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ReportagemO preço do desmatamento
Especialistas em economia verde explicam o que já perdemos com a desflorestação, e o que vem sendo feito para conter os danos materiais e à imagem do país
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O preço do desmatamento
Especialistas em economia verde explicam o que já perdemos com a desflorestação, e o que vem sendo feito para conter os danos materiais e à imagem do país
Os recordes se acumulam mês a mês. Em agosto, a Amazônia registrou 28.060 focos de queimadas. O número é o terceiro maior para o mês desde 2010 — só perde para os dois anos anteriores, segundo o Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais). O instituto, em julho, já havia publicado na revista científica Nature um estudo que mostra que as queimadas e o desmatamento levaram a floresta a emitir mais gás carbônico do que o que consegue absorver.
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Pesquisadores de diversas áreas têm se debruçado para calcular o preço da destruição. Um grupo deles, em estudo publicado no think thank britânico Chatham House, calculou em US$ 1,5 bilhão por ano o que a Amazônia brasileira poderia arrecadar se, em vez das queimadas, privilegiasse o manejo sustentável da floresta. Mas para especialistas em meio ambiente ouvidos pela Gama, os maiores prejuízos são inestimáveis e de longo prazo.
“O Brasil se tornou um risco sistêmico”, afirma Natalie Unterstell, mestre em administração pública pela Universidade Harvard e diretora do Instituto Talanoa, think tank dedicado a políticas ambientais. Para a pesquisadora, no momento em que a pauta ambiental se torna cada vez mais relevante e urgente, os níveis de desflorestamento recordes tornaram o país uma preocupação global.
Pressionado pela comunidade internacional, em especial pelo governo americano, o Brasil vem buscando reverter a imagem de nação que liderou em 2020 o ranking mundial de desmatamento, de acordo com relatório do World Resources Institute, sem muito sucesso.
O mundo olha hoje para nós e enxerga o desmatamento como um projeto
A diretora do Instituto Talanoa diz que o país falha nos três principais critérios levados em consideração quando políticas públicas de preservação são avaliadas — resultados, esforços e sinais. “Se uma nação apresenta o maior índice de desflorestamento na última década, há um indicador concreto de que o resultado da proteção ao meio ambiente é falho.”
Durante a pandemia, lembra, enquanto diversos países do mundo tiveram uma pausa nas emissões de gás carbônico, um efeito do isolamento, nós registramos um aumento. Soma-se a isso, os “sinais” negativos no discurso e atitudes de integrantes do governo. “O mundo olha hoje para nós e enxerga o desmatamento como um projeto”, afirma a também professora de políticas públicas da FGV (Fundação Getúlio Vargas).
Marca prejudicada
O professor de relações internacionais Iure Paiva, da Universidade Federal da Paraíba, aponta a postura de confronto da política ambiental que, além de comprometer recursos importantes para a proteção da Amazônia, coloca em risco a cooperação de outros países para desenvolver soluções para a região.
“O financiamento estrangeiro do Fundo Amazônia foi interrompido por parte da comunidade internacional graças à conduta brasileira. Esse recurso não só era fundamental na preservação direta em áreas afetadas, como também era utilizado para bancar pesquisas e desenvolvimento tecnológico”, diz. Essa postura de enfrentamento, afirma o pesquisador Artur Villela Ferreira, um dos sócios da startup de economia verde Global Forest Bond, é parte de uma visão antiga de soberania sobre o bioma.
“Ninguém questiona, quando a China compra soja brasileira, se está interferindo na nossa escolha do uso da terra no Centro-Oeste. O que a gente está vendo é um crescimento de uma demanda internacional por preservação e estamos escolhendo não atendê-la”, afirma Ferreira, que é coautor de “Nem Negacionismo, Nem Apocalipse” (Bei Editora, 2021).
“Estamos perdendo nossa marca como país. Tínhamos tudo para que o ‘made in Brazil’ fosse um produto verde e hoje estamos vendendo o desmatamento”
Tanto o pesquisador quanto a professora Natalie Unterstell projetam um custo ainda maior no futuro próximo, com uma crescente fuga de investidores e possível boicote a produtores nacionais. “Hoje, qualquer empresário brasileiro que vá ao exterior está sendo questionado sobre o desmatamento e a política ambiental do país. É possível que, em breve, comecemos a ver contêineres de exportação nacionais sendo barrados pela suspeita de produto oriundo do desflorestamento ilegal”, diz a especialista em políticas climáticas.
