Leia trecho de livro 'Extraterrestre' — Gama Revista

Trecho de livro

Extraterrestre

Chefe do departamento de astronomia de Harvard, Avi Loeb disseca objeto espacial desconhecido e cogita a possibilidade de termos companhia no universo

Leonardo Neiva 21 de Maio de 2021

POR QUE LER?

Quando se fala em extraterrestres, nossa primeira tendência é pensar em homenzinhos verdes com olhos enormes, que descem de discos voadores portando arminhas de raio laser. Seres que parecem estar restritos a uma caricatura cristalizada no imaginário popular, aptos a fazer algumas aparições esporádicas em obras de ficção científica ou terror e em um punhado de relatos pouco confiáveis de avistamentos de OVNIs, e só. Mas será mesmo apenas isso?

Na opinião do astrônomo Avi Loeb, não é bem assim. Chefe do departamento de astronomia de Harvard e considerado uma das personalidades mais influentes da área no mundo, em 2017 ele voltou atenção especial para um fenômeno que alvoroçou a comunidade científica: a passagem do ‘Oumuamua pelo Sistema Solar. Sem liberar gases nem deixar rastros de poeira estelar, o que já o torna diferente dos meteoros e asteroides que conhecemos, o objeto tinha um eixo de rotação contínuo e estável e — o que era ainda mais surpreendente — não se orientava pela gravidade do Sol.

Apesar de sua rápida passagem ter impedido que chegássemos a conclusões mais definitivas sobre ele, Loeb é um dos poucos que não descarta e, na realidade, até estuda a fundo a possibilidade de o ‘Oumuamua ter sido um raríssimo exemplar de tecnologia extraterrestre. Em seu novo livro, que chega em maio às prateleiras, além de explorar essa hipótese, o astrônomo também busca ultrapassar as fronteiras que ainda nos impedem de acreditar que podemos sim ter companhia no universo.

“Depois que os créditos são exibidos, quando saímos do cinema e olhamos para o céu noturno, o contraste é chocante. Sobre nossas cabeças vemos um espaço praticamente vazio, aparentemente sem vida”, descreve no texto que introduz a obra. “Mas as aparências enganam e, para nosso próprio bem, não podemos permitir que esse engano persista.”


A ciência é como uma história de detetives. Para os astrofísicos, essa máxima vem com um toque a mais. Não existe outro campo de investigação científica que confronte tamanha diversidade de escalas e conceitos. Nosso escopo cronológico começa antes do Big Bang e se estende até o fim dos tempos, mesmo reconhecendo que as próprias noções de tempo e espaço são relativas. Nossa pesquisa desce até os quarks e elétrons, as menores partículas conhecidas. Chega aos confins do universo. E se preocupa — direta ou indiretamente — com tudo o que existe entre uma coisa e outra.

E boa parte de nosso trabalho de detetive permanece incompleto. Ainda não compreendemos a natureza dos principais constituintes do universo e por isso, por ignorância, nós os rotulamos de matéria escura (que contribui cinco vezes mais para a massa cósmica do que a matéria ordinária da qual somos feitos) e energia escura (que domina tanto a matéria escura quanto a ordinária e que causa, pelo menos no presente, a peculiar aceleração cósmica). Também não entendemos o que deflagrou a expansão cósmica ou o que acontece dentro de um buraco negro — duas áreas de estudo com as quais me envolvi profundamente desde que passei para o campo da astrofísica, tantos anos atrás.

Existe tanto que não sabemos que costumo me perguntar se outra civilização, beneficiada pela ciência por um bilhão de anos, sequer nos consideraria inteligentes. A possibilidade de que nos estendam tamanha cortesia, suspeito, não será determinada pelo que sabemos, mas sim pelo modo como sabemos — ou melhor, por nossa fidelidade ao método científico. Nossa mente aberta para coletar dados que confirmem ou derrubem hipóteses é o que fará com que nossas reivindicações a qualquer inteligência universal sejam ou não justificadas.

