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5 dicasNegociação: modo de usar
Professor de Harvard que ensina negociação para lideranças mundiais fala a Gama sobre como podemos usar a emoção para negociar qualquer coisa — seja na vida privada ou profissional
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5 dicasNegociação: modo de usar
Professor de Harvard que ensina negociação para lideranças mundiais fala a Gama sobre como podemos usar a emoção para negociar qualquer coisa — seja na vida privada ou profissional
Quando Daniel Shapiro quer convencer o filho de 14 anos a arrumar o quarto ou se desculpar com a companheira por não ter lavado a louça, ele usa as mesmas técnicas de negociação que aplica na resolução de conflitos entre chefes de Estado no Oriente Médio ou em transações bilionárias entre as maiores empresas na lista da Forbes. “Minha família é meu laboratório principal”, diz, entre risos. “Se essas ferramentas de negociação não funcionam no meu dia a dia, como exigir que alguém as use em conflitos políticos ou econômicos complexos, que coloquem o mundo em risco?”
Negociar, afinal, tem menos a ver com ter razão e mais com ter empatia, com entender as motivações do outro — em suma, saber ouvir, diz o professor de psicologia da Universidade Harvard. Fundador do Harvard International Negotiation Program, que ensina à elite dos executivos mundiais os mecanismos por trás de uma negociação eficiente, Shapiro já negociou de libertação de reféns e casos de família a embates entre grandes CEOs e chefes de Estado. Seu approach é geralmente o mesmo: o foco no aspecto emocional das conexões humanas.
O senso comum, afinal, sugere que a negociação seria algo puramente racional — mas isso seria uma falácia. Sentimos emoções o tempo todo, elas fazem parte de todas as interações humanas, então obviamente são ferramentas cruciais. Pois tudo é negociação, mas nem tudo é conflito. “Negociamos o tempo todo, desde que nascemos e choramos por leite”, afirma. “Em tempos de pandemia, se dividimos a casa com alguém, estamos negociando a cada momento.”
Mas negociar não se resume a uma batalha de posições. “Não se trata apenas de demarcar uma posição e tentar enganar o outro para conseguir arrancar o máximo de vantagem”, diz. “Faz mais sentido trabalhar junto, para balancear os interesses e usar as emoções para obter ganhos mútuos.”
Shapiro está para lançar no Brasil sua obra mais recente, “Negotiating the Nonnegotiable: How to Resolve Your Most Emotionally Charged Conflicts” (Penguin Books, 2016). Mas adianta a Gama, em cinco dicas, técnicas para negociar qualquer coisa de forma efetiva — seja pedir um aumento, convencer o colega a usar uma máscara ou obter a paz mundial. Essa última, ele segue tentando.
Empatia é vital. Quais são os interesses, os medos, as preocupações do outro lado?
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Use os primeiros minutos para se conectar com o outro –
O senso comum pode até sugerir que devemos nos despir de qualquer emoção ao negociar — como se agir como um robô fosse a receita do sucesso. “O que tenho a dizer a respeito? Boa sorte! [risos]. Você não pode evitar sentir emoções, assim como não consegue parar de pensar.” E nem seria a saída, diz: fundamental para uma negociação efetiva, a troca de informações precisa ser baseada em algum tipo de lealdade em relação ao resultado da negociação. “É o que eu chamo de afiliação: essa conexão emocional que se estabelece entre as partes logo de início e que dá o tom da negociação.” Ela pode ser adversativa, opondo os lados como adversários, ou cooperativa, selando uma parceria em meio à diferença. Trata-se, assim, de criar um terreno comum de honestidade e confiança, onde todos assumem sentimentos e limitações. E de mudar imediatamente a natureza da relação, de adversativa para cooperativa. “Você pode entrar numa reunião e começar a discutir os números de cara, à queima roupa, no sentido de essa é a minha posição, lide com ela”, diz Shapiro. “Ou pode gastar uns minutos perguntando sobre como o outro se sente, falar da pandemia, da família. Esse passo não é incidental, é fundamental para o sucesso”, explica. “Há fartas evidências que mostram que a forma como usamos os primeiros minutos da interação tem um impacto gigantesco sobre o processo de negociação e seus resultados.” Se você constrói um ambiente amigável, diz, as pessoas vão dividir mais informações e sentimentos e o trabalho se torna uma construção, não uma batalha. “Num ambiente hostil, onde os lados se tornam adversários, as pessoas tenderão a esconder informações, motivações e sentimentos. E o resultado tende a ser pior.” -
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Identifique as emoções em jogo. E seu papel em relação a elas –