Ferreira recorre à perda de um projeto estratégico como o apoio do Banco Mundial para implementar um mercado de carbono, para ilustrar os prejuízos que já afetam a imagem nacional. “Estamos perdendo muito de nossa marca como país. Tínhamos tudo para fazer que o ‘made in Brazil’ fosse um produto verde, sustentável e hoje estamos vendendo a marca do desmatamento”, completa.
Protagonismo ambiental
Mas enquanto a ausência de projetos ambientais do governo e o iminente colapso da Amazônia afugentam investidores e prejudicam acordos, organizações da sociedade e uma nova atuação do setor privado vem tentando reverter, em parte, o prejuízo. “A falta de ações públicas voltadas ao meio ambiente acaba exigindo que o setor privado adote uma postura de protagonismo”, afirma Maria Albuquerque, fundadora e presidente da Synergia Consultoria Socioambiental. Criada em 2005, a empresa presta serviços para setores da iniciativa privada, fundações e governos.
A atuação cada vez maior da empresa nos últimos anos nos diferentes biomas nacionais é, para ela, sintomática da pressão sobre o setor privado, para que assuma responsabilidades socioambientais nos últimos anos. “O engajamento de grandes empresas acaba gerando um efeito em rede que impacta diretamente a cadeia produtiva. A grande empresa exige que as que prestam serviços para ela também sejam sustentáveis”, completa.
A grande empresa exige que as que prestam serviços para ela também sejam sustentáveis
Natalie Unterstell vê uma coalizão entre empresas brasileiras e lideranças de vários segmentos, como lideranças indígenas, prefeituras e alguns Estados assumindo o protagonismo das políticas ambientais e redução de danos. “Nos últimos dois anos e meio, esses grupos se autoorganizaram e avançaram uma agenda de controle de danos contra os absurdos do governo.”
A diretora do Instituto Talanoa cita as muitas medidas anunciadas pelo Ministério do Meio Ambiente que foram travadas via ações judiciais. Em uma delas, o governo buscava afrouxar a proteção da Mata Atlântica e fazer com que a preservação da área fosse ditada pelo Código Florestal, que tem regras de proteção mais flexíveis. Como resposta, os Ministérios Públicos de 17 estados que representam o bioma foram acionados pela sociedade civil.
Mas há limites a essa atuação. Artur Ferreira, da Global Forest Bond, cita iniciativas como o programa Conserve, do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia, que paga a produtores pela preservação por meio de serviços ambientais. O problema, ele diz, é que as forças do mercado não conseguem atuar nas áreas de desflorestamento ilegal. “O número grande do desmatamento ainda depende muito de atividade governamental, principalmente no Brasil onde quase metade dos biomas nativos é terra pública, que é onde ocorre a maior parte dos focos”, diz.
Pacto de cooperação e ação efetiva
Pela sua experiência recente, a presidente da Synergia acredita que a atuação conjunta de organizações que atuam na Amazônia e grandes empresas vai conseguir recuperar parte da confiança internacional. “A pandemia tornou ainda mais clara a necessidade de se estabelecer uma transição rápida e global para uma economia mais sustentável”, afirma.
Fazer só um esforço mínimo não será o suficiente, o mundo está engajado em uma corrida climática
Especialista em políticas climáticas, Natalie Unterstell acredita que ainda levará tempo para melhorar a imagem do Brasil mas, no longo prazo, a pressão global por compromissos ambientais mais consistentes deve prevalecer. “Quem quer que ganhe as eleições no ano que vem terá que negociar com os grupos que hoje atuam cobrando uma política ambiental melhor. Fazer só um esforço mínimo não será o suficiente, o mundo está engajado em uma corrida climática. Nós sabemos o que tem de ser feito para voltarmos ao trilho, temos referências boas do passado. Mas isso não significa que será fácil.”
Para Artur Ferreira, atacar a questão mais urgente do desflorestamento ilegal depende ainda de o país fazer a escolha de colocar o desenvolvimento sustentável no centro de sua agenda de desenvolvimento, o que não vem ocorrendo nos últimos governos. “Precisamos de um pacto nacional com um objetivo alinhado de o Brasil ser uma potência agroambiental. Sem isso, qualquer um dos lados puxando a corda sozinho, seja setor privado, o governo ou as ONGs, nós já tentamos e não deu certo.”
*Com colaboração de Amauri Arrais
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