Analfabeto em emojis — Gama Revista
COLUNA

Marcelo Knobel

Analfabeto em emojis

Diversas áreas de pesquisa têm tentado entender o fenômeno de diferentes perspectivas. Por aqui, não tinha ideia que usar o joinha como resposta no WhasApp era considerado rude

07 de Dezembro de 2023

Durante uma conversa numa confraternização de fim de ano, após algumas cervejas, alguém finalmente teve a coragem de me dizer que eu era muito rude, algo que aparentemente estava entalado na garganta de algumas pessoas. Eu confesso que não entendi, pois sempre tento ser cordial e amável no relacionamento interpessoal. Ao perguntar de onde veio essa sensação, as pessoas responderam: –

Você frequentemente só responde com joinha 👍 às mensagens de WhatsApp. Fiquei espantado, pois não tinha ideia que isso era considerado rude. E não só isso. Percebi ali que o meu repertório de emojis era bem limitado (se resumindo ao👍 e 🙂), o que me caracterizava, muito provavelmente, como um dinossauro ranzinza. O pior é que mais recentemente também descobri, por meio de meus próprios filhos, que eu cometia o deslize de usar pontuação nas mensagens do WhatsApp, algo também considerado MUITO grosseiro (assim como o uso de caixa-alta). Como faço para me adaptar?

Os emojis surgiram há cerca de 20 anos na plataforma de mensagens instantâneas da Microsoft, que inseriu a possibilidade de usar dezenas de pequenos ícones que representavam não só objetos cotidianos, como bandeiras, ovelhas, carros, mas também emoções, como surpresa, confusão, alegria, entre outras. Gradualmente os emojis se espalharam pelas mídias sociais, e-mails, e hoje são pervasivos em todas as áreas.

Alguns pesquisadores afirmam que emojis permitem alcançar uma camada mais complexa de significados que as palavras não conseguem exprimir

Na realidade, os emojis têm uma história ainda mais longa, pois são derivados dos chamados emoticons, sequências de caracteres comuns que costumamos usar no dia a dia, que nos remetem a alguns sentimentos (como por exemplo a precursora da carinha feliz :), e tantos outros, como ;), 0:), :-), :-(, etc.

O artista japonês Shigetaka Kurita desenhou o primeiro conjunto de 176 emojis (do japonês e-imagem moji-letra) para uma empresa de telefonia celular, mas a grande maioria eram símbolos cotidianos para usar em lugar de palavras, como bola, casa, orelha, telefone, etc. Mas a expansão do uso não ocorreu até 2011, quando a Apple decidiu deixar emojis disponíveis em seu teclado, com o Android seguindo a tendência dois anos depois. Em 2015 o Dicionário Oxford nomeou 😂 a palavra do ano. Hoje em dia o Consórcio Unicode, que governa o uso dos emojis, lista mais de 3.500 símbolos diferentes, mas que aumentam a cada dia.

Essa expansão do uso de emojis não veio sem controvérsias, com muitos intelectuais criticando o seu uso, que empobreceria a linguagem escrita tão bem estabelecida em nossa civilização. Mas há diversas pesquisas que têm desafiado essa visão simplista. Alguns linguistas e cientistas cognitivos que têm estudado o assunto afirmam que os emojis permitem alcançar uma camada mais complexa de significados que as palavras não conseguem exprimir. De fato, em seu livro “The Emoji Code” o linguista Vyvyan Evans descreve os emojis como “a primeira comunicação universal verdadeira”.

Como os emojis têm se tornado cada vez mais populares na comunicação mediada por computador e tem tanto funções emocionais quanto semânticas, diversas áreas de pesquisa têm tentado entender o fenômeno de diferentes perspectivas, incluindo ciência da computação, comunicação, marketing, ciência comportamental, neurociência, linguística, psicologia, medicina e educação. Conforme as pesquisas vão avançando, os cientistas começam também a ficar mais interessados nas incríveis nuances possíveis que ocorrem com o uso dos emojis, como o uso e entendimento diferenciado dos símbolos para diferentes grupos sociais e culturais, bem como para grupos etários e identidades sexuais diferentes.

Um exemplo interessante é o uso dos emojis para expressar ironia, ou seja, expressar exatamente o contrário do que você disse. No Brasil, tornou-se frequente o uso da hashtag #SQN, para deixar a ironia bem clara, o que de fato tira um pouco a graça da própria ironia. Com emojis isso pode ser feito adicionando camadas de drama, intensidade e significado, como quando alguém quer comentar no grupo da família que a comida no domingo estava ótima 😉, não é mesmo? Essa mesma ironia pode ocorrer em diferentes níveis e intensidade, que também dependem do significado dado por quem escreve e por quem recebe (🤥 🤮🤭), que também pode variar.

O fato é que os emojis conseguem modificar o significado de uma palavra ou frase, deixando-as mais alarmantes, mais emotivas, mais divertidas. É complicado, mas por isso mesmo abre tantos caminhos interessantes para pesquisas comportamentais, que buscam entender um pouco melhor a nossa comunicação nesse mundo relativamente novo das redes sociais, por exemplo. Com a velocidade com que as coisas estão mudando, é possível que este texto fique logo obsoleto, e que logo os emojis se tornem uma coisa do passado, assim como o ponto final

LEIA MAIS (em inglês):
Your 🧠 On Emoji – Nautilus
A Systematic Review of Emoji: Current Research and Future Perspectives – PMC (nih.gov)
Monkeys and eggplants: how do men and women use emojis differently? | Life and style | The Guardian
People Who Use More Emojis Have More Sex and Get More Dates | Psychology Today

Marcelo Knobel Marcelo Knobel é físico e professor do Instituto de Física Gleb Wataghin, da Unicamp. Escreve sobre ciência, tecnologia, inovação e educação superior, e como impactam nosso cotidiano atual e o futuro

Os artigos publicados pelos colunistas são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam as ideias ou opiniões da Gama.

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