Em “Além da Razão” (Alta Books, 2019), Shapiro tenta entender como, durante uma negociação, os lados lidam, de forma prática e estratégica, com as emoções — as suas e as do outro. A conclusão? “Em vez de tentar psicanalisar toda emoção que surgir, foque em cinco motivações básicas, que tendem a afetar virtualmente qualquer ser humano em qualquer negociação”, explica o professor. A primeira delas é a apreciação. “Todos queremos ser apreciados, ninguém quer se sentir desvalorizado.” Então é crucial reconhecer o mérito do outro. “E todos queremos sentir que temos autonomia, a liberdade de tomar decisões” — essa é segunda motivação. “Não gostamos que alguém empurre algo pra cima da gente, aqui está minha oferta, é isso ou nada! Não vou aceitar essa oferta, mesmo que seja racionalmente boa. Tenho um filho de 14 anos e sei que forçar meu poder sobre ele não funciona. Já dar um pouco de autonomia pra ele me traz muito poder. Ele acata meu pedido se acredita que tem escolhas. Eu digo: você tem x tarefas hoje, prefere que eu “microgerencie” os horários ou fazer no seu tempo? ‘No meu tempo’, ele vai dizer. Ele sabe que se não fizer haverá consequências, mas a ameaça não é o cerne da negociação, a autonomia é.” O terceiro ponto e já mencionada é a afiliação, o momento em que a conexão pessoal se estabelece entre as partes. O que nos leva ao quarto: os papéis. Numa negociação pode haver o mediador, o “resolvedor de problemas”, o ouvinte paciente, o entrevistador. “Ou podemos encarnar o papel da vítima e forçar sobre o outro o de agressor.” Nesse caso, explica Shapiro, trata-se de um mito de identidade: se nos vemos como vítima, o que o outro oferecer nunca estará bom. O quinto ponto é o status: quem está por cima ou por baixo. Se um lado fala sem parar, silencia o outro, fica por cima, o outro se sentirá desvalorizado. E, logo, se colocará com má-vontade. “Mas se consigo descobrir suas áreas de expertise e trazê-las à tona, emoções positivas farão parte do jogo e o resultado será melhor.” Seja nos negócios, na política, nas relações pessoais — há provas de que isso funciona na prática, garante. “Na próxima negociação, leve em conta o que o outro sente em relação a cada motivação-chave e o que você pode dizer ou fazer para tornar a relação mais positiva. Isso impacta tremendamente o processo e o resultado da negociação.” -
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Faça as perguntas certas. E escute de verdade –
Entender a motivação por trás da demanda do outro é a chave para uma negociação eficaz. O que ele quer no fundo? Como se sente? Às vezes nem ele sabe. “Por isso, ter empatia é vital”, diz Shapiro. “Quais são os interesses, os medos, as preocupações do outro lado? Quanto mais eu o entendo, mais poder tenho, mais consigo influenciá-lo. E se consigo descobrir o que eu quero e o que o outro quer, é mais fácil alcançar uma situação ganha-ganha.” Mas como, afinal, ler a mente do outro? “Fazer boas perguntas é essencial”, diz. É comum, numa negociação, que falemos, falemos, sem ouvir, sem aprender nada do outro. Devíamos fazer o contrário. Por isso é crucial fazer perguntas abertas (as que começam com “como” ou “o quê”, por exemplo), ouvir as respostas e aprender com elas sobre o outro e a situação. Quando faz resolução de conflitos entre crianças e jovens, Shapiro usa o jogo das “Vinte Questões”, no qual se faz perguntas fechadas (respondidas com sim ou não), até adivinhar no que o outro está pensando — um animal, um lugar, uma pessoa. No jogo, diz, é um processo que demora, mas é divertido: a ideia é causar empatia, não descobrir nada. Já numa negociação séria, perguntas fechadas (você aceita X, você concorda com Y) geram pouca possibilidade de mudança no acordo, e muita perda de tempo. “Elas produzem frustração, pois parece que estão tentando nos arrancar informações, não que estamos sendo ouvidos.” Como se a partida já tivesse um desfecho de saída. Já um approach com questões abertas, em que a pessoa pode se explicar, produz resultados melhores. “O que o está preocupando? Ah, o coronavírus, está lhe deixando nervoso. Ok, agora entendi. Minha proposta então é essa.” -
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Para evitar a vertigem, o inegociável, respeite a identidade do outro –
