.
A qualidade da gravação conta: quanto mais clara, sem ruídos e ecos, melhor – lembre-se que às vezes a pessoa vai ficar mais de uma hora ouvindo. Gravar o áudio de cada participante em faixas separadas e ter um microfone também ajuda. Softwares relativamente simples como o Anchor, para celular, e o Audacity, para computador, podem ser usados para a edição – para um trabalho mais profissional, pode-se contratar um profissional para essa parte.
“Os podcasts narrativos pedem uma edição mais caprichada com trilhas e efeitos sonoros que deem o clima da história e ajudem a prender o ouvinte, ainda mais se for um tema denso”, diz Thais Manarini, do Ciência Suja.
Audiência amiga
Eis o que talvez seja o maior poder do podcast: o de estar, ali, no ouvido de alguém, em uma relação sem intermediários.
“Há um potencial muito grande de criar vínculos com a audiência, que se sente representada, acolhida. Como ali se tem mais tempo do que em um vídeo, por exemplo, pode-se desenvolver temas difíceis, se vulnerabilizar, se emocionar junto”, diz Thiago Queiroz, da Abrace Podcasts.
O educador parental começou em 2016 com o Tricô de Pais, maior podcast de paternidade no Brasil, e hoje fala no Paizinho, Vírgula! e no recém-lançado Vai Passar, este feito pelo Spotify junto à educadora Elisama Santos. Ele também ajuda a produzir outros títulos, como o Afro Pai, sobre paternidade preta.
Para chegar no público, é necessária uma estratégia de divulgação, principalmente nas redes sociais, que podem ser usadas para fazer contagem regressiva com teasers para os episódios, mostrar os bastidores da produção, postar conteúdos complementares e interagir com convidados e ouvintes. Os próprios entrevistados muitas vezes ajudam a trazer gente quando divulgam em suas redes.
As indicações dentro da podosfera são as mais valiosas – por isso até é comum podcasters diferentes fazerem episódios juntos. O Noites Gregas cresceu consideravelmente depois de uma menção no Foro de Teresina, da revista Piauí, e o Ciência Suja ganhou centenas de novos ouvintes depois de ser recomendado pelo Medo e Delírio em Brasília.
“Essa construção de audiência às vezes demora, precisa persistir. É bonito demais quando os feedbacks vêm”, diz Thiago Queiroz, se referindo ao carinho que recebe de pais e crianças nas redes.
Ele lembra que, independentemente de qual for o projeto, é necessário ter uma dose de entusiasmo pelo tema. “Fazer o podcast precisa ser minimamente divertido para você. O retorno financeiro ainda é um desafio, então precisa ter amor envolvido para não desistir.”
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