Existe tanto que não sabemos que costumo me perguntar se outra civilização, beneficiada pela ciência por um bilhão de anos, sequer nos consideraria inteligentes

Com muita frequência, o que dá início a uma história de detetive na astrofísica é a descoberta de alguma anomalia em dados experimentais ou observacionais, de alguma evidência que não se conforme às nossas expectativas e que não possa ser explicada pelo que sabemos. Nessas situações, é uma prática comum propor diversas explicações alternativas e depois eliminá-las uma a uma com base em novas evidências, até que se chegue à interpretação correta. Foi o caso, por exemplo, da descoberta da matéria escura por Fritz Zwicky, no início da década de 1930. Zwicky se baseou na observação de que o movimento das galáxias em aglomerados exigia mais matéria do que nossos telescópios eram capazes de avistar. Essa teoria foi ignorada até a década de 1970, quando dados adicionais sobre o movimento das estrelas nas galáxias e sobre a taxa de expansão do universo forneceram evidências conclusivas.

O processo de peneirar pode dividir, até mesmo fraturar, áreas inteiras de estudo, criando oposição entre as explicações e seus defensores até que — algumas vezes — um dos lados apresenta uma prova demonstrativa.

É o caso do debate sobre o ‘Oumuamua, que, por falta de provas demonstrativas, se desenrola de forma contínua. De fato, vale admitir logo de início que a possibilidade de se obter uma prova demonstrativa é bem remota. É impossível alcançar o ‘Oumuamua e fotografá-lo. Os dados que temos são os dados que teremos para sempre, nos restando a tarefa de desenvolver hipóteses que expliquem por completo essas evidências. Trata-se, é claro, de um empreendimento totalmente científico. Ninguém vai inventar novas evidências, ninguém vai ignorar evidências que contrariem uma hipótese e ninguém vai inserir alguma evidência — como no antigo cartum de Sidney Harris que mostra dois cientistas trabalhando em uma equação complexa — do tipo “então um milagre acontece”. Talvez a opção mais perigosa, mais preocupante, seria declarar o seguinte em relação ao ‘Oumuamua: Não há nada para ver por aqui, é hora de seguir em frente, aprendemos o que podíamos e é melhor voltarmos para nossas antigas preocupações. Enquanto escrevo essas palavras, infelizmente parece ser o que muitos cientistas decidiram fazer.

O debate científico sobre o ‘Oumuamua começou relativamente calmo. Atribuo isso ao fato de que, no início, não sabíamos das anomalias mais arrebatadoras desse objeto. A princípio, essa história de detetive parecia ser um caso do tipo vapt-vupt: a explicação mais provável — de que se tratava de um cometa ou de um asteroide interestelar — também era a mais simples e a mais familiar.

Mas, à medida que avançava o outono de 2017, eu e uma parcela significativa da comunidade científica internacional nos vimos intrigados com os dados. Eu — mais uma vez ao lado de uma parcela significativa da comunidade científica internacional — não conseguia fazer com que as evidências se encaixassem perfeitamente na hipótese de que o ‘Oumuamua era um cometa ou um asteroide interestelar. Enquanto lutávamos para tornar isso possível, comecei a formular hipóteses alternativas para as múltiplas peculiaridades do ‘Oumuamua.

Não importa o que concluirmos a respeito do ‘Oumuamua. A maioria dos astrofísicos concordará que ele era, e continua sendo, a encarnação de uma anomalia.

Para começar, antes da sua descoberta, nunca se havia confirmado a observação de um objeto interestelar em nosso sistema solar. Só isso já fazia do ‘Oumuamua um acontecimento histórico e era o suficiente para atrair a atenção de muitos astrônomos. Isso levou à coleta de mais dados que, por sua vez, foram interpretados e revelaram ainda mais anomalias, o que, por sua vez, atraiu a atenção de mais astrônomos e assim por diante.

A revelação desses aspectos anômalos deu início ao verdadeiro trabalho de detetive. Quanto mais aprendíamos sobre o ‘Oumuamua, mais nítido ficava que o objeto era mesmo tão misterioso quanto relatavam os meios de comunicação.

Quanto mais aprendíamos sobre o ‘Oumuamua, mais nítido ficava que o objeto era mesmo tão misterioso quanto relatavam os meios de comunicação

Assim que o observatório no Havaí anunciou a descoberta e mesmo enquanto o ‘Oumuamua viajava para fora do sistema solar, astrônomos do mundo todo apontaram todo tipo de telescópios naquela direção. A comunidade científica estava curiosa, para dizer o mínimo. Imagine que uma pessoa tenha aparecido para jantar na sua casa e só depois do convidado ter ido embora por uma rua escura você se desse conta de todas as suas peculiaridades. Nós, os cientistas, tínhamos perguntas sobre esse visitante interestelar. Para coletar informações, enfrentamos uma janela de tempo que se fechava rapidamente, revisitando dados já registrados sobre o dito cujo e observando sua figura cada vez mais distante até o momento em que desapareceu na noite.