É mais fácil negociar quando se tratam apenas de números, de lucros palpáveis, diz Shapiro. Tudo se complica quando a identidade entra em jogo. Se a negociação tem a ver, direta ou indiretamente, com etnia, pertencimento a uma comunidade, à família, o embate adentra o terreno do que sentimos ser não-negociável — o que vemos como sagrado. “É preciso entender isso: como negociar uma parte de minha alma, de meu sentido de existência?”, diz Shapiro. Porque, mesmo que não seja o caso, daí parece que estamos negociando nossa dignidade. O que fazer, então? Primeiro, é preciso identificar os fatores complicadores que nos fazem sentir que algo não é negociável, quando, em geral, é. Ou seja, entender as emoções ligadas à disputa sem passar por cima delas, e buscar uma resolução que respeite essa identidade. A partir de extensa pesquisa de campo, Shapiro identificou cinco forças emocionais que formam o cerne de nossa identidade: crenças, inclusive morais; rituais, como comer à mesa da família; alianças, como o patriotismo; valores (vide a noção de certo e errado); e as experiências que valorizamos como vitais, tais como o nascimento de um bebê. Todas interferem emocionalmente numa negociação: se sentimos algum desses elementos atacados, nossa identidade relacional — como nos relacionamos com o outro, como achamos que somos vistos, se somos respeitados, se somos compreendidos — acaba ruindo. “Por isso, criar um ambiente de cooperação é a única forma de negociar o que, a princípio, parece não-negociável”, diz. “Mesmo os conflitos no Oriente Médio têm soluções à vista: há mentes brilhantes construindo soluções racionais para o conflito, seja um estado único, dois estados, uma confederação.” Mas não se chega a um acordo porque um dos lados sempre sente que algo da ordem da identidade está sob ataque. “Quando sentimos que algo sagrado está em risco, acionamos um “mindset” que chamo de ‘efeito de tribo’”. Seria algo da ordem da lealdade absoluta: se você ameaça minha identidade tribal, vira meu adversário e ponto final. Assim, mesmo pessoas ponderadas e racionais caem nessa mentalidade e cerram fileiras contra a razão. “Daí não tem jeito, eu estarei sempre certo, e você, errado. Eu vou defender minha perspectiva, argumentar infinitamente e fechar o ouvido para o que você tem a dizer.” É o que ele define como vertigem, quando perdemos a relação com a realidade e ficamos girando em falso, movidos por emoções à flor da pele. Então o que se negocia ganha ares de guerra santa, o conflito se torna a única coisa que importa e não há saída além de vencer a batalha, mesmo que já não saibamos o que queremos dela. Para evitar a vertigem, a saída é, sempre, ouvir o outro, compreender a dimensão emocional do argumento, reconhecer sua lógica e, a partir daí, tentar costurar (juntos) um acordo que respeite a identidade. O importante é deixar claro que, sim, há coisas inegociáveis, como a existência de um grupo étnico, uma família, uma comunidade — mas que isso não está em jogo na negociação em questão. -
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Para lidar com o oposto extremo, respeite sua lógica –
Todos conhecemos o estereótipo de um extremista. “Mas daí você senta para conversar e encontra um ser humano”, diz Shapiro. Suas visões podem parecer extremas e irracionais, mas existe uma racionalidade por trás daquela perspectiva que tem seus méritos. “Quanto mais eu conseguir entender como eles pensam, de onde vêm suas suposições, melhor consigo influenciá-los.” Por isso é vital a apreciação, diz: prestar atenção ao que o outro pensa não significa concordar, mas reconhecer o valor que ele atribui a essa perspectiva. “Por que ela é tão importante pra ele? Assim entendo a lógica por trás daquela certeza. Pensemos no caso das máscaras nos Estados Unidos. Se quero convencer alguém que não usa a proteção e defende certa ideologia, certo grupo político, a pior coisa que posso fazer ao negociar é dizer: ‘Droga, ponha a porra da máscara’. A autonomia do outro desaparecerá, seu status será rebaixado, ele se sentirá tratado como inferior. De repente viramos inimigos e fim de papo.” O outro se sentirá como vítima, incompreendido, reafirmado em sua razão. “Ou seja, eu falhei, emocionalmente, em cada nível possível de análise”, diz Shapiro. “Agora, se eu sentar com ele (de máscara e a dois metros de distância, ou no Zoom) e pedir sua ajuda para entender quais as motivações para não usar máscara, o que isso traz de bom e de ruim, como acha que podemos cooperar para resolver o impasse, então essa pessoa, que antes parecia louca, me explicará sua lógica. E me fornecerá munição para eu convencê-la — no cerne do que realmente importa pra ela”. O mesmo vale para o Oriente Médio. Para a briga de casal. E, basicamente, para qualquer negociação na vida.
Daniel Shapiro Professor de Psicologia na Escola de Medicina de Harvard e docente do Program on Negotiation (PON) da faculdade de direito da universidade, ele esteve à frente do conselho de resolução de conflitos do Fórum Econômico Mundial. Autor de “Além da Razão: A força da Emoção na Solução de Conflitos” (Alta Books, 2019), suas teorias são baseadas em pesquisa de campo e testadas em negociações reais — como a resolução de conflitos no Oriente Médio e na Europa. Seu foco é o lado emocional inerente à resolução de conflitos.