Uma pergunta crucial era: qual a aparência do ‘Oumuamua? Jamais tivemos uma fotografia nítida do objeto na qual nos basear. Temos, no entanto, os dados coletados por todos aqueles telescópios que durante onze dias se dedicaram a reunir tudo o que fosse possível. E assim que fixamos os telescópios no ‘Oumuamua, procuramos uma informação em particular: como o ‘Oumuamua refletia a luz solar.

Nosso Sol funciona como um poste que ilumina não apenas os planetas à sua órbita, mas também todos os objetos que se aproximam e que são suficientemente grandes para serem vistos da Terra. Para entender o conceito, primeiro é preciso ter em mente que, em quase todas as situações, dois objetos quaisquer farão uma rotação em relação ao outro quando passarem. Imagine uma esfera perfeita passando em disparada pelo Sol enquanto atravessa nosso sistema solar. A luz solar refletida em sua superfície não varia porque a área da esfera voltada para o Sol não varia. Qualquer forma diferente de uma esfera, porém, refletirá quantidades variáveis de luz à medida que o objeto fizer rotações. Uma bola de futebol americano, por exemplo, refletirá mais luz quando suas superfícies maiores estiverem voltadas para o Sol e menos luz quando a superfície menor, ao girar, fora da vez.

Para os astrofísicos, mudanças de luminosidade em determinado objeto fornecem pistas valiosas sobre sua forma. No caso do ‘Oumuamua, ela variava em dez vezes a cada oito horas, o que deduzimos ser o tempo necessário para uma rotação completa. A variabilidade dramática nos dizia que o formato do ‘Oumuamua era extremo, com comprimento de pelo menos cinco a dez vezes maior do que a largura.

A essas dimensões, acrescentamos mais evidências sobre o tamanho. Podemos dizer com segurança que o ‘Oumuamua é relativamente pequeno. Sua trajetória próxima ao Sol implicava que ele devia ter tido uma temperatura muito alta na superfície, algo que teria sido visível para a câmera infravermelha do Telescópio Espacial Spitzer, lançado pela NASA em 2003. Porém, a câmera do Spitzer não foi capaz de detectar nenhum calor emanando do ‘Oumuamua. Isso encorajou a suposição de que devia ser pequeno, o que dificultava a detecção pelo telescópio. Estimamos que tenha cerca de cem metros de comprimento — mais ou menos do tamanho de um campo de futebol — por menos de dez metros de largura. Tenha em mente que mesmo um objeto finíssimo em orientação aleatória pelo céu em geral parece ter alguma largura, o que significa que a largura real do ‘Oumuamua pode ser ainda menor.

Vamos presumir que as maiores dessas dimensões estejam corretas e que o objeto media algumas centenas de metros de comprimento por algumas dezenas de metros de largura. Isso tornaria a geometria do ‘Oumuamua várias vezes mais extrema em suas proporções — ou na relação entre comprimento e largura — do que o mais extremo dos asteroides e cometas que já vimos.

Imagine deixar este livro de lado e sair para dar uma volta em algum lugar. Você encontra pessoas. Talvez desconhecidas e sem dúvida diferentes entre si, mas, por suas proporções, todas são reconhecidas imediatamente como seres humanos. Entre tais transeuntes, o ‘Oumuamua seria alguém cuja cintura pareceria ser mais fina do que a dimensão do punho. Ver um indivíduo assim faria com que você questionasse seus olhos ou sua compreensão das pessoas. Era essencialmente esse o dilema enfrentado pelos astrônomos que começavam a interpretar os dados iniciais sobre o ‘Oumuamua.

…o ‘Oumuamua seria alguém cuja cintura pareceria ser mais fina do que a dimensão do punho. Ver um indivíduo assim faria com que você questionasse seus olhos

Produto

  • Extraterrestre
  • Avi Loeb
  • Intrínseca
  • 304 páginas

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